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Tem tacacá na Tietê na próxima quinta-feira

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Nesta próxima quinta feira, 14/11, Mara Salles estará novamente servindo seu tacacá na calçada, na frente do seu restaurante Tordesilhas.  Quer se sentir como um belemense e esquecer a partir das 17 horas que vive numa metrópole cheia de problemas? Um tacacá bem quente, cheio de jambu que deixa sua boca tremelicante e sensação refrescante será seu refrigério numa tarde comprida em horário de verão, véspera de feriadão.  Sem contar que a gente encontra um monte de amigos e gente conhecida na calçada, com  a cuia na mão. E se sente como se vivesse ao redor dali. 

Quinta-feira, das 17 às 20 horas - ou até acabar o tacacá. Preço, R$ 12 e R$ 16,00 (cuia pequena ou grande). Embora o tacacá esteja no cardápio do restaurante, neste dia o preço será 20% menor.
Onde: Alameda Tietê, 489 - Jardins, São Paulo - SP - Tel. 11 3107-7444

Já falei da primeira edição aqui: http://come-se.blogspot.com.br/2013/09/amanha-tem-tacaca-na-tiete.html

Defesa do queijo de leite cru pelo Slow Food

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Marcelo de Podestà mostra o o queijo que acabou de chegar do
 AlimentoSustentável 


Antes de ler, veja o recado dado em 2011 pelo Piero Sardo, presidente da Fundação Slow Food para a Biodiversidade, aos integrantes do GT do Queijo de Leite Cru, do Slow Food Brasil.  E a todos os que atravancam o acesso ao nosso incrível mundo dos queijos artesanais feitos a partir do leite cru. São muitos no Brasil inteiro. Calhou de os queijos da Canastra, do Serro e do Salitre estarem em destaque (com merecimento), mas são centenas de variedades Brasil afora. Queijo de manteiga, queijo de coalho, Araxá, colonial, branco, amarelo, maturado, com crosta tingida de urucum, de vinho, crespo, com olhadura, liso, caolho. Tem de tudo na diversidade.  Muitas vezes queijos excepcionais de produtores que não conseguem atender à legislação sanitária, desconectada da realidade das pequenas queijarias, viajam na clandestinidade para alcançar os grandes centros e  amontoam-se no mesmo embornal ocupado por produtos medíocres ou feitos sem higiene alguma.

Marcelo, líder do Convívio Belo Horizonte, sabe de tudo
Foi para discutir estes assuntos, mapear bons produtos Brasil afora feitos a partir do leite não pasteurizado e incentivar esta diversidade queijeira que foi criado o Grupo de Trabalho do Slow Food Brasil sobre Queijos Artesanais de Leite Cru.  Fazem parte do GT pesquisadores, professores universitários, líderes de convívios e entusiastas. Já fizeram vários encontros e degustações, mas na última semana tivemos a sorte de ter uma delas aqui em São Paulo, já no finalzinho do Mesa Tendências, o congresso de gastronomia internacional realizado pela revista Prazeres da Mesa e Senac. O ingresso custava R$ 20,00 e dava direito a degustar vários queijos. Só quando se reúnem vários deles numa só mesa é que nos damos conta da diversidade que está prestes a desaparecer com a padronização imposta pelos grandes laticínios e órgãos governamentais que insistem em decidir sobre nosso direito de escolha. Cênia Salles, Marcelo de Podestà e Margarida Nogueira (quem trouxe o Slow Food para o Brasil) estavam ali explicando tudo.

Não havia muita gente para degustar, mas apareceram vários membros do Slow Food que estavam participando do Mesa Tendências, entre eles Carlo Petrini, o fundador do movimento, que adorou o queijo de cabra Casa Branca. Eu degustei e gostei de todos, mas comi mesmo bastante foi o queijo de manteiga com raspa, de Serra Negra, RN.

Em São Paulo, o Fernando, do Alimento Sustentável vende vários deles.

Veja aqui algumas fotos do Petrini, do evento e de alguns queijos. Clique para ampliar.



















 


Sementes da capuchinha no molho de abacate

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Na verdade são os frutos com as sementes encerradas, mas chamemos de sementes somente. Elas são picantes como as folhas e flores.  Entre as substâncias presentes,  há um glucosídeo, glucotropeolina, que se junta à enzima mirosina, liberada quando trituramos as sementes. Por hidrólise a combinação gera outra substância, o benzil-isotiocianato,  que dá aquela sensação de pungência, como o alho, a mostarda, a raiz forte, o crem, o wasabi.

Em todos eles, esta reação é mais ou menos igual e este sabor recém formado com a mistura das duas substâncias,  na mastigação ou trituração, é que faz com que estes alimentos sejam tão desejados.  O bom é que além de contribuir com o sabor, esta substância, o benzil-isotiocianato,  tem propriedades balsâmicas e antimicrobianas (isolada, in vitro, acaba com Bacillus subtilis, Escherichia coli, Salmonella spp etc). E junto com a vitamina C presente e flavonoides, tem ação antioxidante. Então, vamos comer a capuchinha por inteiro. Aqui no Come-se há várias receitas com folhas e flores. É só ir ao campo de busca.

Tem tempos que queria fazer um molho pra salada. Nesta semana o Carlos, caseiro, trouxe uma sexta cheia de abacates, que devem ser os últimos da safra. A Rita, que foi ao encontro do Slow Food Piracaia no sítio, aproveitou e fez com eles um molho muito gostoso para a salada, usando limão, azeite e outros temperos. Nem sei, porque não acompanhei.  Mas ficou delicioso. Foi ótima opção já que havia pouco azeite na casa.

Então ontem, vendo se acumularem as sementinhas de capuchinha no peitoril da janela (tenho as flores plantadas na jardineira  e todo dia quando vou regar aproveito para tirar as sementes e vou juntando num canto do peitoril), e ainda lembrando do molho da Rita, resolvi juntar as duas coisas, abacates e capuchinhas, ambos verdinhos.  Fui fazendo de olho, mas anotando tudo na cabeça, de modo que passo aqui agora antes que esqueça.

Pensei em alguns ingredientes, o que aparecem na foto, mas fui juntando outros conforme a necessidade até ficar com sabor que considerei muito bom para a salada. Então, aqui está o jeito que fiz, mas você pode variar os temperos.  Minha ideia era me livrar do azeite, usar só o abacate como ingredientes gorduroso, além do limão para acidificar e alho para intensificar o picante das sementes. A ausência do azeite deixa o molho mais leve, econômico e nutritivo. Usei água para ralear, mas se não for um molho para salada, você pode dispensar a água, deixando o molho mais denso como uma maionese. E, claro, pode juntar, sim, um pouco de azeite de oliva, de girassol, de licuri, de pequi, de castanha-do-pará... enfim, a gordura que tiver de melhor.

Aos poucos, fui juntando outros ingredientes não previstos inicialmente. Achei que umas folhas de ora-pro-nobis branqueadas deixariam a emulsão mais estável com sua mucilagem - acertei. E as folhas de capuchinha, também branqueadas (jogadas em água fervente, deixadas por apenas 1 minuto e depois enxaguadas em água gelada), aumentariam o sabor picante. Decisão também acertada. Um pouquinho de mel e vinagre para equilibrar o sabor e folhas de coentro pra temperar, foram outros acréscimos.  Ainda penseu em outras intromissões como uma pimenta verde sem sementes, mas fica para o próximo.


Molho de abacate com capuchinha 

Bati no liquidificador meio abacate maduro, 1 colher (sopa) de sementes de capuchinha, 1 dente de alho, suco de l limão rosa, uma pitada de sal e água até conseguir uma consistência cremosa e fluida. Juntei ainda 4 folhas de capuchinha e 4 folhas de ora-pro-nobis, ambas branqueadas, 1 colher (sopa) de folhas de coentro, 1 colher (chá) de mel e 2 colheres (sopa) de vinagre. Bati tudo até ficar um molho cremoso. Provei, retifiquei o sal, coloquei sobre a salada de folhas e flores de capuchinha e nhac.

Aberta a temporada de forrageio. Coluna Nhac no Paladar, edição de 14/11/2013

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Hoje tem mais uma coluna Nhac no Paladar. Veja lá, que além disso, tem o resultado do Prêmio Paladar deste ano.  A partir de agora vou escrever pro caderno só uma vez por mês, mas aqui no blog vamos seguindo diariamente com folga nos fins de semana, feriados e dias santos.

Aqui, a versão integral do texto.

É hora de forragear pancs

Está aberta a temporada de forrageio.  Não, não está no calendário oficial, não estou falando de abelhas à procura de néctar e tampouco temos cá estações do ano tão definidas para eleger apenas a primavera para a atividade.  É só uma ideia que pode ser divertida para estes dias.

Todo  mundo conhece o vigor com que as plantas, cultivadas ou espontâneas,  despontam com a chegada das águas, como se acordassem ao menor barulho das trovoadas. Particularmente são as ervas espontâneas e comestíveis que me atraem para fora de casa nesta época do ano, quando estão vistosas e saudáveis.  Junto com outras espécies pouco usuais, estas ervas podem ser agrupadas sob a sigla Pancs – plantas alimentícias não convencionais.

Neste mesmo momento, várias cidades europeias abrem aos moradores e turistas a temporada outonal de coleta de cogumelos.  Acho invejável esta disposição  para o passeio ao ar livre,  com interesse não só alimentar mas também botânico e de convívio, afinal a atividade quase sempre é grupal, colocando em contato vizinhos e visitantes.  Cada um com sua cesta de palha, que é para deixar escapar esporos, além de guias com fotos e nomes científicos.

Pois a proposta é que,  enquanto nossos próprios cogumelos comestíveis não sejam catalogados e divulgados (sim, já há muitos pesquisadores fazendo isto, inclusive na Amazônia), possamos ao menos sair por aí com cestas e guias à mão para coletar ervas comestíveis que nascem nas frestas, parques, calçadas e quintais.  

Para um reconhecimento seguro, é importante saber o nome científico e universal.  Como recurso, consulte guias como os de ervas medicinais e ervas daninhas do Harry Lorenzi e outros, e a tese do pesquisador  Valdely Ferreira Kinupp, que pode ser acessada virtualmente (www.000635324.pdf). Na Europa e Estados Unidos há uma infinidade de livros sobre o assunto e, como muitas das nossas ervas espontâneas são exóticas, eles podem ajudar. 

E agora, muna-se de cesta, tesoura, guias, amigos e um leve preparo na cozinha para que na chegada todos cozinhem coletivamente.  Você  também pode arrancar estas plantas com raízes e replantar em casa para comer depois mais seguramente. Mas a graça está em forragear no espaço público como se ele fosse a sua floresta.


Tudo o que você faria com espinafre, também o fará com quase todas as ervas que colher, mas aos poucos vai descobrindo suas particularidades.  Vou listar apenas algumas espécies que você deve encontrar facilmente em todo o país. Fique de olho nos jardins mal cuidados, pois elas estarão lá: Dente-de-leão (Taraxacum officinale), beldroega (Portulaca oleracea),língua-de-vaca ou major-gomes (Talinum paniculatum),  serralha(Sonchus oleraceus)  barba-de-falcão (Crepis japonica),  mentruz rasteiro (Coronopus didymus), caruru (Amaranthus deflexus e outras espécies),  serralhinha  (Emilia fosbergii),  buva  (Conyza bonariensis),  alho-de-perdiz (Nothoscordum gracile), tanchagem  (Plantago major),  picão preto  (Bidens pilosa) e picão branco (Galinsoga parviflora). Lave bem, pique, cozinhe e nhac! 



Polenta de sarraceno gratinada com ervas espontâneas

Para a polenta
1/2 xícara de trigo sarraceno
1 litro de água
1/2 xícara de fubá de milho
Sal
Para as ervas
1 colher (sopa) de manteiga
1 talo de salsão picado
2 cebolas picadas em rodelas
1 cenoura picada em lascas
1 colher (sopa) de farinha de trigo
½ xícara de caldo de vegetais ou água
100 ml de vinho branco seco
150 g de ervas picadas (caruru, beldroega e picão preto)
Meia pimenta dedo-de-moça picada
20 tomates-cerejas partidos ao meio
50 g de queijo de leite cru maturado ralado grosso

Para a polenta: bata no liquidificador o trigo sarraceno com parte da água até os grãos ficarem bem triturados. Despeje numa panela de fundo grosso junto com o restante da água, o fubá de milho e 1 colher (chá) de sal. Leve ao fogo e mexa até começar a ferver. Abaixe o fogo, tampe e deixe cozinhar por 40 minutos, mexendo de vez em quando. Despeje a mistura em uma forma de bolo inglês untada com manteiga e deixe esfriar. De preferência, deixe na geladeira de um dia para outro.
Para as ervas: coloque numa frigideira a manteiga e leve ao fogo junto com o salsão, as cebolas e a cenoura. Cozinhe, mexendo, até a cebola murchar. Pulverize por cima a farinha de trigo e uma pitada de sal, cozinhe por mais um minuto e, fora do fogo, despeje de uma só vez o caldo e o vinho. Misture e volte ao fogo, mexendo. Acrescente as ervas e a pimenta e deixe cozinhar até que estejam macias e a mistura, cremosa. Junte os tomates, misture e cozinhe só até aquecer. Prove o sal e corrija, se necessário.
Montagem: desenforme a polenta, corte em fatias e coloque-as num prato refratário alternando com o molho de ervas. Espalhe o queijo por cima, leve ao forno bem quente e deixe assar só até o queijo derreter e começar a dourar.

Rende: 4 porções   

E nhac!

Artesanato para salvar nossos milhos

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Outro dia liguei para uma pequena fecularia na região de Piracaia para confirmar se a farinha de milho sem o tezinho no triângulo que eu havia comprado era realmente livre de transgênicos. O responsável disse, então, que a que eu tinha em mãos certamente era, mas que os próximos rótulos já trariam o tezinho, pois não estava mais conseguindo milho que não fosse transgênico para produzir a farinha. Deu uma tristeza. 

Alice com uma de suas peças 
Por outro lado, nunca pensei que a preservação dos nossos miolos crioulos pudesse estar nas mãos de artesãos. No Revelando São Paulo deste ano, encontrei no setor de artesanatos a Alice de Oliveira, uma jovem artesã e presidente da Cooperativa de Artesãos de Guapiara (Coopag). A cidade fica no interior de São Paulo e agrupa vários artesãos, a maioria mulher, que produzem peças utilitárias e decorativas a partir de fibras naturais. Até aí, nada demais, afinal fibras de bananeiras ou palhas de milho podem ser coloridas e eu nunca tinha parado para pensar de que forma isto era feito, se artificial ou naturalmente. Mas Alice me contou do esforço que fazem para preservar as variedades crioulas de milhos coloridos especialmente para o aproveitamento da palha.  Fiquei feliz. 

Palha densa

Palhas com cores naturais

Grãos coloridos e resistentes
Os milhos são lindos, vermelhos, pretos, laranjas, rajados, e as palhas, densas e coloridas.  Alice me explicou a importância dos milhos crioulos em relação aos melhorados e/ou transgênicos para o artesanato. Nossos milhos mais primitivos tinham uma camada de palha muito mais espessa, que era para proteger os grãos do ataque de bichos como roedores. Mais palha, mais artesanato. 

O milho plantado atualmente tem pouca proteção de palha. Com um pequeno rasgo se chega facilmente à espiga, o que não acontece com o milho crioulo. O que vale para o milho moderno é ter alta produtividade em grãos, com pouca palha - que tem coloração uniforme. Mas, além da quantidade de palha no milho crioulo, a diversidade de nuanças destas palhas é fundamental no estilo das peças tramadas para formar desenhos em tonalidades diferentes. Laranja, vinho, marrom, amarelo, são as cores que dão vida às peças. 

Agora, cestarias, artesanato, o que importam?  E quanto aos bichos, bem, pra que servem defensivos, afinal? Proteção natural deixou de importar. Um dia, quem sabe, quando todas as pragas forem resistentes a defensivos tóxicos, vamos voltar a dar valor às artimanhas da natureza. Por enquanto, o que se faz é ir destampando um santo para tampar outro, lutando para manter o frágil equilíbrio forjado ao longo de séculos de seleção natural, lidando agora com os efeitos colaterais.  Tudo para aumentar a produtividade.  A que custo e até quando?  A buva, por exemplo (por sinal, gostosa e erva apimentada), que infesta pastos e roças de milho, já não sucumbe aos herbicidas nas dosagens recomendadas,  exigindo uma carga maior, com impacto ambiental incalculável. Ao mesmo tempo, as abelhas, fundamentais na polinização das plantas alimentícias, grãos e frutos, estão sendo dizimadas rapidamente pelo excesso de agrotóxicos, entre outros fatores.  

Farinha feita com os milhos coloridos
Então, vamos ficar atentos e valorizar iniciativas como as de Alice que planta muitas variedades de milho crioulo até em terras arrendadas, incentiva outros artesãos, faz lindos vasos e cestas e ensina um ofício que vem de família. Veja o trabalho dela e da cooperativa no facebook.  Como guardiã de sementes, Alice conta que ali mesmo, no Revelando São Paulo, doou algumas espigas para índios participantes da feira - quiseram recuperar variedades que até eles já perderam. Bem, quanto ao milho plantado para o artesanato, algumas espigas viram farinha, deliciosa - ainda mais pela história que traz junto.  E uma ela me deu pra plantar - e já o fiz. 

Milho do meu avô
Ah, outra coisa que me deixou feliz recentemente é que consegui uma variedade de milho crioulo que vem do meu avô desde quando ela tinha 17 anos. Estava com meu pai que vendeu o sítio e não carregou a semente. Mas uma amiga, Meire, de Fartura, me ajudou a recuperar sementes para eu plantar em Piracaia - meu pai havia dado um pouco para um produtor local.  

Noivas do Cordeiro. Um jeito diferente de viver

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Reservem menos de uma hora para ver este documentário. Deve ser famoso nas redes sociais, muita gente já deve ter visto, mas se houver cinco leitores que ainda não viram já vale a postagem aqui, pois toda a gente deveria ver e compartilhar. Foi a amiga e leitora Ângela Cordeiro quem deu a indicação. Ontem vi duas vezes e me emocionei, me alegrei. Fala sobre um jeito diferente de se viver, plantar, colher, cozinhar, compartilhar. Fala de ética, solidariedade, dignidade, respeito, confiança e união, valores que predominam ali sobre religião, consumismo, vaidade, ganância, competição e convenções sociais. Parece utopia, mas este lugar, construído a duras penas a partir do preconceito,  existe e se chama Noivas do Cordeiro. Só vendo mesmo.

O que é, o que é?

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Amanhã é feriado e a equipe do Come-se será dispensada para as comemorações do dia da consciência negra. Mas deixo aqui lição de casa para os fieis leitores. O que é, o que é? Arrisque o palpite que lhe vier à cachola. Não tem premiações nem reprovações, mas na quinta, estaremos todos aqui para conferir quem acertou e dar os singelos parabéns.  Até lá! 

Caruru ou bredo. Resposta à charada

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Acertaram a charada aqueles que provavelmente já tiveram a sorte de colher de terra fofa um bom pé de caruru ou bredo, da família das amarantáceas, e observar sua raiz - avermelhada em algumas espécies (ou depende da acidez da terra?).  Liliana, Rosi, Arthur, Matoso, parabéns!  E aos demais palpiteiros, obrigada pela participação. 

Quem nunca teve a oportunidade não iria mesmo adivinhar, afinal,  se o caruru já é marginalizado, o que diremos de suas raízes? Cor de rabanete, formato de cenoura velha, cara de ruibarbo, e textura de ... barbante. Que pena.  Não, não deu pra engolir. O sabor é realmente bom, um ligeiro amargo com um toque adocicado, lembrando alcachofras e talvez seja o caso de comê-las raspando nos dentes ao modo das próprias alcachofras, mas não é pra tanto no momento. Procurei referências sobre indicações ou contra-indicações de comê-las e não encontrei nada, nem contra nem a favor, portanto, fiquemos com suas folhas. A menos que algum leitor ou leitora me dê boa referência a respeito (de comer raízes de amaranto, pois todas as outras partes se comem). 

Mastiguei mas não engoli 
Estas, colhi num monte de areia em Piracaia, na zona urbana. O caruru de grande porte e pintas roxas no meio das folhas chamava a atenção. Não resisti e colhi o que pude. Comi as folhas e replantei as raízes. Nunca as tinha visto tão avermelhadas.  Outro dia mesmo minha amiga Juliana Valentini me disse que aprendeu num curso que o único caruru comestível era o de pinta roxa, que é classificado no livro do Harry Lorenzi como Amaranthus viridis.  Não é o que autores especializados dizem - todas as espécies são comestíveis. Achei mudinha no quintal de Juliana, desta com pinta roxa, e trouxe para plantar aqui em casa. Não sei se ainda vai acontecer, mas as folhas que nasceram cá não têm mais as tais pintas roxas que definiriam a espécie como viridis.

Plantei caruru de mancha e nasceu sem mancha
E na literatura internacional sobre a planta encontrei informações desencontradas a respeito da classificação botânica. Estudiosos especialistas dizem não ser tão fácil a classificação (é aquilo, quanto mais se sabe, menos certeza se tem). A espécie que já pelo nome teria a raíz vermelha, conhecida em inglês como rough pigweed, redroot pigweed, redroot amaranth, costuma ser classificada como Amaranthus retroflexus,  mas vendo um banco de imagens desta espécie verifica-se que as folhas não trazem a mancha. Ou seja, o caruru que colhi, o da foto, tinha pintas nas folhas e raíz vermelha. Com certeza é do gênero Amaranthus, difícil de confundir, mas o nome da espécie, se fizer questão de saber,  melhor perguntar para taxinomistas.

Flores e sementes secando

Melhor comer as folhas sempre cozidas
Em uma coisa parece não haver discordâncias: o gênero Amaranthus é originário de áreas tropicais (os amarantos que encontramos silvestres por aí são, dizem,  todos originários das regiões tropicais do continente americano), mas hoje está espalhado pelo mundo todo. 

Se você não conhece bem um amaranto, olhe no google imagens e verá que dificilmente vai confundir a planta com outra que não seja comestível.  Todos os amarantos são comestíveis, alguns mais ou menos gostosos. O inconveniente é que alguns têm espinhos e são chatos no manuseio - no entanto, estes também são comestíveis. E também deve-se ficar atento às áreas onde crescem. Se estão em terras adubadas com fertilizantes químicos, podem acumular nitratos nas raízes e folhas e nitratos podem causar danos à saúde, provocar câncer etc, a depender da quantidade.  Fora isto, se animais se alimentam de grande quantidade de Amaranthus spinosus (aquele com espinhos), numa dieta prolongada e restritiva, eles  podem morrer por nefrotoxicidade. Mas isto nunca foi observado em seres humanos. Então, em dosagens normais, com bom senso,  tudo bem. 

Uma boa recomendação é sempre branquear a verdura em água fervente e jogar o líquido fora. Perde-se um pouco de nutriente, mas pelo menos terá uma verdura mais segura, especialmente quando não se tem informações sobre o solo – e também é recomendável no caso de a verdura ter sido colhida em local público.

As folhas de todas as espécies de caruru podem ser consumidas como verduras e são ricas em nutrientes, porém, do ponto de vista nutricional, o maior destaque é para as sementes, ricas em proteínas com alto teor de aminoácidos essenciais geralmente faltantes nos cereais – lisina, metionina e cisteína.  Por isto as pequenas sementes de amaranto podem virar farinha e incrementar produtos amiláceos à base de trigo e outras farinhas mais pobres.

O problema das várias espécies de  caruru  é que são plantas rústicas, prolíferas, que se hibridizam facilmente e que se tornam resistentes a herbicidas. Comer mais seria uma boa solução.  Outra coisa é que estas muitas espécies que crescem sem ser semeadas, injustamente são eclipsadas pelo amaranto sagrado dos aztecas (Amaranthus caudatus), do qual se comem as sementes. No Brasil, o grão ou é importado do México ou vem de pequenas plantações que já surgem por aqui. As folhas dele também são comestíveis. 

Fora isto, as folhas são gostosas e podem fazer tudo o que o espinafre faz, por exemplo.  Refogados, sopas, fritadas, recheios. Na África, na Ásia ou na Amazônia estas ervas estão presentes em vários pratos mas também crescem silvestres e nem sempre são valorizadas como verduras dignas de estarem nas boas mesas.  No livro recém-lançado pela editora Bei, “Dona Brazi - Cozinha tradicional amazônica”, com texto de Maria da Paz Trefaut,  a cozinheira dá uma receita de farofa de caruru em que a verdura é cozida, escorrida, picada e juntada a um refogado de alho e cebola ao qual se junta farinha de mandioca.  Deve ser boa. Ainda não fiz, mas hei de.

O que fiz foi um caril seco indiano de caruru, Kuppacheera thoran, mas que juntei também folhas de moringa. Amanhã dou minha receita.


Kuppacheera thoran ou caril seco de caruru

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Um pouco do tempero de coco separado e umas sementinhas
do caruru tostadas na manteiga sobre o arroz e nhac! 
Continuando a postagem de ontem, dou aqui uma receita indiana, típica de Kerala,  feita com o caruru (Amaranhus sp) que encontramos fartamente em todo o país. Se não quer saindo colhendo caruru  por aí, há algumas feiras onde pode ser encontrado. No Ceagesp, já vi, assim como na feira de orgânicos da Água Branca. Na Bahia não é difícil de encontrar nas feiras com o nome de bredo. Em Goiânia o encontrei em feira de produtores orgânicos. 

As folhas jovens são melhores para se comer e contém menos oxalatos - presentes também em outras folhas como espinafres, por exemplo, diminuem a absorção de nutrientes como cálcio e zinco e podem estimular a formação de cálculos. Mas toda a planta pode ser consumida, especialmente se as folhas forem cozidas antes em água fervente que deve ser escorrida. E de qualquer forma, o teor de oxalatos é menor que nas folhas de espinafre que todo mundo come. 

Na Índia e na África estas folhas são apreciadas e entram em muitos pratos vegetarianos ou com carne de porco - na África do Sul, esta erva, assim como outras que também crescem silvestres por aqui, como a beldroega e serralha são chamadas de morog e podem entrar num cozido de carne de porco chamado Bredie, que pretendo fazer em breve. 

Por enquanto, fique com o thoran indiano (cheera, em hindu, quer dizer espinafre - como há vários tipos incluindo os lindos vermelhos e de espécies distintas, o caruru é chamado de kuppacheera, seja lá o que queira dizer kuppa). A receita original que segui mais ou menos está aqui.  Este tipo de caril seco pode ser feito com várias folhas e legumes diferentes, como repolho, folhas de moringa/ drumstick (Moringa oleifera), cenoura, jaca-verde, feijões verdes etc, sempre bem temperado com especiarias que também podem variar. Como eu não tinha caruru suficiente, usei também folhas de moringa (receitas com esta folha aqui e ali). Mas você pode fazer usando só caruru, claro. Ou uma mistura de outras verduras. 

Caril seco de caruru

Ingredientes: óleo de coco, pimentas, cebola, alho, sal,  folhas
de caruru e de moringa, folhas de curry, cúrcuma, cominho, mostarda, coco

Cozinhei as folhas com galhos em água fervente levemente salgada por três minutos - até que ficassem macias.

Escorri, esperei esfriar um pouco e tirei os galhos. Piquei e medi - duas xícaras. Reservei. 
Ralei o coco sem pele e medi meia xícara. Num pilão, soquei as duas pimentas com 1 dente de alho, 1 pitada de sal e meia colher (chá) de cúrcuma, juntei ao coco e soquei mais, misturando.  Reservei. 

Aqueci numa frigideira 1 colher (sopa) de óleo de coco. Juntei, nesta ordem:  1/4 de colher (chá) de mostarda, 1/4 de colher (chá) de grãos de cominho e um galhinho de folhas de curry (aliás, se quiser comprar a mudinha, aqui tem). Quando os grãos começaram a pipocar, juntei uma cebola pequena picada. 

Quando a cebola começou a querer dourar, juntei as folhas picadas e o tempero de coco. Mexi bem e deixei ficar bem quente. Conferi o sal, retoquei, enfeitei com uma pimenta, servi com arroz branco e nhac! 


Pepino amarelo, maduro, tarator

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Pepino não envelhece, amadurece. Tenho agora me deparado com legumes em fases de amadurecimento não convencionais. Sim, todas as fases são convencionais, o que não é é consumi-los nestes estágios.  

Abobrinhas, pepinos, maxixes, tomates e jilós, por exemplo, só chegam às feiras imaturos, estágio que se convencionou a aceitar como o melhor ponto deles. Comercialmente falando, colher ainda verde é um bom negócio - é como abater galinhas com menos tempo de vida. Dia a mais no campo ou na granja custa dinheiro, só isto. Nutricionalmente, legumes maduros podem diferenciar dos verdes no teor de alguns minerais, vitaminas e carboidratos, alguns são mais ou menos adocicados, amargos, crocantes, firmes, mas em todas as fases são saudáveis e gostosos desde que se use a técnica apropriada. 


Se, a depender do comércio, só consumimos estes legumes verdes, o mesmo não acontece com quem os produz para consumo próprio ou que tenha uma produção pequena, quando os mesmos são aproveitados em todas as fases. Há alguns dias uma amiga que vive no interior da França me contou que onde mora as abobrinhas italianas são preparadas verdes de um jeito e maduras, de outro, mas nada se perde. As maduras são cortadas ao meio e assadas com recheio. Ou, cozidas, elas próprias podem virar recheio de tortas e massas.  Tiram as sementes e consomem a polpa que fica macia, deixando a casca já quase tão dura como uma cabaça. Mais ou menos o que fiz intuitivamente outro dia sem o saber com uma abobrinha já quase totalmente madura. 

Agora é a vez dos pepinos maduros. Não dei conta de comê-los todos verdes os que colhi no sítio e agora eles amadurecem sem espera. Tive que ir atrás de opções de preparo e descobri um mundo de possibilidades incrível para eles na Ásia, no Oriente Médio, no mundo todo.  

Basta descascar e tirar as sementes e a polpa é consumida como qualquer outro parente como as abóboras maduras ou chuchus, também cucurbitáceas. E na China fazem com ele uma sopa com carne de porco em que os pedaços são cozidos com casca - vou fazer com os que sobraram. 


Por enquanto, se tiver pepinos maduros, aproveite para fazer este prato delicioso, refrescante, bom para um dia quente. O tarator é uma sopa gelada à base de iogurte feita com pepino, alho e ervas. Há muitas variações regionais na Grécia, Armênia, Hungria,Turquia etc. Esta versão é mais ou menos como se faz na Bulgária, que fiz com kefir. Aqui a receita:  


Tarator 

1 pepino maduro sem casca e sem sementes
2 xícaras de iogurte natural (usei kefir) 
1 xícara de água gelada
2 dentes de alho 
1/2 colher (chá) de sal 
3 colheres (sopa) de azeite de oliva
2 colheres (sopa) de ervas frescas picadas (use as que tenha por perto como manjericão e endro - usei hortelã, orégano e manjericão-anis) 
Pimenta-do-reino moída na hora, se quiser
Amêndoas em lascas douradas num pouco de manteiga - a gosto 


Rale grosso o pepino sem casca e reserve. Misture bem o kefir ou iogurte com a água gelada. À parte, soque em pilão o alho com o sal. Vá pingando o azeite devagar até formar uma emulsão. Junte esta emulsão de alho ao iogurte e misture bem. Coloque o pepino e misture. Se achar que a consistência da sopa pode ser mais fluida, junte mais água gelada. Acrescente metade das evas picadas e misture. Prove o sal e corrija, se necessário. Sirva bem gelada com pedras gelo. Divida em três pratos e espalhe por cima pimenta-do-reino, se quiser, as amêndoas tostadas e o restante das ervas picadas - se quiser, misture-as com um pouco de azeite (foi o que fiz).  E nhac! Serve três. 


Festa Gastronômica Nossa Pitada, em Goiânia: Boi curraleiro

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Já quase ia me esquecendo de contar uma coisa sobre o festival de gastronomia (Nossa Pitada) do qual participei recentemente em Goiânia. Uma das estrelas foi o boi curraleiro. 

Fora do espaço onde aconteciam as aulas, uma grande churrasqueira foi montada. O cheiro de carne tostada e carvão acesso incitava a fome e aqueles desejos mais primitivos de comer proteína animal.  Ando cada vez menos comendo carne, mas não resisti àquela que chegou para degustação com mandioca e farinha.

A palestra dada pelos chefs Marcus Costa e Ângelo Carlos não foi simplesmente para demonstrar o ingrediente, afinal eles foram atrás da história e de boas referências com quem realmente entende.  Para isto contaram com o apoio da professora Clorinda Fioravante, da Universidade Federal de Goiás, que também falou durante a palestra.  E foram até o local onde o boi é criado, conversaram com os fazendeiros,  com os pequenos criadores e conheceram o projeto da professora que pretende ampliar a criação junto aos Kalunga, comunidade quilombola cravada na Chapada dos Veadeiros. Ou seja, trouxeram o boi inteiro para aula. Literalmente, inclusive, já que a cabeça do bicho ficou ali exposta na mesa espreitando o que se falava sobre ele.  Meio assustador e chocante, mas para comedores de carne isto é importante – saber que um bicho foi morto e que carne não nasce embalada em bandejas de isopor, saber que devemos reverenciar cada pedaço de carne comida, evitar desperdícios, comer todas as partes e se lembrar que elas foram guiadas por um par de olhos.  Quem sabe assim não comamos menos carne e mais vegetais.  

Assaram várias partes e todas ficaram macias. Mérito dos chefs e do boi
Acontece que a terra dos kalunga não é muito boa para cultivo, por isto são mestres na criação de gado.  Até a década de 60 o que predominava ali era o boi curraleiro, substituído mais tarde por raças ditas mais nobres ou produtivas como o Gir e Nelore.  Hoje não restam muitas cabeças deste gado rústico. Não se sabe ao certo, mas num levantamento recente contava-se cerca de 5 mil em todo o país.  No Piauí ainda tem importância, mas praticamente desapareceu do restante do país.

No entanto, se tudo der certo, os kalunga vão voltar a criar o curraleiro, graças ao projeto comandado pela professora Clorinda que tem reintroduzido a raça entre eles pouco a pouco com o apoio de fazendeiros locais - eles doam gado para o projeto.  Tudo para que a raça não desapareça e os kalunga possam manter a tradição.

Trazido ao Brasil pelos colonizadores, o boi curraleiro, também chamado de pé-duro, é bastante rústico, menor, dá menos leite, mas a qualidade da carne é muito boa, marmorizada e macia, e, segundo quem conhece, o leite tem um sabor incrivelmente bom, diferente daquele dos gados leiteiros.  É o gado ideal para pequenas criações pois é dócil, gentil no trato, fácil de ser acostumado no curral e se alimenta da vegetação nativa como  capim, babaçu etc – que também contribui para a boa qualidade de carne.

É free-boi? Não, é curraleiro!

Veja o vídeo feito pelos chefs e apresentado durante a aula. 

Cogumelos, urtigas e caças em Dordonha

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Fotos: Fernando Goldenstein


Há certas viagens que, por falta de tempo e/ou de dinheiro, a gente nem precisa fazer. Os amigos fazem pela gente. Mas que eu queria estar lá, queria. Um dia hei-de.

Como o amigo Fernando Goldenstein leva sempre consigo o espírito Come-se, divido aqui com os leitores as mensagens que ele foi me mandando de Dordogne onde seu companheiro Gilles Belot, ele francês, comprou uma casa de campo.

Seu relato de viagem não interessa a quem vai para os lugares pensando apenas em provar o menu degustação dos restaurantes. Fernando foi me contando sobre o cotidiano de uma região que ainda conserva hábitos rurais de coleta, de caça e de boa vizinhança. Falou da cozinha doméstica que segue ali feita à base de ingredientes frescos encontrados nas redondezas, que segue ao largo de influências de chefs e da indústria. E eu gosto desta cozinha, seja aqui, na caatinga, no Senegal, em qualquer parte do mundo. Fotos do Fernando e, quando aparece o Fernando, do Gilles, provavelmente.





Ele fala diretamente da propriedade de Gilles, que tem 5 hectares ao redor da casa de pedras de 200 metros que começou a ser construída no século 17. Fica na cidade de Villefrance-du-Périgord, entre dos rios Dordogne e Lot, em Dordogne - ou Dordonha, em português. A casa esteve abandonada por vinte anos e o que encontraram lá foi um baú de cinzas que servia de geladeira, sem nada dentro, e na cave um tonel de carvalho com vinho ou eu-de-vie esquecido – ganhei um pouco da preciosidade que me fez lembrar de um delicioso vinagre de jerez. Fazem parte da casa ainda um grande forno que em algum momento da história foi de uso comunitário e três celeiros usados antigamente para secar tabaco – cultura que teve muita importância na região, já há muito tempo abandonada.

Além das castanhas, do foie-gras, das frutas, o forte ali é a temporada de cogumelos e de caça. Fernando e Gilles coletavam cogumelos no quintal e ainda ganhavam carne de animais abatidos. A caça é regulamentada, feita apenas em grupos (nada daquela visão romântica, com cavalos e cachorros - os cachorros continuam, mas cavalos foram substituídos por carros) e há uma espécie de associação. Como permitiam caçadores na propriedade, uma porcentagem, por direito, era deles. Fernando conta que havia até uma planilha com a parte que lhes cabia, além da parte do prefeito, do fulando, do sicrano. Não tem enganação, cada um tem sua fração.

Seguem, então, fragmentos das mensagens do Fernando, com descrição sobre ingredientes, formas de consegui-los, prepará-los, a comida à mesa etc, que nos leva um pouco a viajar e comer com eles: 


Dordonha
Por Fernando Goldenstein 



Neidoca,
A Dordonha é o bicho!
Praticamente não compramos coisas. Quer dizer, vegetais, apenas alho e cebola. O resto veio dos pastos e da vizinha. Ela é incrível, uma sumidade de receitas antigas, sem frescura: patos, toupeiras, todo tipo de aves, javali e porquinhos em geral e os diferentes tipos de veados. Hoje a noite vai acontecer o corte e partilha dos animais que foram caçados. Parece que vamos receber uns pedaços pois alguns foram caçados no sitio. O vizinho vai nos "defender" bem como dar uns pedaços dos animais que ele caçou. Na sala de jantar dele tem uma cabeça de um veado de 175 kg, que ele matou.

......



Limpamos e (re)inauguramos o forno a pão, com uma canette (deve ser ganso, tenho que ver no dicionário depois) ao creme, herbes du provence - único tempero que tenho em mãos, fora a hortelã selvagem que cresce partout - e prunes (pêssego ou nectarina, sei la, tem tanto tipo e quantidade destas, bem como de maçãs, pêras, etc que é desesperador)
....
As cepes ainda não chegaram. Segundo Ioio, a vizinha, precisa de 9 dias de sol depois de muita chuva. Estamos no terceiro. Eles precisam de um "parfum", une melange des parfums, entre les pins et les chateniers... Já sei exatamente onde vão nascer.
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Estávamos tomando café da manhã quando chegou um senhor para conversar. Era o vizinho, que queria nos mostrar os limites da propriedade (demarcados basicamente por arvores, a maioria castanheiras, base do marrom glace e mil e uma coisas por aqui, por ex. macarrão. Vou te levar essa farinha e contar histórias da guerra. No caminho, comecei minha aventura pelo incrível reino fungi (os primos pobres, enquanto as tais Cepes não vem). Alguns, ele reconhecia, outros ele dizia: "Il faut que vouz montrez au farmacian...." Ou seja, lá vou eu com meu saquinho de cogumelos à farmácia. Tudo isso ao som de cachorros histéricos e tiros de caçadores.
.....

Agora estou me ligando que a chataigne é o pinhão do sul da frança... Temos farinha, pão, macarrão de pinhão lá no sul do Brasil?
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A vizinha chegou, trouxe uns cogus gigantes de presente e falou que não preciso passar na farmácia coisa nenhuma. São todos comestíveis.

Minha missão agora é encontrar urtiga e cogumelos (cepes, que, ao que tudo indica, devem começar a brotar amanhã) para uma pizza com receita interessante... Pizza de urtiga!
....



Então, tem dois tipos, a chataigne é o que nós humanos comemos, e fazemos inclusive o tal marrom glacê. Já o marronnier, o primo pobre, apenas para os porcos.



Os cogumelos, já comi cinco tipos. Parece que são todos comestíveis. Alguns apenas menos interessantes...
...
Em busca do tesouro

Gilles esvaziando o baú de cinzas, que fica no sótão e fazia o papel da geladeira, onde o antigo morador (Fernand Jambon) guardava duas delicias.

Não encontramos nada ;(



Foies de sanglier com cebola e vinagre esquecido pelo menos 15 anos em um tonel de carvalho. Indescritível. Com milho no alho, azeite, manteiga e salvia catada no caminho.
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Então...
Está dentro do tonel, o Gilles falou que é de "eau de vie", ou seja, um álcool de alguma fruta. Vou levar para você um tanto do vinagre. Quando joguei no fim da fritura das cebolas e figado (que alias foi por último, quase que um sashimi de sanglier, você viu?) subiu um aroma antológico de madeira com lembranças de lugares longínquos e acontecimentos que se perderam no tempo.



Pais do Gilles
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Espere a pizza de urtiga!! Está chegando... Sábado! 


Mando foto da urtiga e hortelã (menta?) "selvagem".

Acabei de fazer um pão de noisettes, aveia, farinha de chateigne et blé intégral... Está crescendo na porta do forno enquanto experimento um omelete no restaurante do albergue ao lado, e já vou voltar para colocá-lo para assar...
.....

Precisamos urgente de você (e do marcos para correr e beber vinho com o Gilles) aqui!
.....





A vizinha está sempre a nos convidar e presentear com cogumelos, frutas, verduras e doces. Eximia cozinheira, dali da pra sair um compendio de receitas da França profunda. Este doce, além de lindo, é uma delicia. perguntei a receita e ela se pôs gesticular como preparar a massa, massageando, abrindo por baixo, deitando nas varias camadas maçã, açúcar e rum. Tudo isso acompanhado de um bom vinho doce branco de sobremesa, que não faz muito meu tipo mas lá, era a única coisa que cabia. Que prazer...
...



Acordei, abri a janela e encontrei meu almoço.
...



Agora que eu comprei um guia de cogumelos ninguém me segura!

Se bem que tem uns que acabo levando sempre na farmácia, como por exemplo estes fofos que estão no livro, mas se parecem com dois. Ou seja, ou são uma delícia (bon comestible) ou são tóxicos.

A classificação do livro assusta:
Bon comestible;
Comestible (com as possiveis qualidades: sans intérêt, inintéressant, non recommandé, jeune, médiocre,
Comestibilité inconnue, bien cuit, etc);
Non comestible;
Hallucinogène;
Suspect;
Toxique;
Venéneux;

Mortel.
...



Ontem o forno abriu para as primeiras pizzas e calzones.









Seguimos por cima a receita de calzone de urtiga com hortelã que a Eglantine, irmã do Gilles, trouxe. Quando lemos as quantidades descritas logo vimos que tínhamos muito menos ricota e talvez muito mais urtiga e hortelã. Ela me lançou um olhar de cumplicidade e logo vi que é das minhas: receitas são feitas para nos guiar e inspirar, não devendo necessariamente ser levadas à risca. Esta opinião não é compartilhada por seu irmão, que sempre que possível mede tudo na balança.

A receita fala de pesto de urtiga... Lembrei do povo do aikido, principalmente do bravo Henrique.

Fui colher as fofinhas, com uma luva bem grossa. Logo percebi que a luva tinha alguns furos, e que se tratavam de urtigas de verdade. Começou a emoção. Primeira vez que colhi um vegetal com intenção de devorá-lo e ele literalmente se defendeu. Pica, morde, queima.

É interessante que em todo lugar as duas plantas estejam sempre juntas. Já tinha notado isso, e quando chegou a receita que leva as duas achei uma maravilhosa coincidência cósmica. Comentei com o marido da Eglantine, que trabalha com agricultura (uva, vinho) e ele falou que é muito comum e significa que a terra é pobre e ácida. Lá se foram minhas teorias divinas sobre o casamento das duas ervas.

Os brotinho não queimam, parece... E com eles dá pra fazer o tal pesto. Achei a cara do come-se!

Quando queima, é instantâneo e ardeeee!

Quinta estou em sampa!

Foi a maior engenharia lavar, secar e cortar. Utilizei uma tesoura, uma colher de pau, ajuda das crianças, enfim, uma diversão.

Fizemos pizzas de diversos tipos de queijo, alcachofra, salames (de cateto, javali), com aqueles tomates surreais, Cepes, que agora nos damos ao luxo de escolher apenas os mais bonitos (paramos de disputar aos tapas com as lesmas) e o tal calzone de urtiga. O mais divertido foi decidir quem seria a cobaia... Afinal, era uma possível bomba venenosa envelopada numa massa naïf de trigo! advinha quem deu a primeira nhacada né? Só faltou você aqui. Teremos que fazer para o Sensei comedor de pizza. É de cair pra trás. Viva a urtiga!
...


Olhe essas criaturas da floresta se não da vontade de morder.



Foto do mercado de Cepes

Por último, ontem começou a feira de Cepes em Villefranche du Perigord (cidade onde está o sitio). Vamos hoje as 18:30. Vou só pra ver, não precisamos comprar nada, pegamos tudo no domaine. Fora é complicado: quem vai roubar cogumelo na fazenda dos outros corre risco de ter o pneu furado e em casos mais graves tomar tiro de sal grosso. Hoje de manhã estava o vizinho na maior cara de pau passeando no pasto. Fui dizer bom dia e delicadamente cobrar um pedágio. Logo logo vou chegar ao meu limite fúngico.



O vizinho caçador tinha me prometido para hoje mais daquele fígado delicioso que trouxe na semana passada. A caçada do fim de semana foi boa: mataram 3 catetos, 1 veado e 2 javalis. Ele chegou com um saco plástico meio cabisbaixo pois já tinham distribuído o fígado, mas para compensar me trouxe coração e filé de javali. Quando abri o saco para ver quase morri de vergonha pois meus caninos cresceram meio centímetro.

Grelhei o filé sem nadica de nada, e o coração temperei com alho vinho e alecrim que peguei no pé desse castelo:
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Fui numa fazenda de produção de leite aqui do lado e dei graças a deus de não tomar leite.
O queijo pelo menos já foi devorado por tantos bichos do bem que a guerra está parcialmente ganha quando comemos. Alias lendo seus últimos posts tenho pensado em virar levedopirata... Levar umas cascas de queijo pra você. Comprei um que passa do limite do bom senso, fede demais meu deus!

Alho do reino de Piracaia

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Você não pode imaginar a emoção que foi colher este alho. Não, não colhi. Cheguei e já estava colhido. Carlos e Silvana, os caseiros, já tinham feito o trabalho e vieram me mostrar o resultado.  Apesar de termos plantado tardiamente, não termos corrigido o ph da terra, as cabecinhas com dentes miúdos não decepcionaram. Era pra ter tirado o broto, assim as cabeças crescem mais - recomendei, mas não sei se tiraram, esqueci de perguntar. Não importa agora, a trança ficou linda. Eles me dizem que no próximo ano temos que plantar na sexta-feira santa. Replico que não vai dar porque será feriado e eles não vão trabalhar. A gente vem só pra plantar o alho, respondem.  Isto não deve ser pecado. 

Um lindo enfeite
A semente deste alho-do-reino é antiga, vem passando de mão em mão pela família da Silvana. Estes, vieram da irmã dela.  Já Ignês, irmã do Carlos, contou que a mãe cultivava mas tinha perdido a semente. Disse que para feijão não tem melhor. A comida fica cheirosa, o feijão, bem temperado, daquele de cutucar vizinho longe. Já usei na couve e no feijão e pude confirmar como é perfumado, como é diferente do alho grandão argentino ou chinês que a gente compra, quase sem perfume. 

Antes da colheita, já tinha usado o alho imaturo, inteiro, com pele e tudo.
 Uma delicadeza! (o demônio diria: já bastaio, inda cascaio)
Claro, não é tão fácil descascar os dentes do tamanho da unha do dedinho, mas eu já peguei a manha. Coloco alguns dentes dentro da água e esfrego com as mãos. Um ou outro fica com a película aderida. Os demais, assanhados, livram-se logo da roupagem. Aí basta colocar no pilão com um pouco de sal ou amassar só levemente, picar displicentemente ou ainda deixá-los inteiros - neste caso, ficam menos perfumados mas mais adocicados. 

Dentro do alho há uma substância, alicina,  e uma enzima em compartimentos separados. Só quando se encontram - por esmagamento, mais e por corte, menos,  é que produzem aquele sabor e perfume pungentes que conhecemos. Se cozinhamos os dentes inteiros, a enzima é inativada e do encontro não surge nada de diferente. Por isto alho cozido inteiro pode estar aos montes na comida sem estragá-la. Já os dentes esmagados devem ser usados com moderação. E ao esmagar os dentes para fazer temperos prontos também perdemos parte dos compostos voláteis e medicinais. O ideal é esmagar ou picar na hora de usar. Existe o ideal e o possível e a gente deve ter bom senso nas escolhas sem culpas (já me absolvendo caso resolva descascar algum e conservar no azeite ou deixar preparado algum tempero pronto para uma hora de aperto ... - que, por sua vez, será melhor que um caldo em cubos).

Carlos deixou pra trançar a réstia na minha frente para eu ver. Não é difícil, afinal o alho é colhido quando tem sua folhagem já seca e que termina de secar à sombra antes de ter a palha trançada. É como trança de raiz feita na cabeça da gente.  Uma volta da trança e mais uma cabeça de alho com sua palhagem se junta.  Mas fazer uma réstia bonita e equilibrada exige talento que ainda não tenho - a minha ficou toda retorcida.

Agora é só ir comendo, mas não tudo - uma parte será plantada na sexta-feira santa. Desta vez, duas leiras.

Carlos corta o resto de raiz seca pra ficar com boa aparência



 

Silvana admira a boniteza da réstia trançada pelo marido

O que é, o que é?

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Hoje não deu pra postar nada, mas ao menos a lição de casa vou deixar. O que é, o que é? Diga aí tudo o que sabe sobre a espécie em questão e na segunda a gente se fala. 
Bom fim de semana! 

Ingá-colar, comida de pelúcia de calorias negativas

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Quem não acertou a charada não foi por ignorância mas pela ardilosidade da foto produzida com o intuito de confundir mesmo. Se não, qual a graça?

Este ingá chegou às minhas mãos não sei como. Acho que Humberto deu pra Mara, que deu pra Neka, que me deu. Ou tudo ao contrário. Só sei que foi uma das coisas que vieram de Goiânia na mala, do Festival Nossa Pitada.  

Acho horrível o deslumbramento mas sofro deste mal quando se refere a estas formas perfeitas forjadas pela natureza. Passo dias apreciando a escultura sem vontade de destruir. A vagem comprimida sobre cada semente vira um colar de balas embaladas em verde. Chupei uns dois chumacinhos e coloquei o resto na terra. Claro, deveria ter aberto a vagem e enterrado as sementes dignamente, mas, para continuar apreciando, apenas deitei a vagem inteira sobre a terra úmida, para deleite das lesmas que logo a devoraram. Mas também, acho que não vingariam, o fruto não estava tão maduro. 

A moda agora é comer algodão umedecido em sucos lights ou água para encher a barriga e emagrecer (coisa de gente doente, que fique claro). Por que, em vez disso, não chupam ingá, o verdadeiro algodão embebido em líquido doce? No Panamá há um nome para os ingás que carrega consigo a melhor definição possível para esta comida de pelúcia: guabito cansa-boca. É o tipo de alimento com calorias negativas, se assim pudesse ser chamado, pois você gasta mais energia no ato comer que aquela que porventura consiga extrair de sua polpa tão exígua. Você passa horas com a boca ocupada em tentar extrair alimento da penugem úmida que recobre as sementes. Mas é uma boa ocupação para a boca, ninguém pode negar, muito mais prazeroso que comer chumaço de algodão.  Escreva aí, o ingá pode ser o próximo fofo a cair nas graças das celebridades fitness que vê o alimento como números (se bem que não há grandes produtores de ingá para financiar este marketing ...). 

No sítio, por enquanto, só este ingazinho 
Bem, há ingás mais carnudos, como o ingá de metro, que já foi protagonista de outra charada, mas não aparecem facilmente por aqui.  São algodões doces mastigáveis, comida de verdade. Plantei alguns pés no sítio e não vejo a hora de saber se terão o mesmo sabor e textura daqueles amazônicos.  Já apareceu aqui na charada também o outro ingá, o branco, comum, de pouca polpa, comida de brincadeira.  

No mesmo espírito fruto pouca poupa está o ingá-colar (Inga marginata) da foto, comum no Cerrado e que gosta de frequentar matas fluviais. Pode ser encontrado do Amapá ao Rio Grande do Sul,  mas ocorre também em outros países da América Central e do Sul, em faixas diferentes de altitude e clima.  Além da polpa comestível das vagens - é docinho, com sabor pouco marcante -, a árvore produz flores lindas, grandes produtoras de néctar e pólen, prato cheio para abelhas. 

Se for ao Centro-Oeste nesta época, não deixe de provar e manter a boca ocupada. A todos os que acertaram a charada, parabéns! E a todos que comentaram, obrigada pela participação! 


No Restaurante Jiquitaia com Ana Rita Suassuna

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Tradição jovem de três ou quatro anos, quando Ana Rita Suassuna - autora de um dos meus livros preferidos, Gastronomia Sertaneja - vem para São Paulo a gente combina junto com Mara Salles de se encontrar para atualizar as conversas e matar a saudade. E o tempo corre rápido. Ana tem sempre muita história para contar e a gente, ganas de ouvir. 


Janice e Ana
Mais Mara e eu
O isqueiro 
 Desta vez, uma amiga comum, a jornalista Janice Kiss, se juntou a nós no restaurante Jiquitaia. Ana nos trouxe uma porção do seu "bolo de noiva" de aniversário de oitenta anos,  delicioso, perfumado, úmido e denso como um bolo inglês, já que não estivemos em sua festa. E, para tornar a mesa ainda mais barulhenta e animada, tirou da bolsa, não para agitar mas só para mostrar,  apitos imitando pássaros, chamados de remedos, usados pelos caçadores antigos. Quem resiste a ouvir o canto dos pássaros? E ainda um isqueiro sertanejo e primitivo. Todas quiseram tentar fazer faísca por atrito de uma chapinha de metal numa pequena pedra de fogo, mas só a Mara conseguiu. Se dependesse do trabalho que dá fazer o algodão do isqueiro pegar fogo para poder fumar, seu uso obrigatório seria um bom incentivo para deixar o cigarro. Talvez venha desta dificuldade o fato de o povo do sertão pouco fumar. Mas a gente se aquietou um pouco para comer. 

Arroz de suã
Linguiça feita ali
Moqueca

A pimenta indígena que dá nome ao restaurante. Sobre a mesa
Queijo com goiabada
Brigadeiro
Agora, quero falar do restaurante Jiquitaia. Não poderíamos ter feito melhor escolha na região da Paulista (fica a duas quadras do Conjunto Nacional). O Tordesilhas, que seria um forte concorrente, não abre no almoço. E se a própria chef Mara que o comanda estava ali e foi quem indicou, podemos encará-lo como concorrente à altura, que corre junto, par a par. Nunca tinha ido, uma vergonha. E não sei como deixei passar tanto tempo sem conhecer. O restaurante é pequeno, elegante,  tocado por dois irmãos, Marcelo e Carolina, com cardápio enxuto, atendimento gentil e eficiente. Tem menu executivo a preço convidativo e pratos deliciosos feitos e montados com zelo. É o meu sonho de restaurante. Do que mais a gente precisa pra comer bem e sair de um restaurante feliz? Eu não sou de ficar falando dos restaurantes por onde passo, mesmo porque não tenho talento para a crítica e são raros os que me empolgam, mas este  está para mim no mesmo compartimento de entusiasmo que o Kidoairaku, o Mocotó, o Maripili e o Tordesilhas. Se não conhece ainda, vá lá e me conte (Rua Antonio Carlos, 268. Telefone: (11) 3262-2366)



E do bolo tradicional da elite pernambucana, que ainda não fiz, já deixo a receita aqui, pois pode ser uma ótima opção como bolo de natal. A Janice passou a limpo a receita escrita à mão pela própria Rita no restaurante. Aqui vai:

Bolo de Noiva (ensinado por Ana Rita Suassuna)

Cinco dias antes, coloque mais ou menos 300 g de passas sem caroço de molho, em vinho moscatel.

Com antecedência, faça um doce com 400 g de ameixa seca sem caroço com pouco açúcar e um pouco d´água para ficar cremoso.

Algumas horas antes de bater a massa do bolo, coloque mais ou menos 200 g de frutas cristalizadas (laranja e abacaxi) no mesmo vinho moscatel das passas.

Ingredientes
250 g de manteiga
250 g de açúcar
5 ovos
250 g de farinha de trigo
100 g de chocolate em pó
1 colher (sopa) rasa de fermento em pó
Doce de ameixa feito com 400 g de ameixa seca sem caroço, um pouco de açúcar e água, até ficar cremoso ou com a ameixa despedaçada.
300 g de uvas passas e 200 g de frutas cristalizadas hidratadas em moscatel (junto com 1 xícara do vinho que usou para hidratar - complete, se for preciso)

Modo de fazer: na batedeira, bata a manteiga e o açúcar até formar um creme lisinho. Junte os ovos aos poucos, sempre batendo. Adicione a farinha, o chocolate e o fermento e incorpore bem à massa. Devagar, despeje lentamente o doce de ameixa para que a massa o envolva. Acrescente as passas, as frutas cristalizadas e 1 xícara do vinho que pode ser completado caso as frutas o tenham absorvido por completo. Coloque de forma mais superficial possível para que as frutas não afundem na massa. Unte uma forma redonda com manteiga e forre-a com papel manteiga (fundo e bordas). Em seguida, unte o papel manteiga com manteiga e polvilhe com farinha. Despeje a massa na forma preparada. Leve para assar em forno muito baixo e coloque na mesma hora um recipiente com água para manter a hidratação interna. Renove a água enquanto o bolo estiver assando. Pode demorar várias horas. Deve estar firme no final.

Observações da Ana: "Pecado, pecado!!! As passas e as frutas cristalizadas vão com o vinho para incorporar à massa. Se a hidratação tiver absorvido todo o vinho e não tiver ficado nada de líquido, faz-se necessário acrescentar mais uma xícara do vinho, sacolejar as passas e frutas e depois acrescentar tudo à massa.
Esse é um bolo do tipo que nós chamamos "pesado". Em nada altera a consistência dele o abrir e fechar o forno para ir renovando a água que fica hidratando o forno. O formato da forma é quem define o tempo de forno. Em forma grande redonda leva no mínimo de cinco a seis horas de forno. Em forma retangular, com a massa mais espalhada, leva metade desse tempo. Mas, ele sempre é feito em forma redonda. O dos oitentinhas foi para 120 pessoas, em forma redonda, alta, levou quase nove horas de forno."

Lambari com tapioca

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 A inspiração, claro, foi a ginga com tapioca, da praia da Redinha, no Rio Grande do Norte, onde nunca estive - mas desconfio. 

Gingas são sardinhas jovens que também podem ser substituídas por manjubinhas, como acontece entre os potiguares. O prato surgiu como forma de aproveitar os peixes miúdos que vinham agarrados à rede dos pescadores. Os peixes são fritos no dendê e colocados no meio de um beiju de tapioca em cuja massa vai coco ralado.  Tapioca com peixe frito ou assado vira um almoço fácil. É só juntar uma salada e pronto. 

Comprei em Piracaia uns lambaris congelados. Temperei com sal e pimenta malagueta triturada com alho, passei na farinha de mandioca e fritei no azeite de dendê. Ficaram crocantes, para serem comidos com espinho, cabeça e rabo. Deliciosos. 




A tapioca, fiz do jeito que ninguém erra: é só cobrir com água um tanto de polvilho doce - quanta água quiser, desde que passe em cerca de 3 dedos a superfície. É só deixar a tigela quieta por umas 8 horas para hidratar bem (não testei ainda deixar menos e testar para determinar o tempo mínimo necessário - se fizer, me conte). Faço quando estou com pressa, juntando somente a água necessária para umedecer, mas não fica igual. Já dei receita aqui no Come-se mais de uma vez. Bem, continuando.. Jogue fora a água limpa que fica na superfície e coloque sobre o polvilho molhado um pano de prato seco. Deixe o pano ficar úmido e a superfície, bem enxuta. Tem quem coloque farinha para absorver o excesso de água. Eu costumo deixar o pano durante pelo menos uma hora. Aí, basta retirar pelotas de polvilho úmido e esfregar sobre uma peneira polvilhando um pouco de sal. Se quiser, peneire tudo, cubra para não desidratar e vá fazendo as tapioca às colheradas. 


Prefiro pegar uma pelota, esmigalhar um pouco, juntar um pouco de sal e ir pressionando-a com os dedos sobre a trama da peneira diretamente sobre uma frigideira fora do fogo. Vou rodando a peneira ao mesmo tempo que pressiono o polvilho molhado, para que recubra o fundo da frigideira por igual. Se a frigideira estiver quente, faça isto rapidamente, pois se demorar o polvilho úmido vai caindo e ressecando sem dar tempo de grudar para formar o beiju. Leve ao fogo, deixe cerca de 1 ou 2 minutos e vire. Deixe mais um minuto. Vá colocando as tapiocas prontas dentro de um prato coberto com outro prato para que não ressequem e se mantenham quentinhas. 

Só as duas coisas

Com salada e pimenta por fora


Com salada e pimenta por dentro
Agora é só colocar os peixinhos dentro, juntar uma salada, pimenta e nhac. E até o jantar, dá pra tapear (que o farei hoje no restaurante O Leão Vermelho

Quem quer grumixama?

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É tempo de grumixama ou comichã, aquela frutinha com sabor inigualável, misto de pitanga e jabuticaba. Há algumas árvores em São Paulo, mas não sei porque nossa prefeitura tem horror de gente na rua colhendo frutas. E moradores costumam achar que árvore baixa faz sujeira e pode virar abrigo de desabrigados. 

Há dois anos mostrei, nesta mesma época do ano, uma árvore na rua de baixo, onde colhi grumixamas com minha amiga Veronika e seu filhinho. A árvore não era tão alta, conseguíamos alcançar os galhos e arrancar frutinhas maduras que foram devoradas - antes que me perguntem, o licor com cachaça ficou horrível. 

Há poucos dias quis repetir o ato, mas que estavam ao meu alcance eram apenas frutas caídas de maduras, de bichadas e de comidas por pássaros. A prefeitura, através de seus jardineiros super bem treinados,  fizeram uma poda tão radical que não há cabo de vassoura em braço esticado que alcance o galho mais baixo. Deixe está.  Humilhada pela prefeitura, mas recurvada em gratidão à bondade da árvore ainda prolífera, me agachei e colhi frutinhas bichadas, pisadas, comidas. Estavam ali potenciais novas frutas para daqui a alguns anos. As sementes estão agora plantadas e prontas para acordarem a qualquer trovoada de chuva.  

Você também quer sua própria grumixama, já que não a encontramos no mercado? Pois que colha por aí. Veja, por exemplo, na Dr. Arnaldo, nos jardins da faculdade de medicina da USP.  Ou colha aqui perto  - Rua Tordesilhas, quase esquina com Rua Laurindo de Brito. Corra que ainda tem no chão. E quem sabe você não consegue escalar a árvore e ainda colher frutinhas boas de comer? 

Se está com pressa de comer a fruta que vai colher um dia do próprio pé, compre logo uma muda maior no viveiro Cipreste. Fale com o Edilson, diga que é leitor(a) do Come-se, chore por um desconto.  Ele manda por correio. 

Edilson Giacon 
Fone (19) 3451-5824 / 9144-7580 
Ciprest - Mudas de Plantas - Limeira- SP
www.ciprest.com.br/produtos.htm 
www.picasaweb.google.com.br/Edilson.Giacon


E sobre O Leão Vermelho, em São João da Boa Vista, falo amanhã. 

O Leão Vermelho e Águas da Prata

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Oliveiras em Águas da Prata
O jovem chef Gabriel Vidolin já tinha me convidado a conhecer seu Leão Vermelho logo que abriu a casa em São João da Boa Vista, sua cidade natal. Mas não é tão simples se deslocar a 250 km de São Paulo e assim fui adiando. Mas nesta semana Neka Mena Barreto me convidou para compor a mesa e não pude resistir. Ele só serve quatro pessoas por noite. O menor restaurante do mundo, se é que podemos chamá-lo assim, já que em nada a casa lembra um ponto comercial.  É uma casa com sala de jantar, canto de leitura, varanda para as estrelas, jardim de ervas. Embora Gabriel diga que é disléxico, tem dificuldade com números, seu menu degustação tem vinte e quatro passos. Já cheguei com medo. Tenho pavor de listas longas, fico contando, não acaba nunca, me canso. Mas justo neste dia Gabriel estava triste com gente de fora que não entendeu seu trabalho, queria porque queria jantar sem reserva, que fez intrigas, queria bate-boca no jornal etc. Como éramos de casa (conheço-o do Slow Food), Neka é sua amiga, Gabriel não cancelou o jantar, mas nos aproveitou de cobaia para suas experiências para o próximo cardápio e performance que refletia seu estado de espírito. Tudo muito poético, existencial, diferente de tudo o que você já deve ter visto.  O ritmo diversificado com que eram apresentados os itens (para comer, beber, sentir, cheirar), não me fez ficar contando os cursos, mas não foram os 24 itens. Eram gostosuras que brincavam com sensações nas texturas, nos perfumes e sabores. Nada de espumas nem esferas, embora Gabriel tenha trabalhado no El Bulli, Mugaritz etc. Depois, quando ele já se permitia falar com a gente - a mudez fazia parte da performance -, fomos todos para a cozinha e ele, falante e alegre,  fez um risoto de cogumelos com tilápia grelhada - uma comida entre amigos. Ele trabalha sozinho cozinhando e servindo e o ambiente é silencioso a não ser por um canto gregoriano que ecoava pela casa. A maioria dos móveis foi feito e/ou desenhado por ele, as ervas e flores são do seu jardim e quase todos os outros ingredientes são produzidos organicamente por gente que ele conhece da região. Ou vem do sítio da mãe - caso do leite, por exemplo. Sem dúvida foi uma experiência inesquecível mas não será a mesma coisa para um comensal pagante comum - Gabriel não aceitou pagamento neste dia.  Então não posso nem contar o que comi porque talvez entre no próximo cardápio. Ou talvez seja modificado para a próxima temporada. O que se mantém é a graça e inteligência com que cria e cozinha e o fato de ele não gostar que fotografemos. É para estar ali, se desconectar do outro mundo para entrar de cabeça naquele. E nós entramos. 

Por sua recomendação ficamos hospedadas numa pousada em Águas da Prata, muito perto de São João da Boa Vista, chamada Canto dos Xamãs, que fica dentro de uma enorme fazenda de gados, mangas e oliveiras (8 mil pés para um dia azeitonas virarem azeite) com duas cachoeiras maravilhosas a cerca de quinhentos metros. A região é linda, verde, montanhosa e com muita água - deu pra recarregar as energias, com o perdão do chavão. Vale o passeio combinado. 

Bem, reservas no O Leão Vermelho, só para o ano que vem. Veja o que saiu no Paladar, visite o site do restaurante, confira os vídeos do chef no you tube. 
www.oleaovermelho.com
www.youtube.com/gvidolin

Neka, Jéssica (da pousada) e Gabriel junto à oliveira
Patrícia, Sílvia, eu, Neka e Gabriel

O que é, o que é?

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Quem sabe, sabe, tem certeza, portanto, o índice de acerto vai ser enorme, já sei. Mas quem não sabe também pode arriscar. Quem sabe, né?
Resposta na segunda. Bom fim de semana! 

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