Cida, de Curaçá-BA |
Mas outra coisa intrigante me aconteceu recentemente. Antes, preciso contextualizar duas situações.
Em fevereiro deste ano dei oficinas para merendeiras em Curaçá, no sertão do São Francisco. Uma delas, Cida, me trouxe uma erva chamada de "limãozinho". Tinha perfume de citronela, de capim-limão, verbena, limão-kafir. Fiquei tão encantada com a planta que levei para o hotel em Uauá (onde ninguém conhecia) e deixei na água na esperança que durasse até voltar a São Paulo. Quase todos os galhos morreram, restando apenas dois que embalei com cuidado e trouxe para casa. Chegaram meio capengas, mas plantei e cuidei até que as primeiras folhas vieram para dizer que a planta vivia. Tudo muito lento. E eu feliz a cada folhinha nova e com a chegada das florezinhas amarelas, sonhando com uma moita delas, com seu perfume numa panela junto com leite de coco, coentro, quem sabe um peixe ou frango. E segue assim, devagar mas viva. Acabou que me afeiçoei demais por esta espécie.
A outra situação é que os hortelões da horta comunitária e eu resolvemos plantar umas árvores na praça (perto da horta comunitária). Eram uns dois sabugueiros, um mandacaru sem espinho e um umbuzeiro que fiquei cuidando durante um ano, também trazido da Caatinga. Depois de perder todas as folhas, outras novas brotaram no umbuzeiro quando acabou o inverno. E estas folhas são ácidas e deliciosas para chá. Quando estava forte suficiente achei que era hora de sair do vaso. Então chamamos este local - onde já havia um pé de palma - de jardim da Caatinga. Mas era um nome só nosso. Não colocamos plaquinha e não revolvemos a terra. Apenas plantamos num pequeno platô de mato que já existia e usamos as covas de árvores que não tinham vingado. Os dias eram de chuva e elas pegaram bem, lançaram folhas novas e não estavam atrapalhando ninguém. Eram espécies úteis para todos os moradores e não são árvores que ficam monstruosas. .
As coisas iam bem, passaram algumas poucas semanas e voltei lá com uma amiga. Todas as árvores e os pés de citronela que havíamos plantado em volta para ajudar espantar mosquitos estavam arrancadas e deixadas do lado. Como o vandalismo era recente, as plantas puderam ser replantadas no mesmo lugar. Quem sabe era apenas um andarilho enlouquecido? Mas não. Duas semanas depois voltamos lá e nos deparamos com as árvores e as citronelas arrancadas e desta vez sumidas. Havia também duas mudas que plantamos em covas de árvores que não haviam vingado e cercamos para que os jardineiros não a destruissem quando fossem roçar. Uma de folhas de curry e outra de limão-caviar. Arrancaram também estas duas. Só encontramos um sabugueiro ressequido a uns 100 metros dali. Descobrimos depois que foram alguns moradores, certamente os mesmos contrários à horta comunitária (certamente achando que estivéssemos expandindo nosso poder maléfico), pois a praça já tem árvores demais, árvores podem crescer e fazer aquilo virar um bosque e um bosque pode ser perigoso, atrair traficantes de drogas, e árvores frutíferas não podem porque atraem coletores etc etc. Ouvimos coisas assim contadas por outros.
Senti muito pelo umbuzeirinho. Muito mesmo. Fiquei sem vontade de voltar lá. Mas outro dia, passeando com a Dendê, passei perto e vi um mato rasteiro e diferente com florezinhas amarelas. Pensei ser uma miragem. Uma moita de limãozinho nasceu ali. Fiquei emocionada. Claro, as sementes podem ter vindo junto com os cactos, de Uauá. Mas em Uauá ninguém conhecia a erva. Mesmo em Curaçá, as outras merendeiras tampouco conheciam. As únicas mudas que consegui fazer vingar em casa não tinham sementes. Então como foi nascer esta erva justo ali? E em tão pouco tempo já estava tão alastrada. Para aplacar a tristeza escolhi acreditar que foi uma recompensa da Caatinga para a perda do umbuzeiro. Este não poderia reaparecer assim, de repente. O umbuzeiro provavelmente foi pisoteado, dobrado, colocado numa lixeira ou debaixo de restos de poda (procurei por todo o bairro, em todas as lixeiras, mas não encontrei sinal dele). Agora, o limãozinho, uma erva espontânea que nasce à beira do São Francisco, sim. Apareceu de sopetão, se mostrou, me deixou colher. E deixe estar, que a natureza tem seus segredos. Não precisamos nos esforçar para entender, basta aceitar e agradecer. Deixemos assim.
Sobre a planta, já falei aqui. Mas não custa copiar e colar:
Nasceu no Jardim da Caatinga destruído |
Limãozinho: na cidade de Curaçá, que fica na beira do São Francisco, uma merendeira trouxe uma erva surpreendente não só para mim mas para a maioria das colegas. Tinha folhinhas pontudas, flores minúsculas amarelas e perfume de citronela, melissa, verbena, limão-kafir. Recebe por lá o nome de "limãozinho". Disse que nasce espontaneamente na beira do rio na época da chuva. Todo mundo quis beliscar, sentir o perfume, saber pra quê servia. Claro, é uma erva antes de mais nada medicinal, mas já fiquei imaginando num prato com leite de coco e pimenta. Conservei um galhinho comigo até o fim da viagem e já chegou em São Paulo meio capenga. Ainda assim, plantei e todos os dias vou espiar as folhinhas verdes que restaram, pra ver se a planta desperta. Pelo menos já fui pesquisar e descobri o nome da preciosidade: Pectis brevipedunculata ou capim-limão-de-flor, chá-de-moça, catinga-de-formiga (lembrando que a cabeça da saúva sabe à citronela) e alecrim bravo - além do nome com o qual é conhecido lá por aquelas bandas: limãozinho. Segundo Kinupp, V. F, e Lorenzi, H. no livro "Plantas Alimentícias Não Convencionais", em Manaus a erva é vendida nas feiras livres e é usado como tempero na região amazônica."