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Pacová, o nosso cardamomo. Coluna do Paladar, edição de 05/06/2014

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Pois é, voltei. Toda picada de micuim de búfalo, mas voltei do Marajó. Não consegui postar durante a viagem, de modo que sobrou muita coisa interessante pra mostrar, mas antes preciso organizar as lembranças. Enquanto isto, a coluna do Paladar da última semana. Há tempos queria falar do nosso cardamomo, mas desejava antes ter a oportunidade de conhecer a planta, o que aconteceu há alguns dias. No jornal, o link é este: http://blogs.estadao.com.br/paladar/pacova-para-comer-e-para-perfumar/. Mas aqui reproduzo o texto original, mais fotos do passeio de coleta e uma receita de bolo e outra de açúcar, exclusivas para o blog.  E amanhã tem Pará. 



Pacová 

Até hoje não sei de onde vem a expressão “não me enche os pacovás”, mas ouvi tanto quando criança que resolvi ver no dicionário se pacová era sinônimo de paciência. Um tipo cardamomo brasileiro era a descrição do verbete. Cardamomo, a especiaria indiana muito aromática, só vim a conhecer mais tarde. E, ainda assim, antes de ver um fruto seco do nosso pacová, que descobri em bancas de ervas medicinais não tem muito tempo. Já a planta em flor e com frutos frescos, conheci só há alguns dias.

Em tupi-guarani, pacová quer dizer folha enrolada, daí a profusão de plantas com este mesmo nome popular, incluindo a banana-da-terra, um tipo de alpínia e outro filodendro comum nos viveiros. Mas o pacová de que falo é aquele mesmo dos dicionários, Renealmia exaltataparente do cardamomo, cujas sementes são repletas de óleos essenciais. Na China, há um tipo parecido que costumam defumar para usar em pratos salgados.

A planta está presente em quase toda a América tropical e às vezes cultivada como planta ornamental.  E, como resiste a algum tempo de seca e até a frio intenso, pode ser encontrada em todo o território nacional, preferencialmente no interior de bosques em terrenos úmidos e sombreados. 

O que fiz há alguns dias foi ir atrás dos frutos em seu ambiente natural. Quem me guiou foi Carlos Gomes, que nasceu em Piracaia, interior de São Paulo, e conhece todos os matos e plantas medicinais. Andamos mais de uma hora por trilha até chegarmos ao local onde havia uma reunião de pacovás com mais de metro de altura e folhas parecidas com a de alpínias, galangas ou lírios do brejo.  Numa mesma planta havia lindos cachos de flores rosa forte e frutos, alguns ainda vermelhos como grãos de café, outros mais velhos, já púrpuras como jabuticabas e uns poucos enegrecidos e secos, prontos para usar.  A maioria dos frutos, no entanto, Carlos já havia colhido na maturação coletiva da semana santa. Em sua varanda, há várias pencas de pacovás de cabeça pra baixo secando presas ao madeirame do telhado. 

Algumas pessoas da cidade ainda usam as sementes como medicamento para dor de estômago e má digestão, como em todo o Brasil, mas conhecer a planta quase ninguém conhece e Carlos se orgulha de saber o dia certo de ir colher. Segundo ele, a planta guarda um mistério, pois a maioria dos frutos amadurece exatamente na semana santa, não importa ela se caia em março ou abril. E nesta mesma época as flores estarão desabrochando para dar vida a novos pacovás que levarão um ano para amadurecer. 


E usar como condimento na cidade também ninguém usa, ao menos que se saiba.  Eu conhecia o sabor e o perfume dos cardamomos comprados nas lojas de plantas medicinais e já havia usado em receitas no lugar do cardamomo. Mas agora, com vários frutos em mãos, colhidos no pé, parece que são ainda mais parecidos com o cardamomo – as plantas são parentes, ambas zigimberáceas como o gengibre. Certamente na composição de um de outro vários componentes do óleo essencial coincidem.

A casca arroxeada também é usada como medicamento e produz um chá avermelhado quando o fruto está maduro e foi recém-colhido. Em volta das sementes,  os arilos alaranjados são fiapentos e tornam-se um pouco mucilaginosos quando mastigados. Não são gostosos, mas são comestíveis, podem colorir e perfumar arroz e os jacus adoram.  Já as sementes também não são gostosas para comer, como não são o anis estrelado ou um dente de alho, mas na comida, em pequena quantidade, dão sabor e aroma. E mastigadas, elas produzem uma ótima sensação refrescante, deixando o hálito perfumado.

Se nunca provou, procure em casas de produtos fitoterápicos. Experimente uma semente e logo sentirá o sabor pronunciado não só lembrando o cardamomo, mas também algo cítrico e mentolado. E, assim como o cardamomo, o pacová pode ser usado para aromatizar o café, moendo um pouco das sementes junto com os grãos. Ou  para compor mistura de especiarias – triturado com pimenta-do-reino, cravo e canela, por exemplo, para usar em carnes, frangos e vegetais. Para pratos doces, basta socar no pilão um pouco das sementes com açúcar, peneirar e usar em chás aromáticos, bolos, biscoitos de especiarias e docinhos como este de fécula de mandioca, em que tem seu lado cítrico incrementado pelo capim santo.  



Doce de goma de mandioca com capim santo e cardamomo

Ingredientes
1 xícara de leite de coco
As sementes de 2 frutos de pacová socadas
10 folhas de capim santo picadas
1 xícara de açúcar
1 xícara de polvilho doce (fécula ou goma seca da mandioca)
½ xícara de coco ralado

Modo de fazer:  bata no liquidificador o leite de coco com o pacová e o capim santo até ficar bem triturado. Passe por um pano e esprema bem. Volte o líquido verde para o liquidificador com o açúcar e o polvilho. Bata até homogeneizar. Espere meia hora, bata de novo e distribua a mistura por forminhas de empadas de alumínio pequenas, ou de cupcakes de silicone – coloque a massa só até a metade da altura da forminha. Não precisa untar nenhuma delas.  Cozinhe no vapor por cerca de 20 minutos, com um pano entre a panela e a tampa, para absorver a umidade e não molhar o docinho. Estará pronto quando ficar translúcido e a superfície não grudar nos dedos. Desenforme ainda quente passando uma faca na lateral e puxando. Passe por coco fresco, espere esfriar e sirva.  Se preferir, espere esfriar, corte em pedaços e passe por açúcar – ficam como balas de goma.

Rende: cerca de 30 docinhos


Receita do Bolo de aveia com pacová 

1 xícara de manteiga 
2 xícaras de açúcar mascavo 
1 xícara de farinha branca 
1 xícara de farinha integral 
1 xícara de aveia 
2 xícaras de leite 
1 colher (chá) de bicarbonato
1 colher (sopa) de fermento em pó 
1 pitada de sal 
1 colher (chá) de noz moscada
2 bagas de pacová e 2 dentes de cravo socados com 1 colher (sopa) de açúcar e peneirados 
1 colher (sopa) de canela em pó 
2 xícaras de maçã descascada e picada 

Bata manteiga e açúcar até formar um creme e junte aos poucos os outros ingredientes. Asse em formas untadas. 


Açúcar de pacová 

Soque e peneire açúcar e sementes de pacová a gosto. Use o açúcar para adoçar chás, cafés, refrescos e drinques.  O arilo amarelo pode ser usado para tingir arroz. 

Outras fotos

Carlos e Silvana
Carlos entrando no bosque
O botão demora 1 ano pra virar fruto
O fruto imaturo
Fruto maduro
Quase dois metros
O ambiente

Ao redor tem líquem

E bastante água - Silvana bebe um pouco de água fresca na folha de caeté

E tem musgos e cogumelos
Marcos aproveita pra balançar num galho de limão zamboa 


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