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Canastra. O Pão de queijo da casa da Romilda

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Este post é uma continuação de outros. Portanto, se quiser, volte um pouco no blog e veja o começo da história. http://come-se.blogspot.com.br/2014/01/serra-da-canastra-casa-dos-produtores.html 

Quando chegamos, Mara, Ivo e eu,  à casa da Romilda, no comecinho da noite - depois de um dia inteiro de viagem de ônibus -, a primeira coisa que ouvimos dela é que o pão de queijo tinha acabado de sair do forno para nos esperar. Quentinho, crocante, impossível ficar só no primeiro. Quebrado com as mãos ou aberto nos dentes, liberta o vapor concentrado de queijo canastra que perfuma toda a cozinha e nos dá boas vindas. 

Mal conseguimos jantar naquele dia. Dois dias depois era hora de fazer mais. Quantas vezes por semana você faz pão de queijo, Romilda? Uai, tem dia, não. Nunca fica sem. Acaba um, faz outro.  Desta vez vamos anotar tudo direitinho. Mara pegou um caderno e eu corri pra pegar um meu, porque ela não espera, não. Vai fazendo como quem respira e vai adiantando: Não precisa anotar nada, não, uai, é só copiar a receita que está aí, referindo-se à receita no folder do filme "O Mineiro e o Queijo".  Teimamos em tomar nota pois já vi que começou diferente. Ué (ela fala uai, eu falou ué), Romilda, mas na receita do folder diz 16 ovos e você está usando só 10! Uai, mas tem problema não, se você usar ovo de granja pode ser 16, mas se for caipira, use 10, se não fica muito amarelo.  E, se quer saber, com 4 ovos dá pra fazer um quilo de polvilho. Se tem menos ovo, completa com água uai.  Mas, Romilda, seu pão de queijo é sempre muito bom. O segredo é o polvilho?  Não é, não, ela disse. Outro dia uma mulher falou que o dela não ficava bom por causa do polvilho. Eu pedi pra ela trazer o polvilho que ela usa, da yoki, eu acho, e ela trouxe. Fizemos o pão de queijo e ele ficou melhor que o meu. Ué, se não é o polvilho, então é o forno? Que nada. Eu já fiz em forno elétrico, em forno à gaz, forno a lenha. Fica tudo igual.  Ué, então é a quantidade de queijo? Nada disso, uai, mesmo que tenha só um pouquinho de queijo, vai ficar bom também. Já sei, é o tempo de maturação do queijo? Imagina, você pode usar queijo de qualquer idade. Eu uso até queijo bem fresco do dia que ainda não foi nem enformado.  Ah, então só pode ser o tipo de queijo? Ah, bem, aí pode ser. E tem o tempo, o clima, o ar. Fora daqui fica igual não. E tem também a mão, o carinho, o ponto certo (o dedo seco tem que grudar na massa ou uma bolinha feita tem que se ajeitar na mão - se ficar intacta, ainda não está no ponto, precisa de mais líquido). 

Ou, quem sabe, não é a cruz que ela faz na massa no final? Diz que tem que fazer, porque, sei lá, dizem que é bom, afasta os negativos. E se tudo que é ruim é levado pra longe, só pode dar certo, né?

Fomos anotando tudo e quando estava tudo medido, ela pegou água morna e foi juntando a olho. Ué, Romilda, mas e esta água que não estava nos ingredientes? Pera aí, pera aí. Ah, isto é pra dar o ponto, uai.  Zé Pão completa que, se tiver soro, é até melhor. O pão fica com a crosta mais macia.  O fato é que eles sabem até onde pode ir com os improvisos e tudo o que acontece quando usam banha, óleo ou manteiga, ovo de mais ou de menos, de granja ou caipira, polvilho doce ou azedo, soro, leite ou água etc. São poucas variações diante das infinitas repetições e observações da mesma receita. A gente levaria uma vida pra aprender. 

De qualquer forma, congelamos no espaço aquela justa receita, naquele justo momento do perfeito pão de queijo que comemos em seguida. E a receita é a que dou abaixo, já com minha versão adaptada para meio quilo de porvio, como diz Romilda com graça. Eu tinha soro de queijo aqui e foi o que usei para completar o ponto. Mas como ela me diz e faz você pode usar água morna. O queijo ideal, claro, é o Canastra. Mas, se não tiver,  use um bom queijo artesanal curado,  de preferência feito de leite cru.  O meu não ficou igual, mas posso dizer que ficou muito bom. E de fato o soro faz diferença na crosta. Ficou macio mesmo no outro dia. 


Outro jeito congelado no espaço, você pode ver aqui neste vídeo que alguém que não conheço fez ao visitá-la. Vale a pena ver. Neste, tem até uma técnica que ela não executou quando fez pra gente - a de sovar o polvilho com água pra desfazer eventuais pelotinhas. No final do vídeo tem a receita escrita, com dicas, e uma conversa com Romilda.  Dê audiência a quem fez o vídeo. Portanto, vá lá ao yutube, veja, positive, comente. 






Receita de pão de queijo - adaptada da receita da Romilda

500 g de polvilho azedo 
1/2 xícara de leite 
1/2 xícara de água
1/2 xícara de óleo (ou manteiga, ou banha) 
1/2 colher (sopa) de sal 
3 ovos
Mais ou menos 1 xícara de soro morno ou água morna
100 g de queijo canastra ralado grosso 

Ligue o forno bem quente. Coloque o polvilho numa bacia. Leve para ferver o leite, a água, o óleo e o sal. Quando o escaldo ferver, despeje sobre o polvilho e mexa com uma colher. Espere esfriar um pouco para começar a amassar. Vá juntando os ovos aos poucos e sovando com uma só mão (se você meter as duas mãos na massa liguenta, vai inutilizar as duas para pegar os outros ingredientes). Amasse bem e vá juntando soro ou água aos poucos (eu usei uma xícara) até a massa ficar numa consistência que grude no dedo seco quando encostado a ela. Junte o queijo e misture bem. Unte a mão limpa com óleo e tente moldar uma bolinha. Se ela ficar intacta, ainda cabe mais líquido. Se ela se assentar ligeiramente na palma da mão, está boa. Lave às mãos, unte com óleo e ajeite a massa na bacia. Unte a superfície com óleo, faça uma cruz e está pronta pra modelar. Faça bolinhas do tamanho que quiser, retirando porções com uma colher e moldando com as mãos untadas. Coloque em forma sem untar e leve ao forno quente. Deixe assar por cerca de meia hora ou até que fiquem corados.  Os meus, tirei com boleador de sorvete e ficaram grandes. O que não coube na forma grande, virou bolinhos menores. O rendimento do grande fica em torno de 15 unidades. 

E nhac, cortado ou partido. Ainda no dia seguinte, macios. 






Levain desidratado

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Estes foram feitos com levain desidratado
Levain (levam) é uma palavra francesa para o fermento natural, mas todo mundo usa por aqui, não por esnobismo - em alguns casos, talvez -, mas quase sempre pela ausência de uma palavra única que dispense explicações e exclui possíveis confusões com qualquer outro fermento industrializado.  

Tudo pra dizer que levei meu levain para passear e ser usado no sítio. Para facilitar o transporte, desidratei. Já mostrei antes como secar  em bolinhas, mas tenho preferido secá-lo em lascas. Assim, seca rápido e pode ser reconstituído também num instante. 

Com esta canícula que castiga São Paulo nesta época do ano, começar um levain do zero é até covardia, pois em dois dias você pode ter um fermento começado com apenas farinha e água. Ou mesmo recuperar um esquecido no fundo da geladeira por mais de mês. De qualquer forma, estas lascas servem bem ao propósito de transportar, dar de presente ou guardar para o caso de perda de um fermento querido, daqueles que chegaram a um ponto tal de perfume, sabor e acidez, que você quer preservá-lo para eternidade (isto é um mito, claro)

Se você sequer tem um levain para chegar ao ponto de desidratá-lo, comece um do zero. Há vários métodos e já provei alguns. O que acho mais fácil é este que aprendi recentemente:  http://come-se.blogspot.com.br/2012/07/pao-do-zero-com-fermento-natural-levain.html. 

E a receita de pão,  também tenho usado uma só, com variações apenas na composição das farinhas, acréscimos de grãos e frutos secos, nozes etc. É uma fórmula que funciona bem, com quantidades fáceis de decorar: 400 g de levain (já reformado e borbulhante), 400 ml de água, 400 g de farinha branca, 400 g de farinha integral, 40 g de mel, 40 g de manteiga ou azeite, 20 g ou 1 colher de sopa rasa de sal.  O método explicado está lá naquele post.  Para o próximo pão, tenha sempre guardado pelo menos 100 g de levain - reforme então com água e farinha em quantidade suficiente para ficar uma massa de bolo densa e conseguir cerca de 500 a 600 g no total (400 para usar no pão e 100 e pouco para guardar). 

Bem, o que fiz para desidratar o fermento foi espalhar esta massa reformada sobre uma placa de silicone (poderia ser também sobre uma folha de papel manteiga) e deixar exposta ao sol. Quando desidratou totalmente, quebrei em lascas menores, coloquei num vidro e levei de viagem.



Na hora de reconstituir, coloquei umas 3 colheres cheias de lascas, água e farinha para fazer cerca de meio quilo de levain (coloco farinha e água a olho até uma quantidade que julgo suficiente para fazer o pão e guardar um pouco, não precisa ser exato). Deixei fermentando durante uma noite. Exatamente como faria se estivesse reformando um fermento esquecido na geladeira. Ou mesmo aquele sempre lembrado. No outro dia é só fazer o pão e assar mais para o fim do tarde.

Este, com nozes, foi feito com o levain desidratado, assim como os
outros dois lá em cima 

Ferran Adriá no Roda Viva

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Para quem perdeu o Roda Viva desta semana, vale a pena assistir à entrevista do Ferran Adriá. Ele não chegou ao posto que ocupa à toa. Estão aí várias coisas para se pensar.

Banana na penca ou despenca dois. Ou bolo de banana com aveia

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Aqui está um tal de chover e acabar energia, a elétrica, não a minha,  que minha ausência às vezes pode parecer férias. Mas não, embora viaje amanhã pra Curitiba. 

O caseiro às vezes chega com uma sacola de abacate, de limão zamboa, de figo ou um cacho inteiro de banana. Aí me sobra a trabalhosa tarefa de fazer a espécie durar, mesmo distribuindo entre parentes e amigos. 

O nome do post é banana na penca ou despensa dois porque o post número um está lá atrás, em 2010: http://come-se.blogspot.com.br/2010/04/bananas-na-penca-ou-despenca-eis.html, quando fiz a experiência de deixar amadurecer as bananas separadas das pencas. 

Pontinhas cicatrizadas
Mesmo super maduras, íntegras por dentro
Acho linda uma penca de bananas, mas quando se tem um cacho para dar cabo, há que se pensar num modo inteligente para que as frutas fiquem sempre à mão e durem sem atrair drosófilas. O método de cortar uma a uma pelo cabinho, separando-as da penca, pode não contribuir em nada para que amadureça mais ou menos rápido - já testei várias vezes, mas é o jeito mais prático para você e todo mundo da casa comer mais, pois você pode pegar uma, colocar na bolsa e ela não se arrebenta. Pode também identificar rapidamente as que devem ser separadas do grupo por estar com danos na casca, contaminada com fungo etc.  Você pode tirar uma da fruteira sem esforço algum que ela estará cicatrizada, com a casca íntegra. Quando as frutas estão na penca, elas despencam facilmente quando começam a amadurecer, deixando uma parte da banana exposta, o que atraí a mosquinha das frutas e apressa a deterioração.  Quando cortada, mesmo quando a fruta está super madura, você abre e a banana está intacta como se vê na foto acima. 

E além de separar as frutas, tenho colocado em redinhas que ficam penduradas - aí no canto inferior esquerdo da foto.  Assim, evita-se que se amontoem, que uma amasse a outra ou que fiquem úmidas e embolorem. E também porque fica mais fácil de dar de presente. Chega gente em casa: tó, leva banana. 

Com tudo isto, ainda sobraram muitas bananas que amadureceram de uma só vez. Então, umas 25 delas viraram bolo que fiz no sítio com os ingredientes que tinha à mão,  só para aproveitar as frutas.  Mais ou menos como este aqui em que usei 32 bananas: http://come-se.blogspot.com.br/2010/01/trinta-e-duas-bananas-ou-bolo-de-banana.html. Outro jeito rápido e gostoso de aproveitar, é este doce não apurado

Bem, o bolo fiz a olho, mas anotei as quantidades dos ingredientes que usei. Lá vai:


Bolo de banana com aveia e canela: numa tigela coloque 5 ovos e misture bem com 2 xícaras de açúcar mascavo. Junte 3 xícaras de farinha integral (orgânica, da Mirella), meia xícara de aveia (orgânica, da Native), meia xícara de óleo de amendoim, 1 colher (sopa) de canela em pó,  1 colher (sopa) de fermento em pó, 1 xícara de leite integral quente (pode ser frio, mas o que eu tinha estava quente e deu certo). Se precisar, junte um pouco mais de leite, até ficar uma massa bem cremosa e densa. Coloque numa forma retangular grande untada com manteiga e enfarinhada, Ajeite as bananas inteiras (sem casca, óbvio)  por cima da massa, de modo que afundem um pouco. Espalhe um pouco de aveia por cima e leve ao forno médio. Deixe assar por cerca de 40 minutos ou até o bolo ficar firme e com a superfície dourada. Rende de 30 a 40 porções. 

Coluna do Paladar, edição de 29 de janeiro de 2014. Lobozó

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Voltando estou, mas aos poucos. Este ano anda preguiçosa e calorosamente. Estive em Curitiba, fui a Morretes tirar uma teima com o Barreado de lá, mas conto tudo depois. Por enquanto, ainda o resíduo do assunto Canastra, neste texto publicado no caderno Paladar da última quinta-feira. Está lá no blog do caderno: http://blogs.estadao.com.br/paladar/receita-que-comeca-no-cultivo/. E aqui também.

Não sei se há lobozó para além daquelas montanhas da Serra da Canastra, onde nasce o rio São Francisco.  O leitor é quem poderá me dizer caso conheça.  O que sei é que nunca vi ou comi lobozó em outro lugar que não ali. Faz lembrar a farofa de jiló goiana ou, se fosse moldado, lembraria o cuscuz de panela paulista, mas não goza da mesma popularidade dos dois. É tão gostoso quanto ignorado.

 

Estive em São Roque de Minas, naquela região, nos primeiros dias do ano, pela terceira vez. Partimos, a chefe Mara Salles e eu,  rumo à gameleira, árvore de sombra que, numa curva ascendente,  marca a proximidade de nosso pouso junto aos produtores Zé Pão e Romilda no alto da serra.  Queríamos entender mais sobre a comida local e os usos do famoso queijo que se faz ali na cozinha do dia a dia. No vale, a alguns quilômetros, estão os produtores Zé Mário e Waldete. As duas famílias aparecem no documentário O Mineiro e o Queijo,  de Helvécio Ratton,  e fazem pratos muito parecidos.


Estão protegidos pelas montanhas de vegetação baixa  incrustadas de cachoeiras e córregos de águas cristalinas não só a técnica do preparo de um dos melhores queijos de leite cru do Brasil,  mas também uma tradição rural pouco comprometida pelos avanços da indústria alimentar.  Nunca se falou tanto do queijo da Canastra e de outros tantos exemplares artesanais feitos com leite cru como nos últimos anos,  e ainda há muita discussão pela frente sobre legislação e comercialização, mas queríamos saber o que há sobre o fogão de lenha nos intervalos entre a ordenha e a lida na casa de queijo.

Nas fazendas dos pequenos produtores, em geral,  o feitio do queijo envolve toda a família durante o dia, de modo que sobra pouco tempo para a mulher se envolver  largamente com o preparo da comida. E é aí que vive o encanto da comida que apenas parece simples e rápida. O preparo, no entanto,  começa na horta, na roça, na criação. Envolve o uso de técnicas caseiras tradicionais que em outro cenário poderia ganhar nomes contemporâneos como “cozimento a baixa temperatura”, afinal o feijão é colocado sobre o fogo fraco da lenha ainda de madrugada, antes da ordenha, e deixado a cozinhar devagar por longas horas para ficar pronto na hora do almoço, quando é temperado com banha, sal e alho.  Puro pragmatismo, mas o resultado você já pode adivinhar.

Basta jogar um pedaço de queijo canastra fresco ao caldo grosso deste feijão, completar com arroz recém-feito bem branco, um legume da horta refogado e um punhado aquecido na hora de carne na manteiga - nome que se dá à carne de porco confitada na própria banha -,  e tem-se aí um prato requintado e substancioso.  Mas há outros pratos rápidos cujo preparo começa com o cultivo.  

A horta é uma extensão da cozinha, que funciona como uma despensa verde,  com vegetais tenros sempre à mão. Couve, taioba, almeirão roxo, cebolinha, quiabo, chuchu,  jiló e abobrinha parecem ser unanimidade.    Às vezes aparecem sozinhos, temperados apenas com gordura, alho e cebolinha.  Pode acontecer de não ter jiló ou abobrinha em quantidade suficiente para um prato familiar. Neste caso, a solução é juntar um pouco de diferentes legumes na panela e e completar com ovo, queijo, farinha de milho.  Surge assim o lobozó, feito atualmente não apenas por conveniência mas por gosto mesmo. 

Ele nada mais é que um mexido para se comer quente como mistura ou prato único ou mesmo frio, de tira-gosto, acompanhado de cachaça. É um prato rústico que aparentemente não tem segredo nem receita, mas toda boa cozinheira da Canastra sabe a hora certa de juntar o ovo, o gesto exato de mexê-lo, o ponto para acrescentar a farinha e a proporção ideal de cada ingrediente, que pode variar conforme a preferência ou conveniência:  com ou sem queijo, quiabo e chuchu incluídos ou não, e até com carne moída, se tiver sobrando.  Apesar da aparência, ele não é apenas um prato de improviso, é sim um resumo do sistema alimentar da zona rural deste pedaço de Minas: a banha extraída em casa, os ovos da galinha do quintal de gemas avermelhadas, a provisão verde da horta, a farinha de milho artesanal sempre presente, o alho miúdo conservado sobre a fumaça do fogão de lenha,  e, afinal,  o queijo canastra que, ainda que prescindível, nunca falha.
 






Receita de Lobozó. Baseada no modo de fazer de Waldete Aparecida Alves da Silva, de São Roque de Minas

1 colher (sopa) de banha de porco
3 dentes de alho socados
1 abobrinha brasileira pequena picada  e 4 jilós com casca picados (ou aproximadamente 650 g desses legumes misturados)
1 colher (chá) de sal ou a gosto
1 xícara de água quente
3 ovos
1 xícara de farinha de milho
80 g de queijo da Canastra picado em cubos pequenos
5 unidades de cebolinha verde picada

Coloque a banha numa frigideira ou panela, leve ao fogo, junte o alho e deixe até começar a dourar.  Junte a abobrinha, o jiló e o sal e vá refogando, mexendo de vez em quando, juntando um  pouco da água quente sempre que necessário, até os legumes ficarem bem molinhos, sem caldo na panela (cerca de 10 minutos). Prove o sal e corrija, se necessário, lembrando que ainda vão entrar os ovos e a farinha.  Coloque os ovos inteiros por cima e espere um minuto antes de mexer devagar para que se incorporem aos legumes e cozinhem em pedaços.  Acrescente a farinha aos poucos, mexendo com delicadeza. Quando a mistura estiver homogênea e bem quente, tire do fogo e acrescente o queijo e a cebolinha. Misture com cuidado e sirva como acompanhamento ou prato único.


Rendimento:  4 porções

E nhac! Este é o da Waldete, na Serra da Canastra


Caipirinha pra refrescar

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Para a caipirinha, o limão que tiver, do rosa, do tahiti, do galego, do siciliano, umas 8 fatias, de um só tipo ou misturado. Ou umas rodelas de lima da pérsia. Sozinha ou com limão. Ou frutas ácidas e de preferência bem coloridas como a jabuticaba, o kiwi, a uvaia. Soca cada quem num copo com uma colher de açúcar ou, melhor ainda, com xarope de açúcar feito com 1 quilo dele e meio litro de água no fogo, só até derreter. Guarda na geladeira pra usar em sucos e caipiras. Eu uso do açúcar orgânico cristal e na forma de xarope fica mais fácil dissolver. Então, pressiona sobre a fruta a mão de pilão de vidro ou acrílico com delicadeza, fazendo peeling, pra sair o sumo da casca, o suco da polpa. Uns cinquenta mililitros de cachaça bem boa por cima, mistura bem. Muito gelo em cada copo e glupt. Um só copo pra refrescar e alegrar, que ninguém quer ficar cambeteando. O repeteco é igualzinho, mas uma limoneide bem colorida e suada sem cachaça, pra enganar.  Já a de de jabuticaba, é só pegar um tanto, quanto mais melhor, da fruta do freezer - congelei um monte na safra pra isso-,  cortar ao meio, socar com açúcar e o resto é igual. Depois é só encontrar um jeito de aguentar firme e forte sem reclamar e sem desperdiçar água enquanto as chuvas não vêm.





Barreado na panela de pressão

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Na semana passada estive em Curitiba e, no meio da semana, resolvi ir com meus pais comer barreado em Morretes, cidade não muito longe dali. O prato à base de carne,  feito tradicionalmente em panela de barro vedada com barro ou mistura de farinha de mandioca e deixado por longas horas em fogo de lenha bem baixo, é daqueles ditos cozidos à baixa temperatura, se adaptado à linguagem da gastronomia contemporânea, porém, contraditoriamente, nasceu justamente da falta de tempo para a barriga à beira do fogão.  O fogo e o tempo trabalhavam por si enquanto o dono ou dona da barriga estava na lida da colheita ou na dura missão de brincar o carnaval. Chegando em casa, o prato estava pronto e, se guardado, caso a labuta e/ou a brincadeira perdurassem, era requentá-lo, quando fica ainda melhor, misturar com a farinha de mandioca fininha, sempre à mão, cascar um banana e nhac.

O da Mara (do Tordesilhas), aqui , preparado na Serra da Canastra
Embora tenha passado algumas férias de infância na região, especialmente em Antonina, onde tínhamos parentes e que também faz barreado, o prato não faz parte das minhas memórias gustativas. Mas aprendi a comer e a gostar. A primeira vez foi mesmo em Morretes, há muitos anos. Fomos ao restaurante Maladozo à beira do rio Nhundiaquara e me lembro de termos sido servidos pelo garçom, que montou nosso prato à mesa misturando o pirão bem quente à farinha fina, ajeitando depois a carne e a banana, que era prata, tinha certa acidez e uma semente dura e preta. Combinação perfeita. Havia outros mimos, se não me engano, como cachaça e bala. Estava tudo muito bom.  Depois comi barreado no restaurante Tordesilhas, onde a panela selada é aberta à vista do cliente e montado na hora. Mara Salles quando está por perto gosta de fazer o ritual pessoalmente com toda a delicadeza que lhe é particular. E o sabor, muito melhor que aquele que já havia comido. Agora, mais que nunca, continua imbatível.

Veio assim: prato pra três, tudo misturado, com uma banana super madura

Desta vez, porém, resolvi pesquisar antes de comer outro barreado de Morretes. Segundo indicações de clientes encontradas na rede, fui parar no Villa Morretes. Chegamos mais cedo, fomos convidados a entrar com alegria. O lugar é lindo, à beira do rio, num pedaço dele especialmente sombreado nas margens florestais e prateado de luz na água.  Os atendentes são muito simpáticos, e a casa bem decorada e cuidada.  Infelizmente ninguém vai e volta a um restaurante só pela simpatia e pela beleza do lugar, mas principalmente pela comida, afinal é por ela que oficialmente se cobra.  Bem, me senti a própria turista idiota comendo um pirão de carne de panela desfiada super salgada - a ponto de meu pai perguntar se era um prato de carne seca mal demolhada  -, com um arroz comum, e uma banana super madura fatiada por cima. Foi isto, dois pratos trazidos assim à mesa, para que nós nos servíssemos.  Sequer uma banana por pessoa. E uma banana bem madura, daquelas super doces e mais pra mole, sem acidez alguma. Banana, pra combinar com comida salgada, tem que ser doce, porém naquele ponto que se conserva ainda certa acidez, quando está bem firme. Passando disso, melhor usar em sobremesas. Bem, comi, me senti enganada e, para atenuar minha frustração, pedi para trazerem caldo e farinha, que meu barreado gosto de misturar no prato na hora. Demoraram, demoraram e por fim trouxeram o caldo num pote de barro esmaltado e a farinha na farinheira. O tempero era inexpressivo e o cominho, marca forte do barreado, passava longe, tão longe, que ninguém o notou.  Ah, já ia me esquecendo da gentileza do couvert - pãezinhos franceses duros fatiados com uns patezinhos: de salmão - e deste me lembro porque desconfio de salmões -,  e mais dois outros dos quais não me recordo o sabor, mas que não fariam falta.

Para não me sentir completamente lesada ainda  pensei que talvez aquele resto de carne que não conseguimos comer pudesse virar um recheio de pastel de angu com uma massa insossa pra compensar. Estávamos indo pra casa de praia dos meus pais em Guaratuba e lá poderíamos salvar a carne para o jantar com uma cerveja bem gelada. Pedi pra moça. Pode embrulhar pra mim, que vou levar? Ela demorou um pouco e respondeu que ia ver se podia. Demorou, demorou e voltou dizendo que não podia porque não tinham embalagem para viagem.  Portanto, mais da metade do que veio à mesa voltou pra cozinha e sabe-se lá se foi pro lixo. Na hora de ir embora passamos pelo fogão de ferro posicionado no meio do salão. Saímos bem insatisfeitos. Achei que meus pais poderiam ter gostado do convite, já que vão pouco a restaurantes, mas a única coisa que minha mãe dizia é que podia fazer um daquele muito melhor. Tenho certeza disso. - Bem, pai, pelo menos tomamos o cafezinho cortesia  no fogão de lenha estava razoável, né?  Fogão de lenha? que fogão de lenha o quê, aquele era um fogão de lenha que adaptaram para gás, você não viu?  Não, não vi.  Mas agora sei, muitos restaurantes ali são assim: finjo que estou fazendo um barreado e você finge que come um barreado, mas na hora de pagar é real, sem fingimento.

Pelo menos uma coisa me consola. Morretes, Paranaguá ou Antonina podem brigar à vontade pela primazia do barreado, embora ache que deveriam brigar pela qualidade do que servem. Agora,  pela melhor forma de enganar turista a briga é muito mais extensa. Em Barcelona, por exemplo, comi na praia uma paella feita com corante amarelo e arroz seco que era de envergonhar qualquer catalão civilizado. Cidades turísticas não fogem disso.

Morretes é uma cidade linda, com casario antigo e preservado,  um rio límpido passando no meio da cidade, grandes flamboiãs com seu galhos floridos de vermelho arcando sobre a água, e alcançada por uma estrada de pedra que é a mais incrível que já percorri.  O caminho é todo ladeado pela serra do mar repleto de bromélias, urtigas com frutos vermelhos, gabirobas, orquídeas, além das hortênsias exóticas plantadas nas margens. Como fomos no meio da semana, não havia trânsito algum e podíamos parar para fotografar e apreciar a floresta.  Chegando na cidade, há muitas lojinhas de artesanato. Mas não se engane, que muitas lojas ali são como os restaurantes e cafés, no melhor estilo pega-turista (aliás, parei num lugar escrito café-bar e não consegui tomar um café porque não vendiam).  Vários "artesanatos" de palha, bambu e resinas expostos ali vêm da China e aqui em São Paulo, em qualquer loja popular, costumo ver por menos da metade do preço. Mesmo em relação às panelas para barreado é bom olhar com esperteza, pois podem ser mal-cozidas e rachar nos primeiros minutos das longas horas que pretende cozinhar seu barreado.

O fato é que de todos barreados que comi até hoje, o melhor está aqui em São Paulo, no restaurante Tordesilhas.

Na panela de ferro não dá muito certo, não
Ainda na casa dos meus pais tentei fazer um usando panela de ferro, mas, claro, esquentou rápido demais, secou o caldo, embora o sabor tenha ficado bom. Em casa, resolvi fazer na panela de pressão, já que não preciso ir à colheita, não gosto de pular carnaval e acho desperdício cozinhar por tanto tempo no gás.  Os puristas podem abominar, mas posso garantir que o resultado é muito melhor que o barreado que comi em Morretes.  Adaptei uma receita da Mara Salles, do Tordesilhas - que faz direitinho na panela de barro.


O meu, com bastante pirão e banana no ponto certo
Barreado de panela de pressão (preparada para as pedradas). Ou cozido de panela, que seja  

1 quilo de braço sem gordura picado em cubos de 2 centímetros
80 g de bacon cortado igual
2 folhas de louro
2 tomates médios picados
1 cebola picada
1 xícara de cheiro-verde (salsa e cebolinha) picado
1 colher (chá) de pimenta-do-reino moída na hora
2 colheres (chá) de cominho moído na hora
2 colheres (chá) de sal
1/4 de xícara de vinagre
2 colheres (sopa) de óleo
4 xícaras de água

Coloque todos os ingredientes numa panela de pressão (de preferência de inox), tampe e leve ao fogo. Quando a válvula chiar, abaixe o fogo no mínimo e deixe cozinhar por uma hora. Desligue o fogo, espere acabar a pressão, abra a panela e certifique-se de que a carne esteja tão macia que se quebre ao ser pressionada por uma colher de pau. Se não, tampe novamente e cozinhe mais um pouco. Pode chegar a duas horas. Se precisar, acrescente mais água quente. Ao final, confira o sal e o cominho e corrija se necessário e à gosto. Desfaça os pedaços de carne com as costas de uma colher de pau. Tem que restar bastante caldo para o pirão.
Sirva com farinha de mandioca bem branca e fina. Coloque umas 3 colheres de sopa de farinha no prato, jogue por cima uma concha de caldo bem quente. Mexa para fazer um pirão, junte a carne e sirva com uma banana prata ou nanica madura, mas bem firme.  Com banana da terra dourada também fica ótimo.

Rende: 10 porções ou mais

Economize água na cozinha

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... Quando, na verdade, a água é água? Água é água, o dicionário diz, quando é um líquido incolor, inodoro e transparente, consistindo em dois volumes de hidrogênio para um de oxigênio. Pode também ser de chuva, mar, ou um brilho de diamantes. A água a que me refiro, porém, a água que a donzela sulista não conseguia ferver, é a clara e boa água que sai de uma torneiro ou, se você tem sorte, de um poço ou de uma fonte.  MFK Fisher em Como Cozinhar um Lobo. Tradução Nina Horta, Companhia das Letras. Escrito em 1942 

Se a escritora norte-americana MFK Fisher (1908 – 1992) estivesse nos vendo diante desta histórica estiagem tentando buscar soluções para o uso inteligente da água, certamente nos diria sarcasticamente como reagiu sua avó diante da conversa de amigas que discutiam a melhor forma de racionar recursos durante a guerra: Ela me interessa especialmente, queridas, porque depois de escutá-la esta tarde percebo que, desde que me casei, há mais de cinquenta anos, tenho vivido sempre com um orçamento de guerra sem me dar conta! Não sabia que usar o senso comum na cozinha era moda apenas nas emergências. (Mesma referência)

O fato é que ninguém mais pode ignorar que temos que economizar água. Estou fazendo este curso de permacultura e o tema de quarta feira foi justamente água. Há muito que pode ser feito para que tenhamos água com abundância perto de nós e isto tem a ver com captação, retenção, permeabilização dos solos etc. Há soluções para serem feitas pelos órgãos públicos e é nisso que muita gente coloca toda sua esperança acreditando que sendo assim nada resta a fazer senão abrir a torneira com a certeza de que a água sempre jorrará. E se não jorrar, espernear. Há soluções caseiras também para captação de água de chuva para usos diversos, recursos para diminuir a evasão e desperdício etc. Está certo que para muita coisa há que se mobilizar algum esforço e até algum investimento. Mas será que mesmo quem não queira ou não possa captar sua própria água não pode ao menos economizar para que não a falte a água coletiva?

No Senegal

Em Uauá - BA

Eu tenho chácara em frente a uma represa que abastece o sistema cantareira e tenho visto o quanto a água tem abaixado. É meio desesperador. Já pensaram o que é viver sem água nas torneiras?  No Senegal, por onde passei, as mulheres acordavam super cedo pra puxar água de poço de 60 metros de profundidade e levavam pras aldeias em bacias sobre a cabeça. Faziam várias viagens para encher uma tina que abasteceria as famílias durante todo o dia. Não conseguem plantar quase nada nos 9 meses de seca subsahariana. Se quiser veja também a história da menina Joaninha falando da água lá de Uauá, sertão da Bahia.

A gente, confortavelmente, tem água potável não só pra beber e cozinhar mas também pra desperdiçar lavando quintal, regando plantas, limpando carros e até pra carregar pra longe nossos dejetos. Até onde conseguiremos levar isto sem sofrer consequências de abastecimento e produção de alimentos?

Muita gente desta geração acreditava até pouco tempo atrás que as consequências de nossos atos só seriam sentidos no futuro quando não estaremos mais aqui. E fodam-se as novas gerações, nossos netos e bisnetos. Mas não deu tempo. A emergência está aí, água é vida. Será que a lavoura recém germinada terá fôlego pra chegar a setembro?  Vamos desanimar, vamos deixar a bola rolar pra ver no que dá? comer o que tem e depois o que vem? Nada disso. Vamos fazer o que está ao nosso alcance que somados somos muitos. Vamos nos mobilizar para as pequenas coisas. Aos poucos começamos a ver os resultados,  nos animamos a fazer mais e garantimos nossa comida do ano.

Na cozinha podemos reduzir imensamente o desperdício de água. Mas em outras partes da casa, igualmente. Primeiro que não precisamos tomar tantos banhos por dia mesmo no calor. Não sei que mania é esta de brasileiro tomar tanto banho. Um por dia está bom, não? Está certo, refresca. Ou se tivermos por perto um rio ou uma cachoeira é uma delícia passar o dia na água. Mas pra tirar suor, um pano molhado no rosto resolve, especialmente se estamos sozinhos em casa e podemos esperar mais um pouco para tomar um bom banho. E um bom banho não precisa durar mais que dois minutos a não ser que se tenha uma cabeleira a ser lavada ou que não se tenha muita mobilidade corporal. Eu já cronometrei e posso dizer que com chuveiro comum aberto dá pra lavar bem todas as partes e enxaguar tudo em dois minutos. O enxague é rápido se não usamos muito sabonete. Não é todo o corpo que precisa de sabonete, afinal precisamos de certa oleosidade para manter a proteção de nossa cútis.  A não ser que se trate de uma pessoa encardida demais, com aqueles calcanhares com macuco que nem pedaço de tijolo resolve. Se for apenas para tirar poeira e suor, dois minutos bastam ou um lencinho engana. E se quiser ficar brincando na água, é só botar uma baciona embaixo do chuveiro e usar depois do chuveiro desligado.

Também não precisamos lavar quintal com água limpa. Aliás, tire a maior parte dele e plante na terra livre. O meu eu não lavo nunca, apenas varro. Só quando chove.  Quando a maioria dos quintais não era pavimentado, era só de terra ou jardim, o que se fazia era apenas varrer e ninguém reclamava. Empurrar a sujeira com mangueira d´água, então, nem pensar, né?  Mas para quem faz questão ou que não leva os pets pra passear, é só desviar a mangueira de saída da máquina de lavar ou do tanque para um tambor e, pronto, terá uma ótima água para vários usos - a com sabão e a do primeiro enxague, para lavar o quintal. A do último enxague, para reuso na próxima lavada de roupa ou para regar plantas.  Aliás, veja cada projeto bacana aqui.

Não é hora de podar. As plantas refrescam a gente
e  protegem a terra do ressecamento. 
E falar em plantas, é bom lembrar que agora não é hora de podar nada. Aprecio muito a estética, mas a prioridade é fazer com que as plantas se protejam do sol e que mantenham a umidade ao seu redor. Se tiver um jardim, deixe por enquanto matos e trapoerabas. Aproveite, que alguns matinhos são comestíveis, como as trapoerabas, beldroegas, serralha etc. Se tem vasos, coloque-os embaixo de arbustos para que fiquem na sombra. Se o vaso está com a terra exposta, coloque por cima folhas ou palhada. Vá até uma praça e veja quantas folhinhas amarelas estão acumuladas no chão - por causa da estiagem. É só coletar um pouco e espalhar sobre os vasos, pois assim a terra retém umidade. Outro dia  mandei limpar a calha da minha casa e recolhi numa sacola todas as folhinhas de sibipiruna que a entupiam. Tenho usado este material para cobrir a superfície dos vasos e a terra tem se mantido úmida por mais tempo.

Bacia com três águas 
Com isto, chegamos à cozinha de onde sairá a maior parte da água que vai regar as plantas. Sempre gostei de lavar louça em bacias com três águas.  Era assim que a louça era lavada quando eu era criança no sítio dos meus avós e na casa dos tios no Paraná. E nem era por falta de água que corria farta nos córregos.  Alguém lavava, outros enxaguavam e enquanto isso nos divertíamos. Era gostoso no calor molhar a mão na água fria, fazer espumas com o sabão de soda, e espirrar água em quem não ajudava. Se as águas ficavam muito sujas era só substituir por limpa.

De vez em quando também faço isto em casa. E agora, definitivamente.  Parece complicado e não muito higiênico, mas é fácil e eficiente - desafio o doutor Bactéria a comparar pratos lavados assim e na torneira.  Também desafio o doutor cronômetro a comparar o tempo, muito menor com as bacias. E o doutor otorrino, e este tenho em casa, a medir os decibéis da cozinha na hora do trabalho. Acho insuportável ouvir música e lavar louça ao mesmo tempo, por exemplo, pois o barulho da torneira sobre as louças fica ainda mais irritante. Uma cozinha silenciosa e fresca é o melhor dos lugares.  Dá pra ouvir Bach e conversar sem esforço enquanto trabalha.  Outra vantagem é que o uso de detergente ou sabão será infinitamente menor.  E você ainda pode reaproveitar as águas para outras coisas.

Guardanapos de panos são melhores que os de papel, pois cada um pode
ter o seu e usá-lo várias vezes - só de saber que o pano vai sujar e precisar
ser lavado caso o emporcalhe, você certamente se esforçará para
acertar o alvo e não precisar deles. Visitas recebem os limpinhos, claro.
A única coisa diferente a fazer é raspar os restos como se fosse colocar na máquina de louças. Você pode deixar por perto vários pedaços de jornal cortados e usá-los para isto. Coloque-os dentro de uma caixa de biscoito pra não enfeiar.  Ou guardanapos de papel usados, caso não use os de pano (lembre-se, estou falando da cozinha da sua casa, entre família, entre gente que você beijaria na boca, portanto sem nojinhos).  Tire restos e gorduras com o papel. Você vai perceber que a maioria da louça que lavamos não tem gordura nem sujeira grossa  e ainda assim a tratamos com artilharia pesada, como se tratam igualmente negros, pobres e periféricos deste país como se fossem todos bandidos.  Bem, voltando. Comece pelas louças mais limpas como canecas e copos. Deixe as panelas para o final. E se estiverem grudadas, é só colocar um pouco de água e sal e levar ao fogo. Por falar em fogo, ele pode ser grande aliado neste economia de água. Na água de lavagem, um pouco de água quente facilita o trabalho e na economia, pois de uma a duas colheres de detergente apenas será suficiente para lavar louça de café de duas pessoas, por exemplo. E se estiver usando sabão, a água quente ajudará a dissolvê-lo na bacia. Na primeira água de enxágue gosto de colocar umas gotas de limão ou vinagre. A acidez ajuda a eliminar os sinais de gordura e de espuma. Se quiser, coloque limão ou vinagre também na última água. Os talheres,  você pode colocar todos num recipiente de plástico com tampa - desses para espaguete -, encher de água quente e umas gotas de detergente e chacoalhar. Enxague nas duas bacias e pronto. Este recipiente pode ficar sobre a pia já com água e detergente para que vá colocando os talheres usados à medida que usa. Assim, poderá lavá-los no fim do dia, todos de uma só vez, completando o espaço com água quente. Economizará água, tempo e sabão.

No final, o pano de pia e a esponja podem ser lavados e enxaguados nas águas de enxague. Em seguida, o baldinho de lixo. O coador de pano é melhor lavar na torneira estando uma das bacias de enxague por baixo para recolher o pó. Esta água com pó será usada para regar as plantas. Para limpar o fogão e a cuba da pia, a água de sabão. Por fim, enxague tudo com a água limpa restante em uma das bacias.  Se sobrar água de sabão ainda em condições de ser usada, coe os resíduos, junte um pouco de álcool ou desengordurante e use para limpar o chão. Tenho usado este produto que ganhei da amiga Sonia, mas quando acabar vou comprar mais, pois é econômico, concentrado, menos agressivo para o meio ambiente e dá de dez em eficiência nos produtos de mercado.

No fim, coloque tudo pra secar ao sol que, afinal, ele também serve pra muita coisa, entre elas, secar o que está molhado. A barriga com avental, obvio, também estará molhada. Mas, pra secar barriga, só mesmo pegando na enxada, fechando a boca ou, pra quem tem fé, comendo goji berry, cranberry, elderberry e outras poha-berries que você poderá ver anunciados num mundo paralelo totalmente perpendicular ao Come-se.

É isto. Quem guarda, tem. E você, o que tem feito pra economizar?  Veja aí o passo-a-passo para quem quiser se inspirar.

Os talheres podem ser lavados separados com água quente
A última água estará sempre limpa e o copo sai brilhando
Umas gotas de limão na segunda água ajuda a quebrar
a gordura e tirar a espuma. Pode ser um limão velho ou gotas
de vinagre
No final, lave em água corrente o coador sobre a bacia,
para poder aproveitar a água nas plantas
Uma jardineira com muita planta ajuda a manter a umidade
que é completada com a água de enxague com pó
O pano de pia pode ser enxaguado na outra água de enxague

O lixinho também
Um pouco da água de sabão pra lavar a cuba

O restos da grade podem ir pra bacia na água que também
vai pras plantas
No final, tudo pra secar ao sol, incluindo bacias, esponja,
coador, panos
A água de sabão, se não estiver emporcalhada, pode ser a
crescida de um pouco de desengordurante ou  álcool e usada
pra limpar o chão

Uma cozinha limpa sem desperdício em poucos minutos





Precisa-se de um notebook mais não

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Lembra que eu pedi um laptop aqui? http://come-se.blogspot.com.br/2014/01/precisa-se-de-um-notebook.html.

Fiquei imensamente feliz e o João Vitor mais ainda, pois apareceram muitos doadores. Ele acabou ganhando dois itens. Um laptop novinho do meu genro, Rafa, que também viu o pedido no blog, e um Ipad inteirão da Heloísa, do caderno Paladar.  Segundo me contou Romilda, mãe do João, ele está que não se aguenta. E foi bom saber que eles estão instalando internet via celular fixo na fazenda. Tomara que este menino bonito arrume um dia uma namorada que goste de fazer queijos porque já estou até adivinhando o que ele está fazendo agora.

De qualquer forma, se estamos conectados, todo brasileiro merece estar. Por isto, agradeço muito aos que ofereceram seus notebooks ao João Vitor, nomeadamente:  Simone, Inês, Daniela, Letícia, Kenia, sem contar os inúmeros leitores que comentaram ou me escreveram se oferecendo para participar de uma possível vaquinha. Marcos, meu marido, ficou torcendo para que conseguíssemos um notebook de alguém, para que não precisássemos fazer vaquinha, que poderia gerar desconfianças. Não precisou.  

Bem, quem ainda quiser doar computadores e livros, procure bibliotecas comunitárias como a do Paraisópolis,  Biblioteca Becei, tocada pelo Claudemiro Alexandre Cabral que tem uma história incrível. Agora a biblioteca foi melhorada, mas eles ainda aceitam doação que, se não servir para a biblioteca, poderá ser aproveitada pela comunidade.  

Biblioteca Becei
Tel. 011 35077531 / biblioteca 011 65338208 cel Cabral
bibliotecabecei@globo.com / cabral@paraisopolis.org

Veja o vídeo.

Mais água: "Si num cabá esse negóci de calipi as turma vai passá fome"

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Fonte secando em Piracaia
Veja a fala de agricultores de São Luiz do Paraitinga no vídeo abaixo sobre eucalipto, especialmente a do homem na segunda metade da gravação.  

 A situação é grave, há várias causas para nosso desabastecimento de água, mas não podemos nos esquecer das florestas plantadas. Este é um nome fantasia dado para as plantações de eucalipto que assolam o país. Fantasioso porque floresta pressupõe diversidade de fauna e flora, perenidade, proteção de corpos hídricos. O que não é o caso.  A falsa floresta cresce assustadoramente rápido, afasta fauna e flora e ainda seca todas as fontes de água perto dela e de tempo em tempo vem abaixo, deixando a terra exposta e os mananciais já exauridos ainda mais desprotegidos. Conclusão, nossas fontes estão secando.

Que a cidade de São Paulo era totalmente coberta por fontes e córregos pouca gente sabe, e que hoje nossa água tem que vir de longe, menos ainda. O importante é ter água na torneira. Agora, se já perdemos nossa capacidade de captar água das nossas fontes em nosso território (o certo ao menos seria cada um captar e reservar água de chuva em seu domínio particular para usos diversos) e nossa água vem de longe, é hora de se preocupar também com as fontes distantes com as de Piracaia e região que estão secando. E aí entra o eucalipto.  Ou encontramos formas mais segura de convivermos com isto, com políticas duras de manejo,  ou não teremos água pro nosso feijão em breve. E nesta estiagem a culpa não é só da fatalidade climática.  As represas eram rios, os rios tinham afluentes, os afluentes estão secando. A Sabesp deveria se preocupar não só na orientação de economia de água (que é óbvia e necessária), mas também com os eucaliptos dos topos de morro e do meio do caminho todo além do gado que pasta nos fundos de vale das represas onde deveria haver mata ciliar.  Em Piracaia, de onde vem parte de nossa água, esta situação é constante e ninguém faz nada. Agora, com o corte de grande parte do eucalipto plantado há alguns anos - por agricultores que substituíram suas roças pelo dinheiro do arrendamento pela Votorantim, os topos de morro estão carecas. Aquilo então era uma floresta?  

Parece tudo muito trágico, mas não dá pra falar de figos em compota quando não se tem água (pelo menos hoje, amanhã talvez dê uma boa receita). Pequenos agricultores estão sendo assediados para aderirem ao plantio de eucalipto pelo próprio governo, como vemos neste parágrafo de uma notícia da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República: "A proposta para a construção da Política Nacional de Florestas Plantadas é conduzida pela SAE desde 2010, com o apoio de outros órgãos do governo e da Câmara Técnica Especializada, formada por especialistas dos setores público e privado. Entre os objetivos da política estão a ampliação de estímulos para a inserção dos pequenos e médios produtores no mercado de florestas plantadas, a geração de emprego e renda e a atração de investimentos". Veja o restante do texto aqui: http://www.sae.gov.br/site/?p=19576

Não é novidade alguma o êxodo rural crescente, a situação de miséria em que se encontram agricultores na cidade expulsos de suas terras e as condições precárias dos trabalhadores em falsas florestas de eucalipto que empregam gente apenas para aplicar venenos e depois para cortar, transportar ou fazer carvão. Piracaia foi notícia dia desses.  Ou seja, geração de emprego é balela.

Mas voltando às águas de São Paulo, não deixe de ver o vídeo "Como encontrar uma nascente em São Paulo" com a dupla do Rios e Ruas, o geógrafo Luiz Campo Jr. e o urbanista Roberto Bueno, que aliás fez uma fala ontem no curso de Permacultura que estou cursando.  Eles são esperançosos, especialmente quando temos em São Paulo Horta das Corujas, Praça da Nascente e um grupo grande de gente que faz. E, ok, amanhã falo de comida. 

Compota de figo verde

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Está aí uma fruta que veio de longe. O Ficus carica viajou pra cá da bacia do Mediterrâneo, especificamente de Cária, região da Ásia Menor, daí o nome. Até hoje não comi figos tão bons quanto os que comi na Europa, duas vezes colhidos deliciosos diretamente das calçadas.  São doces, mais densos na textura e mais concentrados no sabor. O que leva a concluir que não se deram tão bem por aqui.  Agora, com este tempo seco, eles podem ficar melhor, mas ainda prefiro os verdes para fazer doce.  Estes, sim, se comportam tão bem quanto os verdes de lá. São saborosos e conservam o aroma fresco e herbáceo das folhas frescas, mas ainda não têm a doçura da fruta fresca, que precisa vir do açúcar.


As minhas figueiras
Já plantei duas figueiras no sítio e eles crescem bem com caules tortuosos e ramos frágeis. Percebi que o que está rodeado de outras plantas, num pequeno amontoado biodiverso, cresceu melhor e produziu mais frutos que aquele que está sozinho, sem companhia além das braquiárias da proximidade. As folhas protegidas estão bonitas, verdes e vistosas mesmo agora com a estiagem.  Para quem nunca viu, elas lembram as da parreira e são tenras quando novas, tornando-se mais firmes e ressecadas com o tempo; são bastante perfumadas e liberam pigmento em contato com água quente (pigmento mais acastanhado) ou de um verde lindo em álcool, por isto podem ser usadas para aromatizar e aromatizar chás, licores, geleias e compotas (só não serve como bronzeador, pois provoca queimaduras graves na pele).

Na verdade, dentro dos conceitos botânicos, o figo não é exatamente um fruto, mas um sicônio, resultado de uma inflorescência em que o receptáculo se espessa envolvendo as centenas de flores, que ficam agrupadas no centro. No figo verde é muito fácil ver estas minúsculas flores no miolo (quando o fruto amadurece, elas ganham o aspecto de sementes). Depois de cozido, o figo se torna inteiramente verde e algo translúcido. Se for cozido em tachos de cobre, a cor fica ainda mais viva.   

Estes verdes da minha compota não são de minha produção, ainda pequena, mas ganhei do caseiro, que trouxe da casa de alguém da cidade, que tem uma figueira muito produtiva no quintal. 

Carlos chegou com um saco cheio das frutas bem frescas com a proposta de que eu preparasse-os em calda e desse a metade para ele. Sinceramente não estava com muito tempo, mas não tive escolha, afinal não ia deixar estragar essas preciosidades.

Minha mãe sempre fez compota de pêssego verde e também do figo, antes que os passarinhos acabassem com as frutas maduras. Para os dois,  o processo de tirar a pele é o mesmo. Ferver, deixar no freezer e um dia depois limpar as frutas congeladas sob água corrente, puxando a pele com as pontas dos dedos.  As frutas despeladas assim, puxando a pele, ficam lindas, mas no caso do pêssego prefiro começar e terminar o doce no mesmo dia e então prefiro descascar as frutas uma a uma. E no caso do figo não acho necessário tirar a pele. Gosto da textura dela, como se fosse uma frágil cápsula que rompo com os dentes para atingir a polpa macia, translúcida, perfumada e doce.  O preparo fica muito mais fácil e o resultado nada a dever aos figos pelados.E tanto na compota de pêssego quanto na de figo, nada de cravo, canela, casca de limão, que é pra sentir o perfume das próprias frutas que já são suficientemente complexos.

Só tome cuidado para não mexer com os figos embaixo de sol, pois podem queimar a pele. E se tiver algum machucado nas mãos, use luvas quando estiver cortando as pontas, pois a seiva contém ficina, uma enzima proteolítica como as que encontramos no mamão, no kiwi e no abacaxi – ela agride ainda mais ferimentos expostos.  Então, à receita. 




Compota de figo
Como fiz:  lavei bem os figos, cortei a pontinha, fui deixando-os imersos em água fria e furei todos com o garfo, para que a calda entrasse. É a parte mais trabalhosa, mas necessária para que fiquem encharcados com a calda. Escorri, coloquei numa panela grande, cobri com água e aferventei por 10 minutos. Joguei a água fora, coloquei outra água quente e fervi por mais 10 minutos, para tirar o amargor. Pesei as frutas antes de cozinhar: 1,2 kg. Coloquei, então, as frutas ainda quentes numa panela com a mesma quantidade de açúcar . Cobri com água fervente e levei ao fogo para cozinhar por cerca de 2 horas em fogo baixo ou até que ficassem bem macias, sempre completando a calda com mais água quente à medida que secava. Neste tempo, retirei de vez em quando um pouco de espuma que subia à superfície.  Quando os figos estavam macios, deixei a calda reduzir um pouco para ficar na consistência de um xarope brilhante.  Enquanto isto, esterilizei os vidros onde os figos seriam acomodados (basta colocar tudo numa panela, cobrir com água fria e levar ao fogo; depois que ferver, conte 15 minutos, desligue o fogo e escorra).  Coloquei os figos ainda quentes dentro dos vidros também quentes. Cobri com pano, esperei esfriar, tampei, dei a parte prometida ao Carlos, presentei amigos e o resto, nhac, gelado, com creme.  Experimente colocar fatias finas em sanduíches com folhas, presunto e algum queijo cremoso. 

Obs: figos verdes pré-cozidos e embalados à vacuo podem ser encontrados em supermercados e sacolões. 

Manga

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Este parece não ter sido um bom ano para mangas, a julgar pelo que ando colhendo nas praças perto da minha casa. Mas já colhi algumas na mangueira do sítio em Piracaia, onde encontrei também esta inofensiva cobrinha. Inofensiva porque a encontrei morta na estrada estorricada ao sol.

Jambinho cereja em calda

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Fui novamente a Piracicaba outro dia e quis visitar aquela árvore de jambinho, ver se ainda havia frutas. Causou surpresa o fato de o jambeiro já estar sem frutos, porém fiquei feliz em descobrir que ao lado dele havia outro com frutos parecidos, porém maiores, e mais fartos. Sequer havia percebido que ela estava ali na primeira vez. Frutos tardios.

As árvores grandes, tortas, espremidas pelo cimento
Marcos e eu colhemos um tanto, trouxemos pra casa e, como eram um pouco maiores que os primeiros, consegui fazer um corte na base e tirar as sementes - que já plantei, obvio.


Cozidas, ficam meio desbotadas. Mas o suco de limão faz a cor ficar mais
viva


Cozinhei as frutinhas ocas em calda de açúcar - um tanto de fruta de fruta, parte igual em volume de água, outra em peso de açúcar. Cozinhei até a calda ficar brilhante, poucos minutos.  Como perderam um pouco da cor, juntei umas gotas de limão. Outra surpresa, pois além de ter a cor reavivada, o sabor também se sobressaiu com a adição do ácido. Uma lembrança de rosas com a acidez da fruta mais marcante. Ficaram deliciosos e a vontade era de usar como cerejas em calda, não daquelas feitas com mamão colorido, mas daquelas importadas. Vontade de juntar marrasquino à calda, de colocar sobre um bolo coberto de creme bem branco, decorar um sorvete ou afundar em massa densa de bolo amanteigado. Devia ter colhido mais. A árvore estava rosada de frutos. Mas se você encontrar por aí estas graciosidades desprezadas, de sabor rosáceo e de tamanho trabalhoso para comer ao natural, não hesite em colher todas e conservar em calda de açúçar para o resto do ano.

Com creme de banana (a banana congelada e batida no processador)
Algumas das mudinhas. As sementes brotam facilmente

O destino do feijão goiano

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Este foi plantando entre o milho 
É que o germe deste feijão veio de Goiás. Portanto, não trato aqui de um prognóstico da cultura do feijão goiano, que, para além de lá, despenca no país inteiro em queda livre, sendo considerado o primo pobre da agricultura moderna. Só compensa plantar em grande quantidade usando a mesma tecnologia do milho e da soja, dizem os agricultores,  e o preço final vai variar conforme a demanda - que também despenca dia a dia especialmente nas classes mais altas.  E, se for para plantar pouco, só pra subsistência, o agricultor acha mais vantajoso comprar no mercado.

Mas quem quer um feijão limpo, sem uso de defensivos, não tem escolha. Ou compra o orgânico, que não é tão barato, ou planta seu próprio feijão. E com esta seca,  mesmo o feijão comum deve aumentar o preço ainda nesta temporada. Como tenho um pedacinho de terra, escolhi esta última opção, plantar meu próprio feijão, não só por economia e preocupação com a qualidade, mas também porque isto me faz feliz.

Trouxe apenas 200 gramas de diferentes variedades de feijão comprados na feira do Ateneu em Goiânia.  Plantei no sítio e colhi cinco variedades - só o canário não vingou mais que um pé.  Foram plantados juntos ao milho e em cerca de 90 dias já estavam colhidos - dependendo da variedade cinco dias pra mais, cinco dias pra menos, como diz o caseiro Carlos.  As folhas começam a ficar amareladas, é hora de colher. As vagens terminam de secar ao sol.  Quando você tocar nas vagens e ela se quebrar com um leve apertão, já pode bater. Ou quando as folhas e galhos se tornam quebradiços.

Como a quantidade era pequena, aproveitei os dias passados lá no fim do ano e coloquei os feijões em panos que ficavam sob o sol durante o dia e eram recolhidos à noite por causa do sereno.  Todo o resto do trabalho foi feito pelo Carlos.

Neste arraste pra lá e arraste pra cá, muitos feijões iam caindo pelo caminho. Carlos, Silvana e eu não desperdiçamos nenhum. Catamos todos e juntamos um montinho de cores variadas. Cozinhei todos juntos e coloquei no molho do macarrão com linguiça. Dá uma sensação boa comer o feijão colhido tão perto. O bom de plantar feijão é que tem ciclo curto e em pouco tempo se colhe um alimento proteico, energético e gostoso. E, em pequenas quantidades, não requer nenhuma tecnologia durante todo o ciclo.

No sítio do meu pai eu via a planta e depois os grãos guardados em garrafas, mas nunca o processo todo. Então, não estranhe minha empolgação, pois esta foi a primeira vez que acompanhei mais de perto o ciclo, da obtenção da semente ao plantio e colheita do feijão. Por isto mostro aqui as fotos da trajetória para outros ignorantes da terra como fui até outro dia.  A variedade em questão, o primeiro a ser batido, foi o feijão amendoim ou feijão vermelho, de cor avermelhada,  sabor delicado, textura macia e caldo grosso.

Comprei os grãos (de comer ou de plantar) na feira  - no cultivo de grande
escala, grãos de comer e sementes de plantar diferem, pois estas precisam
ter garantias de germinação, vem com tratamento para os bichos não
levarem, etc. Mas tradicionalmente, para os dois fins, o feijão era o mesmo
Os feijões vieram na mala - os saquinhos embaixo mais pra direita 
Foi plantada cada variedade em lugar diferente - o vermelho, entre
o milho, em terra apenas livre de braquiária, sem correção alguma

Os feijões secando. Cada variedade num pano

Mistura de feijões que foram caindo. E Dendê pensa: será que vou ganhar?
O blend de variedades mostrado acima foi junto com molho de tomate e linguiça
para o macarrão. Dendê ganhou um pouco. 


O restante foi passado para o chão. Carlos e Silvana cataram todos os que
ficaram no pano
Carlos preparou uma varinha bem flexível e firme para bater o feijão. Também
bati um pouco meio desajeitadamente
Ele fez uma vassoura ou alecrim do campo e ia juntando à medida que
espalhava 
Quando todas as vagens haviam rompido e liberado as sementes, a palha
foi tirada de cima dos grãos que permaneciam no chão
Ele foi varrendo de leve por cima para liberar as sementes o máximo possível
Só então passou os feijões para a peneira e começou a abanar. A palha
é mais leve e se perde no caminho quando o feijão é jogado para cima.
No final, de 200 gramas colhemos 3 quilos (2979 g) de feijão limpo. Nada mal! 
E, pra variar, parte dele já foi de novo para o molho de macarrão, completado
com lascas de queijo canastra  - para um vero pasta e fagioli teria que ter um
molho mais suculento, mas de qualquer forma este não decepcionou. E nhac!

O que é, o que é?

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Para quem estava com saudade da brincadeira, aqui vai mais um desafio. Mande um palpite. Resposta na segunda-feira. Até lá e bom fim de semana (tomara que chova!).



Ajuru, guajuru, ajuru, ajiru, uajuru, hicaco, icaco, cocoplum etc. Resposta à charada

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Bem, aqui está a resposta à charada do último post: Cajuru, ajuru, ajiru, uajuru.

Pelo jeito, pouca gente conhece. Foram citados maracujá roxo, ameixa de umeboshi, jambo, milho de grilo, cambuci, tâmara, seriguela. Só a Márcia Amaral acertou. A título de curiosidade, veja fotos das frutas mencionadas (em tamanho, só o milho de grilo é infinitamente menor):

Milho de grilo de Piracaia

Tâmaras em Paris

Cambuci de Rio Grande da Serra - SP

Maracujás roxos do Ceagesp

Umês da Lapa 




























Seriguela da Bahia
Ganhei as frutas da Mara Salles, do restaurante Tordesilhas.  Um amigo havia lhe dado sem saber do que se tratava. Mara trouxe para ver se eu sabia. Como recebi as frutas já muito amassadas, fermentadas, sem condições de serem comidas, tirei foto, provei a polpa com a ponta da língua e plantei todas as sementes num vaso, sem saber o que eram. Havia esquecido delas, até que as sementes começaram a germinar. Só depois disso, com as folhas maiorzinhas é que associei a fruta à planta e me lembrei de ter provado dela na Ilha do Marajó, onde dão a ela pouca importância. Passei por uns arbustos tortuosos, vi a fruta e perguntei o nome. Ajuru, disse dona Jerônima, sem muito entusiasmo. É que por ali há tantas frutas que algumas menos marcantes são deixadas aos peixes, aos bichos. Lembro de ter provado e achado gostosa, com sabor doce e textura um pouco fofa e úmida, sem aroma marcante. Lembrava um pouco o sabor da maçã, com menos acidez, ou de jambinhos rosas talvez. Polpa mais mole. Deveria ter colhido mais, explorado mais, mas o tempo passou e só agora voltei a ter contato com a fruta,  já passada também.  

A espécie Chrysobalanus icacoé originário da América Tropical e Caribe. Mas hoje é naturalizada no Vietnã, Polínésia, Índia etc. No Brasil quase não é cultivada, mas é encontrada no seu habitat natural nas praias, restingas e dunas do Norte e Nordeste e também nas praias de rio no Baixo Amazonas.  Em breve, em Piracaia.

As sementes germinaram. Agora é só mudar para vasos individuais e depois
para a terra em Piracaia 
Há variedades com frutos vermelhos (ou rosados, como estes que mostro), amarelos e pretos. Todos possuem polpa branca. A pele é fina e comestível enquanto a semente tem um cerne oleoso que, dizem, tem sabor de amêndoas.  Além de gostosa, a frutinha tem poderes hipoglicemiantes, comprovados em estudos com camundongos, e outras funções fitoterápicas. Popularmente. tanto as folhas quando os frutos são usados para fins medicinais.  A árvore pode ser muito grande ou mantida como um arbusto de galhos tortuosos que às vezes crescem sobre o chão. E uma grande vantagem da planta é que resiste não só à seca quanto a geadas e ainda suporta solos bastante salinos.

E, se para comer in natura a fruta não exerce grande apelo, na cozinha é usada para o preparo de uma deliciosa compota,  como esta. O dulce de icacoé uma sobremesa emblemática e apreciada em Zúlia, na Venezuela, mas também em Havana e outras mesas caribenhas.  E, na minha, daqui a alguns anos... Por enquanto, vamos ficar de olho nestes frutos não convencionais que encontramos fartamente à beira de nossas praias.
Outros nomes por aí:  engmo, jingimo e mafua, cocoplum, paradiseplum, fat pork, maçãzinha da praia, ciruela de algodon etc.

Devagar, por favor. Curso na Casa do Saber

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Começa amanhã. Para ver a programação, vá ao site da Casa do Saber: http://casadosaber.com.br/sp/cursos/ferias/slow.html

É hora de plantar. Abacate, manga, jabuticaba, pimentas, tomates ...

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Meu amigo Fernando enfeita a mesa com os abacates brotados em água
Engraçado, meu primeiro post aqui no blog foi em 2006,  com o título "Aqui se planta, aqui se come". Desde então minha doença de plantar só tem crescido. Agora que temos um sítio, ainda mais.

Você pode dizer que com esta seca, melhor não plantar nada. De fato, no campo talvez não seja um bom momento, com esta falta de água dos últimos meses. Mas em casa, se você tem água de reuso da pia toda hora é hora. Já reparou que a maior parte da água que se vai pelo cano na pia da cozinha é água sem sabão? Água que a gente enxágua a mão, água que lava fruta e verdura e aquela que a gente só usa pra passar num utensílio qualquer antes de usar. Para recolher, é só manter uma bacia sobre a cuba da pia e um balde por perto. Pronto, terá água suficiente para regar muitas plantas. Nada de deixar um vaso estorricando no sol da varanda se tem água de sobra na cozinha.

Mas, voltando às sementes e a hora de plantar. É claro que,  assim como na gastronomia e em todas as áreas, há técnicas apropriadas para cada situação. E quando o assunto é profissional, não dá pra dispensar o conhecimento. Agora, plantar e cozinhar amadoristicamente são atitudes inatas ao ser humano, pois disto depende nossa sobrevivência. Então, mesmo que não tenha técnica alguma, não há desculpas para não praticar estas duas coisas  - a não ser que se as abomine.

Muita gente me pergunta como faço pra plantar isto ou aquilo, que tipo de terra usa, qual a melhor época, quando poda, como poda, quando muda de vaso, a posição do sol, a frequência de rega etc. É certo, de vez em quando eu aprendo alguma coisa que vou acumulando no repertório. Mas quase sempre aprendo por tentativa, erro e ignorância (a ignorância nos protege sob vários aspectos, incluindo o de não ter medo de arriscar algo consagrado como fracasso certo por quem conhece).  É claro que se quero plantar milho, feijão ou outra cultura que vai demandar tempo e espera de resultado, procuro me informar sobre o cultivo. Mas se como algo que tem semente ou vejo uns galhos de poda na rua, o que faço é enfiar na terra que tenho, do jeito que é possível. Às vezes é terra comprada, mas geralmente é terra que veio do sítio, terra de vasos velhos jogados na rua, terra de reforma de calçada encontrada em caçambas (Marcos me ajuda nisso). Terra qualquer, água e sol é tudo de que precisamos num primeiro momento. Planta de sombra ou de sol? Se sei, bem. Se não, coloco num canto do quintal e observo. Se é espécie muito rara, mesmo de matinhos, planto duas mudas e deixo uma em cada canto do quintal. Uma com sol da manhã, outra com o da tarde. Se uma planta começa a ficar estiolada já sei que precisa de mais sol. E assim vou tentando.  Como disse Peter Web, um papa da permacultura, num curso que fiz recentemente, é fácil conversar com as plantas, abraçar, ter bons pensamento em relação a ela, o difícil é ouvir as plantas. Tem que tentar.

Então, se quiser começar, não precisa complicar. Não tem vaso, faça suportes com jornal. Não tem ferramentas, qualquer pauzinho serve e nossas mãos foram feitas para plantar, pode ver - o dedo fura-bolo certamente é um dedo fura-terra. Não tem tempo agora? Jogue ou cuspa as sementes de qualquer jeito sobre a terra úmida que algumas vingarão - geralmente as mais resistentes. Ou coloque as sementes juntas num vaso e cubra com um pouco de terra - a mesma espessura da semente em camada de terra por cima. Se brotarem, passe para vasos individuais. Tenho vasos assim de grumixamas, jambos, gabirobas, jabuticabas etc. Se cada vaso tem em média 30 mudas, imagine o trabalho que tenho pela frente. Mas, acredite, é terapêutico. Depois é só transplantar para um lugar onde a planta tenha chance de evoluir. Se tudo der certo, você terá em algum momento flores para te alegrar e comida pra chamar de sua.  E, mais certo ainda, poderá deixar sua rua mais verde, o quintal dos seus amigos mais bonitos, as praças mais frescas, as terras desmatadas reflorestadas. Mas, vá lá, pode começar pequeno com uma jardineira e vai ver que vai ganhando gosto pela causa.

Tem coisa mais gostosa que você acordar e saber que alguma coisa diferente e boa pode ter acontecido durante a noite?  Todo dia, a primeira coisa prazerosa que gosto de fazer,  antes de tomar o café da manhã, é ir olhar o jardim para saber se aquela mudinha vingou, se um novo broto surgiu num galho de sabugueiro, se uma semente começou a inchar, se começou se desnovelar. É uma sensação indescritivelmente boa e que não custa nada.  E você ainda pode se sentir melhor ainda presenteando mudas.

Sementes na boca? cuspa já! E colha mais depois.

Fui jogando as sementes de abacate numa jardineira num local sombreado
Em pouco tempo a maioria germinou

E tive que arrumar trinta vasos para abacates e mangas

Isto é coisa que acontece da noite para o dia. Não é mágico?


Até os pinhões joguei na jardineira 

E logo tive que passá-los já brotados para vasinhos de jornal 
Galhos da roseira Carmencita que podei. Todas vingaram 

A arte de plantar jabuticabas

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Na caixinha em que as próprias jabuticabas vieram 
Há várias artes para se conseguir uma boa muda de jabuticaba. Seja por alporquia da raiz, plantando um galho maduro numa lata com água ou comprando uma boa muda já produzindo cujo preço, a depender do porte e produção,  pode ser o de um carro. Eu mesma só sei uma arte que é a chupar e cuspir alguns caroços - outros tantos vão goela abaixo. 

Jabuticaba é o tipo de mirtácea da qual a gente não costuma encontrar muda  embaixo da fruta mãe (deve ser aquele artifício que algumas plantas têm de inibir mudas filhas por perto para estimular a diversidade). E também não parece ser planta semeada por passarinhos. Acho que não são bobos de carregar a fruta grande para outro lugar ou ainda comer a fruta com caroço (pássaro que come caroço de jabuticaba sabe o funhumhum que tem).  Preferem bicar na árvore. E as sementes que comemos tampouco viram plantas. Então, o negócio é separar sementes e plantar mesmo. 

Depois dos cinquenta anos paira sobre o pensamento o pouco tempo que nos resta. Plantar sementes começa a parecer coisa de gente jovem que terá uma vida pela frente para comer o fruto.  A gente tem pressa, quer logo uma jabuticabeirona vivida cheia de frutos para atolar o dente ligeiramente, quer aquele prazer urgente. E tudo bem, a gente tem ótimos viveiros como o Ciprest e o Oiti, por exemplo, de amigos. Mas se também podemos plantar sementes, que não vejamos, não comamos,  não tem problema.  Fica para as gerações futuras, lembrando que no meu neto, no meu bisneto, haverá uma parte gulosa de mim.  E se não plantamos sementes estaremos agindo como no esquema egoísta e perverso das pirâmides. Só os primeiros do pico se dão bem, o resto que vem que se desmorone. 

Então o que tenho feito e já falei aqui é jogar sobre terra todas as sementes que caem na minha mão ou na minha boca. Nem que seja apenas para dar de presente ou para plantar na beira de um riacho careca. Ou só para ter a alegria de ver aquela semente seguir o ciclo e dar vida a todas as informações da planta mãe que traz encapsuladas. 


Estas jabuticabas comprei para fazer as fotos da coluna do Paladar. Isto foi em Dezembro. Separei as cascas que ia usar, reservei a polpa para suco e sorvete e fiquei com as sementes na peneira. Não tinha nem um só vaso dando sopa no momento. No improviso, o que fiz foi pegar terra do jardim mesmo e encher a própria caixinha de papelão com ela. Umedeci e joguei ali as sementes diretamente da peneira ainda úmidas de polpa. Era para ser um esquema de emergência. Mas esqueci completamente. Outro dia fui mexer no matagal em que se transformou o pedacinho de jardim que tenho e percebi uma florestinha de plantas iguais crescendo à sombra de outras mais agressivas. Afastei as outras plantas, e reconheci quase desfeita a caixinha de papelão. Fiquei feliz porque nunca tinha conseguido fazer vingar uma semente de jabuticaba. E agora, de uma só vez, quase todas as que ali joguei.  Mesmo com tempo seco não tive escolha, tive que novamente improvisar vasos para as mudas. Fiz de jornal. E aí estão, para a posteridade. Acho que são vinte e cinco vasos, alguns com 2 ou 3 mudas que ainda precisam ser rearranjadas caso prosperem. 


E, para não dizer que não falei de comida, se você também plantar sementes acho que já pode ir sonhando com aquela tapioca ou com o sagu







O que é, o que é?

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Quem acertar ganha meus sinceros parabéns, nada mais. Diga aí o que é, o que é. Resposta na segunda-feira.
Bom fim de semana!
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