A coluna Nhac de hoje está no Estadão impresso, no site do Paladar e também aqui:
Era um dia de sol no meu bairro e enquanto caminhava pelas ruas vi uma mulher colhendo folhas, flores e vagens de uma árvore. Não resisti e fui perguntar o que era, já intuindo a comestibilidade. No começo ela hesitou, disse apenas que era drumstick, uma árvore indiana. Insisti querendo mais detalhes sobre a utilidade e quando percebi que não conseguiria tirar muita informação, lancei mão do meu trunfo diante de uma indiana arredia: falei que tinha uma árvore de karipata. Dito e feito! Ela arregalou os olhos e quis saber com quem estava falando. Conversa vai, conversa flui, descobrimos que minha árvore de folhas de curry, a karipata, presente da colunista do Jornal Folha de São Paulo, Nina Horta, havia saído da casa de sua mãe, Mrs. Pillay, neste mesmo bairro. A planta foi pra Pinheiros e voltou pra Lapa. Mas voltando à árvore em questão, diante da surpresa e já segura de que eu não oferecia ameaça à árvore plantada em espaço público, Shakuntala Naidu, que dá aulas de culinária e vende temperos indianos prontos, me convidou para ir à sua casa mais tarde para me mostrar como se cozinhava com moringa ou drumstick, como ela prefere. Na cozinha, só ela e eu, caderneta à mão, aprendi a preparar as folhas, flores e vagens. Isto já tem muitos anos e desde então frequento esporádica e discretamente aquela praça enquanto a árvore que plantei ainda não produza o suficiente para a demanda minha e da vizinhança. E de vez em quando nos encontramos diante desta árvore.
Se por aqui a Moringa oleifera ainda é tão rara de se ver, em vários locais da região nordeste, especialmente no Semiárido, as árvores proliferam lindas, viçosas, floridas, cheias de vagens que ainda despertam pouco interesse. A planta foi introduzida no Brasil não como a árvore do milagre dos indianos mas principalmente por causa das sementes usadas no tratamento de água – elas ajudam a purificar a água floculando as sujidades. Ela se dá bem em clima seco e quente e por isto é tão adaptada no nosso Semiárido.
Inversamente proporcional ao desconhecimento da árvore e seu uso como alimento fresco no Brasil é a fama que a planta vem ganhando como mais um super alimento. Na Índia e na África é comum encontrar a planta nos jardins das casas por ser um depósito fácil de nutrientes sempre disponíveis mesmo quando outras verduras secaram. Além de ter todas as partes comestíveis, na é usada na medicina popular como estimulante cardíaco e circulatório, antiinflamatório, bactericida e antifúngico, só para citar algumas das propriedades.
Por ter folhas ricas em nutrientes e propriedades terapêuticas, é comum encontrá-la seca em pó e até em cápsula, como suplemento com comparações exageradas em relação à porcentagem de cálcio, proteínas e outros nutrientes nas folhas secas. Mas é bom prestar atenção às panaceias, pois muitas vezes os dados de rótulo referem-se ao produto em pó em comparação depreciativa com outras fontes frescas de proteínas, cálcio e vitaminas. Lembrando que não é fácil ingerir 100 g de pó ao dia e que muitas vezes a própria embalagem não traz mais que 30 gramas e podem custar os olhos da cara. Então é só não se deixar enganar por propagandas com dados superestimados ou manipulados, mas não deixe de incluir as folhas frescas na alimentação como mais uma variedade de verdura muito nutritiva, com ótimo conteúdo de proteína, fibras e ferro e como fonte de vitamina A que se soma a outros vegetais numa dieta biodiversa. Sem esquecer que comemos comida e não nutrientes e que estas folhas são deliciosas. Assim como as flores, vagens e sementes.
As folhas podem ser secas em casa facilmente e, claro, podem ser sim um suplemento a ser adicionado no prato de crianças inapetentes ou que precisem repor nutrientes de uma forma segura. Basta lavar as folhas e deixá-las sobre uma peneira forrada com pano limpo sob o sol. Cubra com tule e deixe as folhas secarem - elas saem facilmente dos galhos quando estão desidratadas e é só triturar e guardar na geladeira. O pó pode ser usado em pequena quantidade em combinação com outros legumes, no arroz, no feijão ou no preparo de massas à base de cereais.
Tenho uma planta por perto ou conseguindo comprar em feiras de produtores (em São Paulo, Quitandoca, Instituto Chão, Institudo Feira Livre, Feira de orgânicos do Parque Água Branca), as folhas frescas podem ser refogadas como couve ou aferventadas e usadas para fortificar e colorir todo tipo de massa. Cruas, elas têm leve perfume de óleo de coco, de amêndoas torradas, manteiga derretida e cozidas, lembram couve.
Quando quiser usar as folhas frescas, deixe de um dia para outro, em temperatura ambiente, os galhos numa bacia ou dentro de um saco de papel para que murchem um pouco. Elas sairão facilmente dos galhos grossos e mais finos, bastando depois aferventar em água levemente salgada. A fervura é útil especialmente se estiverem pinicando um pouco. É que algumas variedades podem ter cristais de oxalato de cálcio e incomodar a garganta como as taiobas e por isto é bom que se consuma sempre cozida a menos que tenha provado as folhas frescas para conferir se são mansas - e se não for, dá pra sentir a pungência na boca sem causar problemas maiores que um leve pinicamento passageiro.
Óleos aromáticos são encontrados nas sementes que, secas, podem ser consumidas como pipocas e são ricas em ácidos graxos tipo oleico, como no azeite de oliva, por isto elas são usadas ainda como fonte de gordura alimentícia, farmacêutica e cosmética. As vagens jovens são densas e compridas como baquetas, daí o nome da planta em inglês, drumstick. E podem ser preparadas como legumes em curries vegetais, sopas, cozidos e preparos variados. As flores são abundantes e também podem ser usadas cruas ou cozidas em pratos salgados como fritadas, recheios e saladas, por exemplo.
Uma receita da Shakuntala é fácil de fazer: faça um refogado de alho, cebola e pimenta seca, junte flores lavadas de moringa e vá mexendo em fogo baixo para murchar. Acrescente sal e gotas de água quente só para deixar a mistura úmida e em cinco minutos terá um prato delicioso para servir com arroz.
Se pensarmos na moringa não como panaceia de super alimento, mas como uma planta perene que nos dá não só verdura, legume, grãos e flores, mas também nosso medicamento, lenha para o fogo, substância para a purificação de água e ainda óleo combustível, afinal há vários estudos mostrando a viabilidade da produção de biodiesel a partir das sementes, não podemos negar que estamos diante de uma espécie milagrosa, como é vista pelos indianos, por nos dar um mínimo de autonomia. E comer é um bom jeito de controlar a superpopulação das plantas exóticas para não competir com as nativas. Então, uma árvore desta por quintal ou praça pode ser um pequeno passo para nossa soberania em tempos de tanta dependência e fragilidade.
Folhas de moringa com coco
4 xícaras de folhas de moringa
2 colheres (sopa) de óleo de girassol
2 pimentas secas quebradas
1 cebola roxa picada
Meio coco fresco ralado grosso
1 pitada de sal
1 pitada de cúrcuma (açafrão-da-terra) em pó
Coloque as folhas de moringa em água fervente levemente salgada e deixe cozinhar por cerca de 5 minutos ou até que fiquem macias. Escorra e reserve.
Numa frigideira coloque o óleo e frite rapidamente as pimentas. Junte a cebola e refogue até começar a dourar. Junte as folhas de moringa, o coco e uma pitada de sal e cúrcuma. Refogue até que o excesso de líquido evapore. Prove o sal e corrija, se necessário. Sirva com arroz branco.
Rende: 4 porções