Voltando aos Kayapó. Ainda vou chegar à comida, mas antes não posso deixar de falar da "ôk", pintura de jenipapo e de urucum, que ocupa um lugar importante na vida de homens e mulheres da aldeia. Os motivos das ôk podem estar relacionados a especificidades como festas diversas, rituais como funeral e nascimento e eventos como guerra, pesca, incursões à floresta etc. Mas no dia a dia servem mesmo para embelezar, ajudar a desenvolver o corpo e garantir proteção, com grafismos feitos usando varetinhas de inajá, super flexíveis, ou com dedo, inspirados em elementos da natureza - cabaça, peixe, jabuti, pegadas de animais, casca de árvores etc.
A casca da árvore usada para o carvão |
Vai fazendo carvão aos poucos |
A mistura de carvão, jenipapo e saliva |
A tinta corporal dos Kayapó. O preparo da tinta de jenipapo é complexo e envolve algumas etapas: coleta do jenipapo na floresta, preparo das varetinhas de palmeira inajá e extração da casca de uma árvore que tem aspecto de carvalho, muito porosa e leve. Com ela se faz carvão bastante friável que ainda quente é misturado com a polpa do jenipapo - parte dele deve ser mastigado para triturar e incorporar saliva. Imagino que a ptialina possa contribuir de alguma forma para que o pigmento genipina fique mais escuro. O carvão serve para marcar. Depois de lavado, saí e aí o pigmento já terá tingido a pele - vai saindo aos poucos, conforme a pele se renova. Pode durar de 7 a 15 dias aproximadamente, a depender de quanto a pele é lavada e atritada.
Uma sessão de pintura corporal entre as mulheres Kayapó é como uma tarde no salão de beleza. Umas pintam as outras com capricho e paciência. Depois de pintar o rosto geralmente com retângulos, tiram os vestidos e ficam de shortinho ou calcinha pra pintar o corpo todo. De crianças, até a bunda. Com os dedos, a pintura é mais rústica e não demora mais que meia hora. Mas com varetinhas de inajá, o corpo todo pode demorar três horas pães ser pintado, com três ou quatro mulheres pintando ao mesmo tempo (a minha foi assim). Depois tem que esperar secar bem por umas três horas ou até o outro dia e tomar banho no rio pra tirar o carvão. Como esta atividade é constante, elas têm sempre uma das mãos totalmente pretas.
Além da pintura corporal, outra prática de beleza comum é raspar com lâmina o topo da cabeça assim. Não descobri outra razão além da estética, mas certamente tem.
Crianças são pintadas ainda bebês para ajudar no desenvolvimento do corpo, e aprendem muito precocemente a arte da pintura, de modo que toda mulher sabe pintar. Algumas são mais caprichosas e talentosas que outras, mas todas sabem
Continuação. Homens também são pintados e nem os kuben (homens não índios) são poupados. Elas ficam felizes quando aceitamos compartilhar a experiência. Depois ficam admirando a própria pintura e dizendo que ficamos bonitos e bonitas . Aqui, o fotografado é o talentoso fotógrafo Loiro Cunha @loirocunha que filmou e fotografou a comunidade sem em nenhum momento deixar que a estética atropelasse a ética e o respeito pelas pessoas clicadas - o amigo que esta viagem me presenteou
Depois da pintura, depois de algumas horas, o banho no rio |
Feito com facão |
Pezinho de anta |
A parte do jenipapo desprezada serve para a confecção de carimbos, quase por brincadeira, como mostra no vídeo com Doto, uma liderança local - desenho de uma tribo e patinha de anta. Passa na mesma tinta preparada pelas mulheres para a pintura corporal e carimba o que quiser.