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Pimenta-rosa. Coluna do Paladar. Edição de 02 de agosto de 2018

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A coluna de hoje está no site do Paladar, no jornal impresso e também aqui: 

Pimenta rosa para além da estética 

Quem anda observando as árvores de São Paulo deve ter notado que nesta época do ano as aroeiras pimenteiras plantadas nas ruas e praças como plantas ornamentais estão carregadas de frutinhos vermelhos do tamanho de grãos de pimenta-do-reino.  Tão caras no mercado, tão fartas nas rua. E, apesar do nome,  estes pequenos frutos da aroeira-pimenteira não têm nada de picante. Guardam como semelhança com a pimenta-do-reino apenas o formato e o tamanho.

A pequena baga é do tamanho do fruto de pimenta-do-reino, de cor que pode variar do rosa pink ao vermelho bem vivo. Ela se parece com uma bolinha vermelha oca. Quando apertada, nota-se que a parte vermelha é uma película fina e  quebradiça, que envolve uma semente ligeiramente adocicada e resinosa.

Até a semana passada eu vivia repetindo que esta era uma especiaria que não me apetecia muito, talvez pelo forte perfume de terebintina – as folhas rescendem ainda mais à substância e daí o nome da espécie, Schinus terebinthifolia. Acontece que me deparei com aroeiras exuberantes em seus cachos vermelhos na entrada de Piracaia e no nosso próprio sítio naquela cidade, onde há várias árvores crescendo espontaneamente na beira das estradas de terra, e então resolvi dar uma nova chance às mimosidades.  De repente o sabor resinoso me fez lembrar do mastique, pepitas de seiva endurecida da árvore Pistacia lenticus, muito usado como especiaria em doces árabes, e assim a característica que antes me incomodava começou a ganhar novo significado e despertar outros interesses para possíveis combinações.  

O incrível é que com com tanta aroeira-pimenteira, árvore brasileira espalhada por todo o território, grande parte da pimenta rosa vendida nos mercados,  em passado bem recente, vinha da França, que importava do Brasil, embalava e nos devolvia rotulada como baies roses ou poivre rosepara ser vendida em mercearias de produtos finos. Acho que pouca gente ainda cai nessa atualmente, mas não custa avisar que embora a planta esteja espalhada mundo afora, Brasil e Madagascar são os maiores produtores. Portanto, melhor comprar a produção local não viajada.  

Se bem que devemos aos franceses a popularização de seu uso alimentício – a planta é tradicionalmente usada por suas propriedades fitoterápicas, está entre as espécies medicinais elencadas por naturalistas que percorreram Minas Gerais no século 19, como  Carl FP von Martius (1794-1868) e Auguste Saint-Hilaire (1779-1853) e figura na primeira edição da Farmacopeia Brasileira em 1929. Como especiaria, os frutos começaram a ser usados na França no começo do século passado, mas sobretudo a partir do avanço da nouvelle cuisinena década de 1970 - mais por afetação que por suas características gustativas, diziam os mais ranzinzas. O fato é que boa parte do mundo passou a conhecê-la e abusar de sua beleza. Nos Estados Unidos, em 1982, a importação da França, que comercializava os frutos do Brasil, chegou a ser proibida com a alegação de que seu consumo não era seguro e poderia causar alergias e outros males, como acontece com espécies da mesma família das Anacardiáceas como manga ou caju, por exemplo. A proibição durou pouco tempo, mas foi suficiente para dar o que falar, aumentando ainda mais a curiosidade.

Acontece que realmente todas as partes da aroeira-pimenteira podem causar alergias em pessoas mais sensíveis, mas o uso das bagas como tempero é considerado seguro. De qualquer forma, deve-se sempre empregar em doses de especiaria, sem exagero nem assombros, lembrando que noz moscada, cravo-da-índia e anis-estrelado também contém componentes tóxicos e podem fazer mal se consumidos em grandes doses. Nada de fazer, portanto, dieta da pimenta-rosa, e no aparecimento de qualquer sintoma suspeito pós-consumo, deve-se suspender o uso.

O mesmo conselho vale para as bagas das outras duas espécies encontradas por aqui, a Schinus lenticifolius, que ocorre mais na região Sul, e a S. molle, originária dos países andinos e usada como árvore ornamental sob o nome de aroeira-salsa – esta,  com frutos mais amarronzados.  As aplicações medicinais das três espécies  também são semelhantes e as folhas são diferentes morfologicamente mas sempre cheirosas – usadas para extração de óleos aromáticos usados na perfumaria.

Tudo bem que muita gente já não aguenta mais comer salmão com pimenta-rosa, mas experimente misturar as bagas vermelhas com os grãos de pimenta-do-reino em diferentes estágios de maturação e triturar todas juntas. Ou passar pela peneira grossa e recolher apenas a pele fininha do fruto que pode ser misturada em manteiga com umas gotas de limão, ou ainda ser acrescentada à mostarda ou em caldas de sobremesa, por exemplo. As sementes, uma por baga, se forem frescas, devem ser desidratadas por 10 minutos a 100 ºC para que possam ser guardadas em vidros sem mofar. Na hora de usar, basta triturar como pimenta-do-reino.  Como aromatizante de vinagres ou kombuchas, as baga podem ser acrescentadas ao líquido inteiras e deixadas até conferir aroma. Elas ainda podem ser usadas como mastique ou misk em sobremesas à base de leite como sorvetes, musses, pudins, bolos, biscoitos e cremes. O sabor resinoso harmoniza bem com beterraba e creme de leite, daí a receita que me colocou no grupo das pessoas que adoram pimenta-rosa para além da estética.



Beterrabas gratinadas com pimenta-rosa  
300 ml de creme de leite
1 colher (sopa) de pimenta-rosa
1 dente de alho com casca amassado
2 folhas de louro
Sal e pimenta-do-reino a gosto
800 g de beterrabas vermelhas e amarelas (ou só vermelhas)
1 pedaço de 100 g de pão de fermentação natural duro ou amanhecido
1 colher (chá) de manteiga
1 colher (chá) de azeite
1 colher (sopa) de vinagre de vinho tinto

Preaqueça o forno a 180 ºC.   Coloque numa panela o creme de leite, metade da pimenta-rosa, o alho, as folhas de louro e uma pitada de sal.  Deixe ferver em fogo baixo por 10 minutos. Coe e reserve o creme perfumado.  Descasque e fatie as beterrabas bem finamente (se quiser, use mandolim ou processador)  e arrume as numa frigideira de ferro ou forma refratária. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e cubra com o creme perfumado. Cubra com papel alumínio e leve ao forno preaquecido. Deixe assar por cerca de 1 hora ou até a beterraba ficar macia. Enquanto isto, passe pelo processador o pão junto com metade da pimenta-rosa reservada, além da manteiga e do azeite – ou rale o pão e misture tudo. Espalhe o vinagre sobre as beterrabas assadas e em seguida cubra com a farofa de pão. Deixe no forno, sem o papel alumínio, por cerca de 25 minutos ou até dourar. Espalhe o restante da pimenta-rosa por cima e sirva como acompanhamento.


Rende: 8 a 10 porções 

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