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A flor azul do feijão borboleta. Macarrão com ovo azul. Coluna do Paladar. Edição 07/05/2015

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Hoje tem coluna Nhac no Paladar, do Estadão.  Está lá no blog do caderno e também aqui. 

Quem acompanha o blog já deve ter visto o outro post onde falo desta flor. Veja lá a transformação da cor do chá. 


A flor azul do feijão-borboleta


Ao longo dos séculos o homem foi selecionando alimentos de uma paleta diversa de cores, com exceção do azul relacionado quase sempre ao bolor da comida estragada. Afinal o mofo azul é aceito nos queijos mas sob controle, e nem é tão azul assim. Então, é por falta de repertório que consideramos o azul tão frio, artificial e repulsivo.

Acontece que temos, sim, alguns alimentos azuis, cujo pigmento se expressaria melhor se estivesse em meio mais alcalino. Amoras, mirtilos (blueberries, como já diz o nome em inglês), uvas e jabuticabas seriam frutos muito mais azulados se não fossem ácidos. Basta colocar mirtilos ou amoras em massa de bolos com bicarbonato para ver como ficam azulados. Nestes casos, o resultado realmente não é muito apetitoso. O próprio nome do pigmento presente nestas espécies, antocianina, não deixa dúvida sobre o tom. Ciano vem do grego κυανός (kyanos) que significa azul. E antocianina, nós sabemos, é a substância antioxidante mais citada quando queremos justificar nosso apreço pelo vinho tinto.

Pois as flores comestíveis do feijão-borboleta são azuis sem disfarces e com elas podemos fazer comidas de smurfs ou de sereias enquanto não nos acostumemos com a seriedade de um alimento azulado no prato.

Como nomes populares podemos escolher outros: ervilha-borboleta, ismênia, palheteira ou cunhã. Mas foi sob o nome de feijão-borboleta que ganhei algumas sementes cinzas esverdeadas em 2008 em um encontro do Terra Madre, do Slow Food, em Brasília. Fiquei curiosa quando um produtor de orgânicos expôs as sementes num vidro como forrageira. Perguntei se era de gente comer e ele disse que não, mas que animais gostavam. As sementes ficaram dentro de um envelope ao lado do meu computador durante uns cinco anos, até que um dia resolvi pesquisar pelo nome em português e inglês, butterfly pea, e um céu sem nuvens se abriu à minha frente. São tantos estudos e relatos sobre os usos medicinais, forrageiros e alimentícios, que não esperei para plantar e, em pouco tempo, colher e colorir tudo o que pude. Desde então não fico sem meu chá azul. Ou rubi, se pingo gotas de limão.

Da mesma família do feijão e da ervilha, a Clitoria ternatea é originária da Ásia tropical e hoje está presente na América do Sul e Central, China, Índia e Sudeste Asiático. No Brasil a planta é mais conhecida como cunhã e mais usada como forrageira, sendo considerada o feno tropical por causa da boa aceitação entre os animais e o bom teor nutricional de sua folhagem. Já na cozinha é praticamente ignorada.

As folhas também são comestíveis, assim como as vagens bem jovens. Porém, o maior atrativo são as flores e nem tanto pelo sabor, já que são muito neutras, mas sim pela cor incomum e finalidades terapêuticas, já que são boas fontes de fitoquímicos. Por isto, a infusão das flores é tida como hepatoprotetora e antidiabética e o suco é usado tradicionalmente na medicina ayurvédica para curar picadas de insetos e doenças de pele, só para citar alguns exemplos. Fosse este um caderno de fitomedicina, suas páginas não bastariam para descrever o tanto de aplicação medicinal desta espécie mundo afora. Mas fiquemos com a planta comestível, visto que seu pigmento azul natural é usado fartamente mundo afora.

A cozinha do Sudeste Asiático, porém, parece concentrar o maior número de comidas azuis feitas com a flor. São refrescos, chás, bolinhos doces, sorvetes, sopas, mingaus, arroz e tudo o que possa ser tingido. Por aqui, me divirto colorindo tapiocas – é só usar a infusão bem forte e fria para hidratar a fécula da mandioca e terá lindos beijus azuis que combinam com recheio cremoso de coco fresco.

No site Amazon você pode encontrar flores secas para chá importadas. Procure por “Dried Butterfly Pea Flowers”. E a planta, talvez você possa encontrar em floriculturas, já que é cultivada como espécie ornamental. Agora, se quiser plantar em vaso, nas floreiras ou no quintal, saiba que é uma linda trepadeira perene e que em nosso clima fica florida na maior parte do tempo, preferindo verão e outono. Procure as sementes em casas agrícolas que vendam grãos forrageiros. Neste caso, peça sementes de “cunhã”. Uma boa ideia é começar pesquisando no mercado virtual. O bom é que em pouco tempo ela floresce. Basta espalhar algumas sementes, pulverizar terra por cima e regar e esperar. Se quiser apressar o processo, deixe as sementes de molho em água fria por uma noite.


As flores secas

Para extrair o pigmento, afervente flores frescas ou secas em quantidade variável a depender da intensidade de azul que quer. Para colorir uma xícara de arroz cru, por exemplo, umas cinco flores são suficientes. Já para um chá, cerca de 1 colher (sopa) de flores secas ou um pouco mais delas frescas para meio litro de água. Flores frescas podem ser adicionadas inteiras em saladas, picadas, em manteigas ou trituradas juntas com leite ou iogurte para fazer sobremesas.


Resolvi tingir a massa do talharim e os ovos para colocar por cima. Na hora de fotografar, uma abelha pousou no prato me lembrando de dizer o porque do nome popular. Borboletas são loucas por elas.


TALHARIM DE FEIJÃO-BORBOLETA COM OVOS E MANTEIGA DE SÁLVIA

4 ovos cozidos
2 xícaras de infusão de flores de feijão-borboleta bem forte
1 ovo cru
1 colher (chá) de sal
Cerca de 250 g de farinha de trigo
100 g de manteiga salgada
10 folhas de sálvia
4 flores frescas de feijão-borboleta

Descasque os ovos cozidos, parta-os ao meio, retire as gemas com cuidado sem desmanchá-las e reserve. Coloque as claras numa tigela pequena e despeje uma xícara de infusão de flores. Deixe-as imersas até terminar de fazer a massa (se preferir os ovos tingidos só por fora, parta os ovos depois de tingidos).

Coloque o ovo cru numa xícara e despeje a infusão de flores até completar meia xícara. Despeje tudo no copo do processador, ligue o aparelho, junte o sal e vá adicionando farinha até formar uma massa coesa. Talvez sobre farinha. Desligue o aparelho, com as mãos forme uma bola de massa e vá juntando mais farinha se for necessário. Se não tiver processador, faça isto numa tigela, amassando bem. Abra a massa e corte os talharins, usando a máquina de macarrão. Se não tiver, estenda a massa com rolo o mais finamente que conseguir, enfarinhe bem, enrole como rocambole e corte em fatias de 1 centímetro. Vá deixando as fitas soltas sobre toalha enfarinhada ou em varal de massas. Leve para aquecer 1,5 litro de água junto com o restante da infusão azul. Quando ferver, junte ½ colher (sopa) de sal, espere voltar a fervura e coloque o macarrão. Deixe cozinhar por cerca de 2 minutos. Escorra e reserve.
Enquanto isto, numa frigideira grande, derreta a manteiga e acrescente as folhas de sálvia e as flores rasgadas de feijão-borboleta. Junte o talharim, misture tudo com cuidado e distribua a massa em 4 pratos. Por cima, distribua os ovos tingidos e escorridos, com as gemas em seus lugares.

Rende: 4 porções

Notas
Para a infusão, ferva 2 xícara de água com meia xícara de flores de feijão borboleta secas até soltar toda a tinta. Peneire e use.
Cozinhe os ovos assim: primeiro, use os ovos em temperatura ambiente. Coloque água numa panela pequena e leve ao fogo. Quando ferver, coloque os ovos com cuidado, usando uma concha ou colher. Marque 9 minutos de fervura, escorra e deixe que esfriem em água gelada.


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