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Batata doce roxa, safra da calçada. Coluna do Paladar, edição de 07 de abril de 2016

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Hoje tem coluna minha no Paladar. Veja lá no site do caderno - agora tem lá todo o conteúdo das minhas colunas e dos outros colunistas, tudo reunido de modo a facilitar a consulta.  E, claro, está também lá no Estadão impresso.  E aqui está:



Batata doce roxa
Depois de uma reforma da subprefeitura no pequeno espaço ocupado pela horta comunitária City Lapa, cuidada por um grupo de vizinhos da minha rua no qual me incluo, acabamos ganhando uma calçada que não existia e uma estreita faixa de terra entre ela e o meio fio, seguindo o modelo de calçadas verdes proposto pelo paisagismo original do bairro que hoje é tombado. Como isto aconteceu no final do outono passado,  quando ainda havia alguma chuva  mas uma estiagem invernal das mais severas já estava à espreita,  resolvemos plantar ali rapidamente uma espécie que logo cobrisse a terra aproveitando o resquício de umidade.  

Mudando o cenário,  na cozinha de casa, algumas batatas doces no copo com água lançavam suas ramas. Não eram batatas comuns, mas sim das roxas que havia comprado na feira de orgânicos do Parque da Água Branca.  São batatas raras atualmente, não encontradas em supermercados ou feiras convencionais.   Bem, as ramas já iam grandes, precisando de ir para a terra.

Então, voltando à  horta, foram estas ramas do copo que plantamos naquela terra árida. No meio da horta também havia outras ramas da mesma espécie,  que plantamos antes para crescer como trepadeira e proteger do sol a caixinha de abelhas jataí que temos ali,  e parte delas também foram usadas.  A planta, além de ornamental, tem folhas novas comestíveis, é bom que se diga.

O fato é que, sem afofar o solo nem acrescentar qualquer tipo de adubo,  fizemos uns anéis com os galhos e enterramos, deixando algumas folhas pra fora.  Em poucos dias os ramos estavam vistosos. Fomos podando e fazendo mais mudas, de modo que um mês depois não se via mais o vermelho da terra despida.  O inverno chegou, a seca castigou a maioria das plantas, mas a batata resistiu majestosa.  E a cada mutirão tínhamos de podá-la para não invadir a passagem e o asfalto.  Foram muitas ramas doadas por aí. 

Não sei se pela poda disciplinadora constante ou se porque era mesmo a ordem natural das coisas, mas quando decidimos renovar o canteiro há poucos dias levamos um susto com o tamanho das batatas que foram surgindo à medida em que íamos tirando o tapete de ramagem.  A média foi de 1 quilo para mais, chegando a 2 quilos cada batata.  Foram 35 quilos no total.

Sob o efeito inebriante da farta colheita, fiquei imaginando todas as calçadas e quintais de São Paulo com seus gramados substituídos por batatas por baixo, abóboras por cima, ainda mais num momento de precipitações pluviométricas instáveis e incertas no campo e toda sorte de suscetibilidades vividas pelos agricultores – das tradicionais saúvas aos recentes caramujos africanos e javalis que chegam destruindo tudo.  Muita gente está desistindo de plantar culturas como mandiocas, batatas doces, milhos e abóboras por causa das constantes perdas especialmente para os javalis que, mesmo quando não comem tudo, cavoucam e mordem todas as batatas que conseguem desenterrar  – para escolher a melhor, talvez.  O jeito vai ser diversificar o acesso aos alimentos e garantir que pelo menos parte da nossa comida seja plantada perto de onde vivemos. E o que tem de espaço para plantar nesta cidade daria para alimentar muita gente.

Só para não dizer que não falei da espécie, a planta da batata doce (Ipomoea batatas L), que pode ser branca, amarelada, laranja ou roxa, pertence à família das Convolvuláceas e não guarda parentesco com as batatas da família das Solanáceas. Originária da América do Sul e América Central, é cultivo dos mais antigos - resíduos de variedades desta espécie foram encontrados no Peru em cavernas no Vale de Chilca Canyon, datadas de mais de dez mil anos.

Ela já foi considerada comida de pobre, cultivada apenas por pequenos agricultores e tida como alimento pesado. É que há em sua composição um inibidor de digestão que atrapalha o trabalho das enzimas digestivas tripsina e quimiotripsina, retardando o fluxo, induzindo à fermentação e à formação de gases. Mas é só não exagerar que nada disso acontece. Como compensação para toda injustiça sofrida ao longo da história, hoje é o legume querido dos atletas ou de quem queira ganhar massa muscular de forma saudável, pois além de ser energética, rica em vitaminas e minerais, também possui baixo índice glicêmico – evita a formação de pico de insulina, mantendo as reservas energéticas por mais tempo. Que isto não seja puro modismo.

Talvez seu cultivo tenha sido deixado de lado por não ser tão doce quanto as brancas,  nem tão fácil de lidar como a batata branca - é que o pigmento escapa para o caldo,  tinge todos os outros ingredientes e ainda pode reagir com meio alcalino e tornar o prato desagradavelmente esverdeado. Porém, agora a batata roxa é tão bem quista, que quem seguiu plantando não consegue atender à demanda do varejo. É um ótimo legume para preparos de textura homogênea como doces em pasta, cremes, sorvetes, mingaus, pães e massas, desde que não leve bicarbonato.  Quanto mais ácidos os outros componentes da receita, mais atrativa será a sua cor.  

A coloração avermelhada do miolo da batata doce roxa crua se transforma em lindo púrpura quando o legume é cozido lentamente e se dá pela presença de antocianina, o mesmo pigmento do vinho tinto, das amoras, jabuticabas etc. que,  mais que corante,  é um potente antioxidante que previne doenças. Diferente de outros vegetais que perdem a coloração quando cozidos, esta batata tem sua cor intensificada com o calor.  

O creme com mel de engenho e licuri a seguir é só uma ideia de uso, mas lembre-se dos doces de cortar, da linda cor que poderá dar aos seus pães e da provável cara de encanto das crianças diante de um creme tão gostoso e colorido como o de açaí ou de frutas roxas.


Veja algumas dicas para o caso de se deparar com as ditas ou de colher algumas nas calçadas do seu bairro.  


 - Guarde as batatas doces em cestas, em temperatura ambiente. Quando começarem a lançar ramas, tire o pedaço brotado, plante numa jardineira e use o restante da batata para comer. Para aumentar a produção de ramas, mergulhe a batata pela metade na água limpa – e troque sempre, claro.

- Para assar, besunte a casca com azeite, embrulhe em papel alumínio e deixe no forno a 180 ºC por cerca de 1 a 1 hora e meia, dependendo do tamanho, e a textura ficará lisa, úmida e uniformemente púrpura. Tire a pele, esfregando com as mãos e pronto, é só usar.

-  Atenção para não usar bicarbonato em receitas com a batata doce roxa, ela poderá se transformar em algo oxidado e desagradável aos olhos.

- Para cozinhar, lave bem com escova, deixe a pele e corte a batata em pedaços,  se for muito grande. Cubra com água fria e leve ao fogo médio. Deixe cozinhar por cerca de meia hora ou até que amacie. Descarte a água, espere amornar e tire a pele com as mãos.

-  Se tiver muitas batatas, cozinhe, corte em pedaços menores e congele em aberto. Guarde em recipiente fechado e use os pedaços individualmente conforme a necessidade (cremes e vitaminas, por exemplo).

- Sirva as batatas cozidas bem quentes com leite gelado adoçado. Fica muito bom. E as assadas, com manteiga, açúcar mascavo, especiarias ou amassadas com melado, sal e e pimentas. 


Creme de batata doce roxa com mel de engenho e licuri

500 g de batata doce cozida ou assada½ xícara de kefir ou iogurte natural
4 colheres (sopa) de açúcar mascavo
1 pitada de sal
½ colher (chá) de canela

Para cobrir
manteiga de mel de engenho

2 colheres (sopa) de manteiga
1 colher (sopa) de mel de engenho (melado de cana) 
50 g de licuri torrado

Lave bem as batatas doces , coloque numa panela, cubra com água fria e leve ao fogo para cozinhar – cerca de meia hora ou até ficarem bem macias.  Escorra, tire a pele e amasse bem. Junte o kefir, o açúcar mascavo, o sal e a canela.  Faça um creme bem liso usando o mixer ou processador.  Se precisar, junte mais kefir ou iogurte para acertar a consistência.  Passe para um prato de servir e  faça a manteiga de mel de engenho:  derreta a manteiga,  junte o melado, mexa bem para homogeneizar e desligue o fogo. Despeje ainda quente sobre o creme em temperatura ambiente. Se precisar guardar o creme, conserve-o na geladeira e só faça a manteiga na hora de servir, despejando bem quente sobre o creme, para não solidificar.  Espalhe por cima o licuri e sirva. Se preferir, divida o creme em taças individuais.


Rende: de 4 a 6 porções  

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