Hoje é dia de coluna Nhac no Paladar. Os leitores do Come-se já conheciam a caferana de outra safra, mas como os pés andam carregados quis apresentar a frutinha aos leitores do Paladar. Veja lá no blog do caderno. E aqui tambem:
As frutinhas congeladas |
À medida que vão amadurecendo, podem ser consumidos ou congelados para esperar os outros |
Durante muito tempo tratei um pé de caferana que havia no sítio dos meus pais como se fosse de azeitona do Ceilão. Certamente porque alguém me ensinou errado e assim ficou sedimentado, tendo eu desperdiçado uns bons vinte anos da minha vida sem provar um só fruto vermelho, bem maduro. Não vou dizer que não tenha provado a suposta azeitona do Ceilão, também comestível. Mas mordisquei um fruto imaturo, ainda alaranjado e duro, pois é a coisa mais difícil do mundo encontrar caferana madura no pé. De um dia para o outro o fruto passa de laranja para vermelho e os passarinhos, a gente sabe, acordam mais cedo. Então, experimentei assim, não gostei e desisti. Não tinha noção do que estava perdendo.
Só muito recentemente consegui encontrar uma outra árvore - aliás, duas - agora bem mais perto de mim, aqui em São Paulo e com a sorte de ter um fruto maduro, vermelho, lindo de ver. Colhi, era macio. Cheirei, não tinha perfume. Restava provar e aí, então, fui fisgada pela rubra manteiga de amendoim encapsulada. Ajuizadamente fui logo perguntando a respeito para uma amiga viveirista. Juliana Valentini, do Viveiro dos Oitis, sabida, veio sem titubear com o nome completo, Bunchosia armeniaca, e aí foi fácil descobrir a ficha completa, pois nome científico costuma ser um só (quando não tem mais que um padrinho, isto acontece).
Aliás, a fruta é exótica, parente da acerola, porém, diferente das mangas ou jacas que vieram da longínqua Ásia, esta tem origem próxima. É dos Andes da Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. E, sorte nossa, se deu muito bem por aqui. Estamos em plena temporada de flores, frutos verdes, laranjas e maduros na mesma árvore. Seu desenvolvimento é rápido e a safra dura alguns meses. Costuma aparecer como árvore ornamental em algumas calçadas Brasil afora. É só ficar de olho. Em São Paulo são várias espalhadas pela cidade com ajuda de pássaros que carregam o fruto para a redondeza para comer no sossego da copa de outra árvore. Sementes também germinam facilmente em volta da árvore-mãe e por isto poderá conseguir uma muda se arrancar um desses brotos que não terão chance alguma de crescer na sombra e replantá-lo em outro lugar. É uma ótima árvore para calçadas, porque é decorativa, com bela floração amarela, não cresce muito e atrai muitos passarinhos. Se quiser comprar uma muda, procure em viveiros de frutas como o Ciprest (ciprest.com.br) que entrega a encomenda por correio.
Agora, se você conhece vai me dar razão e, se nunca provou a fruta, sua curiosidade deve ter sido atiçada quando eu disse um de seus nomes: fruta manteiga de amendoim ou peanutbutter fruit, como é mais conhecida em inglês. Pois é, a fruta parece um pacotinho de manteiga de amendoim com consistência de doce de feijão e cor de extrato de tomate embalado em celofane finíssimo que se funde com a massa. Se você come de olhos fechados vai sentir fortemente o sabor de amendoim cozido. Sua consistência pastosa permite que seja passada diretamente sobre o pão, torrada ou panquecas - basta juntar um daqueles adornos que costumam acompanhar a manteiga de amendoim, como geleia, mel, xarope de bordo, de agave ou melado de cana, para você acreditar que a tal manteiga mudou de cor.
Está certo que metade do volume da fruta é ocupado pela semente, que é tão ou mais decorativa quanto o fruto, com uma pontinha vermelha. Mas o bom é que a semente é muito dura e a polpa muito mole, de modo que basta esfregar o fruto maduro nas tramas de uma peneira para conseguir separar as duas partes facilmente. A massa vermelha obtida é cremosa, lisa, doce e com sabor amendoado. Não tem muito perfume nem acidez e isto a diferencia um pouco de outros frutos. Em compensação, é só juntar umas gotas de vinagre ou limão para que se transforme num delicioso molho como o de tomate se for preparado igual. A falta de acidez e cremosidade também faz dela uma fruta perfeita para bater com iogurte ou kefir. E ainda vai bem na vitamina de banana, no sorvete, nos doces em pastas ou simplesmente como corante para pratos salgados do mesmo modo que a massa de tomate. Para pratos vermelhos agridoces, melhor ainda, pois além da cor tem o açúcar, sendo a acidez fácil de conseguir.
A receita a seguir foi inspirada nas panquecas fofas japonesas, ou dorayaki, mas recheadas à moda americana com manteiga de amendoim sem açúcar e banana. No lugar de morangos, pequenas porções cremosas de caferana que se fundem com a manteiga de amendoim, intensificando sua presença. Pra completar, um fio de melado de cana e nhac!
Panquecas recheadas com caferana, banana e manteiga de amendoim
Para a massa
3 ovos inteiros
¾ de xícara de açúcar (135 g)
1 colher (sopa) de mel
1 e ½ xícara de farinha de trigo branca (180 g)
2/3 de xícara de água (180 ml)
1 colher (chá) de fermento químico em pó
Para o recheio
10 colheres (sopa) de manteiga de amendoim pura, sem açúcar
6 bananas
20 caferanas bem maduras
5 colheres (sopa) de melado de cana
Faça a massa: na batedeira, bata os ovos com o açúcar e o mel até espumar. Com a batedeira ligada no mínimo, junte a farinha aos poucos, alternando com a água misturada com o fermento. Bata até a massa ficar homogênea. Passe um guardanapo de papel com um pouco de óleo na superfície de uma frigideira antiaderente e deixe aquecer no fogo baixo. Despeje uma porção equivalente a uma colher de servir no meio da frigideira e deixe cozinhar até dourar – quando aparecem bolhinhas na superfície da massa. Vire com uma espátula e deixe cozinhar do outro lado, sem deixar dourar. Vá empilhando as panquecas até terminar a massa.
Recheie: passe sobre cada panqueca um pouco de manteiga de amendoim , Distribua sobre elas rodelas de banana e pedaços de caferana. Faça conjunto de 3 ou mais panquecas e cubra com um fio de melado de cana. Se quiser impressionar, sirva várias empilhadas como as da foto e separe-as na hora de servir.
Rende: 24 panquecas (ou cerca de 6 porções)
DICAS
Colher e deixar amadurecer: as caferanas dificilmente ficam dando sopa maduras no pé. Os passarinhos chegam antes. Em compensação, amadurecem rápido. Colha as frutas alaranjadas e deixe-as na fruteira. Estarão maduras quando ganharem coloração vermelho vivo e ficarem macias.
Para congelar: se não quiser usar as frutas assim que amadurecerem, ou se se deparar com uma grande safra, lave-as com delicadeza quando estiverem maduras e espalhe em bandeja. Leve ao freezer para que congelem em aberto. Quando as frutas estiverem congeladas, solte-as e embale em saco plástico. Feche bem e mantenha no freezer até o momento de usar. Não precisa descongelar antes, pois elas ficam firmes mas nunca duras e, assim, podem ser cortadas em lascas com mais facilidade (isto não é possível quando estão maduras e em temperatura ambiente).