A coluna de hoje está lá no
blog do Caderno Paladar, mas o texto completo está aqui, com algumas dicas de como lidar com esta fruta indomável.
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Numa das andanças, Marcos trouxe a fruta e a muda |
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Parece com nêspera, mas não é fácil morder |
GRAVATÁ
Parece sina das nossas frutas de nome indígena oxítonas em a, como jatobá, jaracatiá, ingá, guaraná, jerivá, butiá, inajá e até araçá, a de serem desconhecidas ou difíceis de comer. Às vezes, as duas coisas ou a primeira em razão da segunda. Casca muito dura de quebrar, mais semente que polpa, fiapenta, sem doçura, grudenta, farinácea, muito ácida e cáustica são apenas algumas das depreciações. Mas muitas de nossas frutas, sempre tão nutritivas e perfumadas, são assim mesmo e requerem algum preparo, só isso. Muita gente acredita ainda que fruta para merecer o nome tem que ser gostosa à primeira mordida. Por isto as frutas exóticas de clima temperado fazem tanto sucesso - maçãs, peras, pêssegos, uvas e ameixas são bons exemplos. Elas são suculentas e podem ser comidas diretamente do pé. Em nossa defesa, temos também cá jabuticabas e umbus, só para ficar com uma dupla. E nossas frutas tropicais rendem mais que simples geleias.
O grande problema das frutas brasileiras é que muitas delas caíram no esquecimento antes mesmo de terem a chance do melhoramento no cultivo para seleção de variedades com frutos mais mansos e palatáveis . O gravatá é um desses casos, do qual não se pode esperar uniformidade. Fruto de uma bromélia nativa da América Tropical, como o abacaxi, ainda cresce selvagem por aí e são várias espécies aparentadas do mesmo gênero que recebem os mesmos nomes populares – caraguatá, croatá, curauá, coroatá, caruatá, caravatá ou ainda, em espanhol, aguama, piña-de-ratón etc. Os frutos das muitas espécies e tipos variam no tamanho, na doçura e na brandura, na acidez e coloração da casca. A mais facilmente encontrada, Bromelia antiacantha, tem frutos similares a nêsperas. A aparência, contudo, com qualquer outra fruta é apenas no aspecto, pois com a polpa não há com o que se comparar.
Embora o gravatá seja atualmente mais usado mais como planta ornamental, cerca viva, medicamento antitussígeno ou contra parasitas intestinais, ele já foi apreciado como fruta por aqui na época do descobrimento. Gabriel Soares de Souza falava dele em seu Tratado Descritivo do Brasil, em 1587 – “Ao longo do mar se criam umas folhas largas, que dão um fruto a que chamam carauatá, que é da feição de maçaroca, e amarelo por fora; tem bom cheiro, a casca grossa e tesa, a qual se lança fora para se comer o miolo, que é mui doce; mas empola-se a boca a quem come muita fruta d´esta."
A falta de cultivo, e com isto de seleção de espécies mais palatáveis, faz com que o fruto seja tão raro quanto imprevisível no agrado. Quando bem maduro, é doce, perfumado e ácido e pode ser comido ao natural depois de desvencilhar a polpa da casca grossa e coriácea. Não sem ter que descartar da boca depois de mastigado uma dura fibra quase como as de toletes de cana. E, mesmo maduro, pode pinicar um pouco a língua porque contém oxalato de cálcio e ainda enzimas proteolíticas, como o abacaxi, e por isto pode provocar aftas. Por estas e por outras, não é, definitivamente, o tipo de fruto para se comer direto do pé. Mesmo porque a planta rústica, que suporta solo ácido, seca e estiagem e forma touceiras como abacaxizeiros, tem folhas grandes e espinhosas. Tanto que o único cultivo que se faz dela, não é exatamente pelos frutos, mas como cerca viva para afastar inimigos. Uma linda planta, por sinal. Os cachos de gravatá chegam em floração violácea que atrai insetos e beija-flores e são enormes, podendo agrupar mais que uma centena de frutos e pesar mais de três quilos.
Não é fácil encontrar, a não ser em algumas feiras ou em mercados populares nas bancas de ervas medicinais – afinal, seu destino mais comum é para xaropes (procure também pelas sementes na loja virtual matosdecomer.blogspot.com.br). Em Foz do Iguaçu é comum encontrar mulheres paraguaias vendendo a raridade nas ruas durante a safra – neste momento.
Eu queria apenas um pouco para explorar os frutos na cozinha e pedi para o Carlos Gomes, nosso caseiro, em Piracaia. Ele sumiu no mato e depois de alguns minutos voltou com uns sete cachos, cada um com mais de três quilos. Usei alguns, congelei outros.
Fiz de tudo, bati inteiro no liquidificador, tentei triturar no processador, passei pela centrífuga e soquei no pilão. O melhor método para se obter seu suco isolado das fibras, que sai espumoso, é passar a fruta já descascada pelo liquidificador com um pouco de água, só o suficiente para fazer funcionar o aparelho, lembrando que as frutas possuem fibras com as de cana. Então, para conseguir bater uns quinze frutos, use uma xícara de água. Depois de batido, coe. Sobram fibras e sementes, que são duras e resistem ao maltrato das lâminas. Com o uso pronto e fervido (para inativar as enzimas que poderiam derreter um pedaço de carne), ai sim pode usar como tempero para frango, peixe e carne de porco, para fazer geleias, combinar com a banana para doce cremoso ou com outras frutas para fazer sorvetes , caldas, gelatinas e refrescos. Na carne de porco, combinei com tempero comuns na nossa cozinha e o resultado, perfumado e agridoce, você poderá provar se conseguir algumas dessas frutas.
O xarope para tosse que se faz com ele costuma levar mel e o guaco, erva usada tradicionalmente para mesma moléstia, cujo princípio ativo é a cumarina, que tem perfume delicioso – a mesma presente nas sementes de amburana e do cumaru, por exemplo. E é incrível como os aromas da fruta e da cumarina se complementam. Então, quando estiver usando o suco de gravatá para receitas doces, acrescente umas sementes de amburana, cumaru ou a própria erva para temperar. E vamos aprendendo a domesticar na cozinha esta preciosa fruta ainda tão belicosa.
Dicas
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Doce / marmelada |
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Doce com banana |
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Coxinhas de frango: mesma receita da costelinha |
- Compre o cacho em lojas de ervas medicinais.
- Na cozinha, use os frutos sempre cozidos. Crus, podem pinicar a língua (mas são eficientes contra parasitas intestinais).
- Se coletar os frutos no mato, antes de abocanhá-lo, experimente com a ponta da língua. Podem ter muito oxalato de cálcio.
- Para descascar, corte antes as pontas, apoie a base numa tábua e tire as cascas em lascas.
- Para extrair o suco, bata os frutos descascados com água no liquidificador, coe e afervente.
- Para fazer doce, basta combinar o suco batido e coado com metade do volume em açúcar e levar ao fogo para apurar. Acrescente guaco ou amburana pra temperar.
- Amasse bananas, misture com um pouco de açúcar e o suco de gravatá que cubra. Leve ao fogo e cozinhe só até o caldo secar.
- Use as fibras lavadas, como as de coco, para cobrir a terra de vasos e floreiras.
- Os cachos podem abrigar insetos. Não os guarde inteiros na cozinha. Tire as frutas, lave bem e conserve na geladeira por alguns dias ou congele.
Costelinha de porco com gravatá
2 dentes de alho
2 colheres (chá) de sal ou a gosto
1 pitada de pimenta-do-reino
1 colher (sopa) de gengibre ralado
1 pimenta malagueta
1 colher (sopa) de açúcar mascavo
1 colher (sopa) de cachaça
1/2 de xícara de suco de gravatá aferventado
1 colher (sopa) de suco de limão
1 kg de costelinha de porco
2 colheres (sopa) de óleo
Soque num pilão até homogeneizar o alho, o sal, as pimentas, o gengibre e o açúcar. Junte a cachaça e os sucos e misture bem. Tempere a carne e deixe pegar gosto por cerca de 5 horas, na geladeira.
Aqueça o óleo numa frigideira de ferro, coloque os pedaços de costelinha sem a marinada. Deixe fritar em fogo baixo para dourar de um lado. Vire a carne e vá juntando a marinada aos poucos, continuando a virar para dourar e cozinhar por igual – isto deve demorar cerca de meia hora. Sirva quente com legumes cozidos.
Rende: 5 porções