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Tupinambo. Coluna do Paladar, edição de 29 de maio de 2020

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Já ia me esquecendo de colar aqui a última coluna do Paladar, sobre Tupinambo, essa delícia. Está lá no site do Paladar, no jornal impresso de 29 de maio e agora aqui também.



É tempo de tupinambo!

Nesse outono podemos colher tempestades, dessas silenciosas e devastadoras que talvez tenhamos plantado um dia, mas não podemos esquecer de tirar da terra nossas raízes, bulbos e tubérculos que nos dão energia para seguir rumo à primavera com força para vencer.  É hora de colher cúrcumas, ararutas, mangaritos, tupinambos.
De uns tempos para cá, a cada ano, vejo aumentar gradativamente a colheita de tupinambo (Helianthus tuberosus), geralmente de plantios agroflorestais, e o consequente interesse. Ainda assim, essa batata é considerada uma Panc (plantas alimentícias não convencionais), porque dificilmente vamos encontrá-la nas feiras livres e supermercados.  Todo ano, ganho de alguém que plantou ou encontro em feiras de produtores.  E sempre, nessa época, também chegam perguntas sobre como usar, como plantar, como colher e o que fazer com essa batata deliciosa com sabor particular.
Parente do girassol e da alcachofra, a planta tem a aparência de um, com lindas flores amarelas, e o sabor do coração da outra, com aquele toque mineral adocicado presente também na bardana e nas folhas de guasca, todos da mesma família das Asteráceas. 
A minha provisão da temporada veio da Unidade de Pesquisa do Polo Regional do Leste Paulista em Monte Alegre do Sul, interior de São Paulo. É que o pesquisador e agrônomo Joaquim Adelino Azevedo está iniciando estudos com a espécie e me mandou um pouco para experimentar. Então, com pesquisas assim, quem sabe, em breve poderemos ter mais tupinambos sendo cultivados por pequenos produtores e talvez possamos encontrá-los mais facilmente nas feiras.
Por enquanto, é iguaria destinada aos obstinados em plantar e aos sortudos que se deparam circunstancialmente com ela, como foi o meu caso. A primeira vez que vi um tupinambo ao vivo foi em Paris, anos atrás, e me apaixonei de cara. Comprei sem saber direito como se preparava, mas logo que se corta e sente a consistência entre uma cenoura e uma batata não é difícil imaginar o preparo. Sopas pedaçudas ou em creme, purês, saladas, curries de vegetais e uma infinidade de pratos podem ser feitos com ele. Inclusive se come cru, embora todo o sabor de alcachofra apareça depois de cozido  - como é o caso da erva parente, guasca ou picão branco, Galinsoga parviflora, que já mereceu uma coluna aqui, e tem sabor muito próximo. 
Mas mesmo na França, o vegetal já foi mais presente. Hoje faz parte do grupo dos légumes oubliés, os legumes esquecidos que só são encontrados em empórios empenhados no comércio de frutas e legumes pouco convencionais, como as batatas andinas, as coloridas etc. – são as Panc dos franceses.
Embora seja de fácil trato e tenha ótimo rendimento, há alguns artifícios para se conseguir fazê-lo produzir em terras tropicais, já que tem origem na América do Norte onde enfrenta invernos rigorosos.  Então, em regiões com inverno tolerável, o segredo é colher as batatas quando as folhas secam, no outono, e separar alguns bulbos na geladeira para plantar da primavera. Há algumas técnicas para que resistam sem ressecar nem apodrecer.  Deixar as batatas dentro de um recipiente com areia limpa, fervida, escorrida e úmida é uma. A outra é selecionar pedaços com mais gemas, cortar e passar a parte cortada em canela em pó para não apodrecer, como faz o pesquisador Joaquim Adelino. Basta então colocar os pedaços dentro de um saco de papel e outro de plástico. Assim, ficam até o começo da primavera quando podem ir para a terra – fofa, fértil, com boa drenagem. Em pouco tempo crescem e florescem como girassol. O aspecto, porte alto, ramificado, com lindas flores amarelas, é muito parecido ao girassol a que chamamos de margaridão ou mão-de-deus, não comestível.
O fato de ser uma variedade de girassol e ter tubérculos com sabor de alcachofra explica alguns de seus nomes. Na América do Norte, o Helianthus tuberosus já era cultivado pelos ameríndios antes da chegada dos europeus.  Mas o nome em inglês que se consagrou foi jerusalem artichoke. Artichokeé alcachofra e jerusalem é corruptela do italiano girasole, girassol. Atende também pelo nome composto sunchoke, de mesma motivação.  Agora, o nome em francês, tupinambour, tem origem curiosa.  Em 1613, seis índios brasileiros Tupinamba foram levados por missionários a Paris como curiosidade. Metade morreu na viagem e os sobreviventes foram batizados com nomes franceses, na igreja dos Capuchinhos, vestidos e desenhados com trajes locais da época, e apresentados à corte de Luís XIII, causando sensação.  Na mesma época, o cultivo do girassol batateiro foi introduzido na França, o que se levou a acreditar que a origem da espécie fosse brasileira, dos Tupinamba. Virou tupinambour em francês e tupinambo em português.  Ou seja, uma homenagem falaciosa oriunda de um fato vergonhoso.  Mas sempre podemos chamá-lo de alcachofra de Jerusalém.
Uma característica em comum com a alcachofra e outros membros da família das Asteráceas é que o tubérculo do tupinambo armazena inulina, um tipo de carboidrato considerado fibra solúvel, importante substrato para a flora intestinal e por isso considerado um ótimo aliado para o bom trabalho de nossa microbiota intestinal e bastante funcional para diabéticos. Em excesso, porém, pode causar muita fermentação e desconforto por causa dos gases formados.  Basta usar com moderação. Como o sabor é agradavelmente marcante, para quem é mais sensível, é só usar uma pequena quantidade combinada a outros legumes para dar um sabor especial a sopas, cremes, purês, saladas etc.
Há muitas variedades da mesma espécie, com bulbos mais organizados, menos disformes, mas a vantagem é que mesmo aqueles com mais protuberâncias podem ser consumidos com a pele.  Podem ser cozidos inteiros, por cerca de 20 minutos, começando com água fria como para cozinhar batatas, ou já picados ou fatiados, por 5 minutos ou mais a depender da espessura dos pedaços.  Na sopa, qualquer pedaço dele já confere um sabor muito bom e pode ser usado como tempero.
Apesar da textura firme como uma cenoura, é frágil como a batata-baroa ou mandioquinha e, se deixado desprotegido em temperatura ambiente, logo perde umidade, ficando murcho e apodrece com facilidade.  Então, quando o encontrar em feira de produtores, para consumo, o melhor jeito de conservar é dentro de recipiente bem fechado na geladeira. Antes, porém, embale os tubérculos em saco de papel para que absorva a umidade evitando apodrecimento.  E se estiverem murchos, mergulhe-os em água fria e limpa e espere meia hora. Ficarão firmes novamente.
Segue aqui uma receita circunstancial que fiz com os ingredientes que tinha em casa. O modelo pode ser o mesmo e você adapte com o que tenha por perto, mantendo, claro, os tupinambos, que farão toda a diferença.

 


Macarrão chumbinho com tupinambo

200 g de macarrão chumbinho
50 g de amêndoas cruas picadas grosseiramente
3 colheres (sopa) de azeite
100 g de cebola média picada finamente
100 g de cenoura picada finamente
100 g de vagem picada em fatias finas
250 g de tupinambo bem lavado, sem descascar, picado finamente
50 g de uvas passas pretas
Sal a gosto
1 pitada de pimenta calabresa
2 colheres (sopa) de salsa-do-líbano picada finamente (use salsa comum, se for mais fácil)

Em uma panela com 2 litros de água fervente e 1 colher (chá) de sal, cozinhe o macarrão até ficar macio, cerca de 5 minutos. Escorra e passe em água fria, para tirar o excesso de amido. Deixe escorrendo.
Numa frigideira grande, coloque a amêndoa e leve ao fogo médio, mexendo sempre, até que comece a dourar.  Reserve.
Na mesma frigideira, coloque o azeite, leve ao fogo e espere aquecer. Junte a cebola e refogue, mexendo, até que fique transparente. Junte a cenoura, a vagem, o tupinambo, as passas, o sal e a pimenta.  Deixe cozinhar sem parar de mexer delicadamente até que os legumes estejam cozidos mas ainda crocantes.   Junte o macarrão escorrido e incorpore aos legumes. Assim que estiver bem quente, desligue o fogo, distribua em 4 pratos e espalhe por cima as amêndoas e a salsa picada.  Sirva quente.
Rendimento: 4 porções 








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