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Jerumbeba ou nopal ou palma. Coluna do Paladar. Edição de 22/01/2015

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Das plantas abaixo 
Hoje tem edição especial do Paladar para comemorar os 140 anos do Estadão. O caderno está todo diferente e o assunto da coluna é a jerumbeba, ingrediente citado no livro Cozinheiro Nacional (1860-70) que nada mais é que folha ou raquete de palma (nopal). No livro há várias receitas com o ingrediente, mas o engraçado é que no começo da obra há uma tabela de substituição de ingredientes europeus, como forma de incentivo ao uso dos ingredientes nacionais. Algumas substituições fazem sentido,  como trocar escarola por serralha. Outras, no entanto, são exdrúxulas pela distância de características de um de outro.  Segundo a recomendação, a alcachofra pode ser substituída, por exemplo, por talo de taioba; as alcaparras por conservas de pimentão em vinagre, uvas verdes por tomates ou nabos por quiabos, ora-pro-nobis, lobolobo ou jerumbebas. 

No caderno impresso e no blog do Paladar, os textos estão ilustrados em preto e branco com lindos desenhos. Veja nos links: http://blogs.estadao.com.br/paladar/venca-os-espinhos-ache-maciez-e-delicadeza/
e http://blogs.estadao.com.br/paladar/folhas-de-jerumbeba-recheadas/. Mas reproduzo aqui o texto original e fotos minhas. 


Os dois tipos são comestíveis


Jerumbeba

Vamos deixar um pouco de lado nosso francesismo para nos aproximarmos dos sabores de nossa terra e nos inspirarmos nos saberes mais próximos. Teria muitos outros argumentos para convencer o leitor e a leitora, mas vamos aos fatos, já que escolhi como tema desta coluna a jerumbeba, tão familiar nas mesas mexicanas quanto farta e marginalizada neste território que, de norte a sul, trata jerumbebas como alimento forrageiro.

Aliás, o próprio nome da planta adotado mais comumente nesta pátria, palma forrageira, já a condena à sua má sorte na cozinha. Está certo que a planta originária do México foi trazida para cá não com a finalidade de alimentar gentes, nem tampouco animais de grande porte, mas sim insetos, no caso a cochonilha, para extração do corante natural vermelho carmim. 

Já no Recreador Mineiro de junho e julho de 1846 o texto “Memória sobre a cochonilha” fala das tentativas frustradas da produção do pigmento cor de sangue em algumas partes do Brasil, a partir de duas espécies de gerumbeba - grafia adotada naquele  periodico litterario, de qualidade inferior ao corante produzido  no México, afinal já se praticava ali fraude misturando pó do pigmento a farinha, e por isto não aceito no mercado internacional.  Como alimento para gados, ovinos e caprinos, no entanto,  os vários tipos de palma se deram bem nos climas secos e nos terrenos pedregosos e áridos onde não cresciam outras forrageiras.

Jumbebas, jurumbebas, urumbebas, jerumbebas ou gerumbebas são nomes indígenas adotados para as plantas cactáceas de folhas chatas com espinhos, todas derivações do tupi-guarani yuru, espinho e mbeba, folha chata.  No México há várias espécies destas plantas comestíveis agrupadas principalmente em dois gêneros,  Nopaleae Opuntia, que recebem indistintamente o nome de nopal, nopal-verdura ou nopalitos e são vendidos em qualquer feira-livre lado a lado a milhos e tomates, por exemplo. No Brasil já havia tipos silvestres de cactos de folhas chatas e espinhentas, mas a introdução de novas espécies se deu com os portugueses no intuito de quebrar o monopólio da Espanha sobre a produção do corante carmim em suas colônias.

Uma pena que as palmas não tenham chegado até nós como alimentos. Os frutos, figo da índia, no caso da Opuntia ficus-indica, estes sim são comercializados entre nós, mas nunca as folhas, que aliás são caules modificados clamados cladódios. No lugar das folhas há gloquídeos que quando nos espetam a mão respondem pelo nome vulgar de espinhos mesmo.

Também, com este nome, cladódio, quem há de querer metê-lo numa receita?  Fiquemos,  portanto, com o nome jerumbeba-verdura, especificando a espécie se for o caso,  ou frutos de jerumbeba para o figo-da-índia (jurumbeba poderia levar à confusão com aquele jilozinho mui amargo de nome jurubeba). Se não estes nomes, ao menos um que lhe caia melhor no universo culinário: almofadas de palma, raquetes de jerumbeba ou mesmo nopal-verdura como dizem os mexicanos. E se chamarmos de folhas de jerumbeba também ninguém há de conosco ralhar. No caso das almofadas, não se iluda, pois como aquelas de agulhas, estando as mesmas presentes de cabeça para baixo. Há variedades lisas, sem espinhos, porém são mais raras. De qualquer forma, livrar-se destes gloquídeos não é atividade das mais difíceis que requeira ajuda de criados, como veremos em seguida.

E quanto aos frutos, embora conheçamos mais os figos-da-índia, mais carnudos, os das outras espécies também se comem. Não só os frutos mas também as flores, empanadas, gratinadas, estufadas.

Houve já inúmeras tentativas de se popularizar o uso das nutritivas e gostosas jurumbebas Brasil afora. Na Chapada Diamantina, na Bahia, o picadinho de palma é vendido nas feiras como verdura e tem consumo garantido. Também se consome a palma como alimento de subsistência em períodos de seca na região nordeste, o que contribuiu para o estigma principalmente entre os que já a comeram por necessidade.

Mas se deixarmos de mirar a alimentação europeia como padrão a ser seguido e nos aproximarmos dos países latino-americanos como exemplo e inspiração, teremos mais a aprender já que há muitos ingredientes locais, nativos ou intercambiados  em comum na Mesoamérica, Caribe e América do Sul. E se o México, onde a tradição indígena se mantém viva como orgulho nacional, nos deixou o legado da jerumbeba, nada melhor que descobrir como a planta é usada por lá.

Jerumbeba da espécie Nopalea cochenillifera, também chamada de palma-doce, é a preferida para a criação de cochonilhas, porém, as raquetes são delicadas, suculentas, macias, finas, agradáveis de se comer. Já as da espécie Opuntia ficus-indica, a mais cultivada para alimentação, são mais grossas, com as mesmas características mas com sabor mais ácido e textura crocante. Há muitas outras espécies similares e com mesmos usos desde que as raquetes sejam colhidas quando jovens e tenras. Além de ser gostosas, nutritivas, refrescantes, sem amargor ou picância, elas são fontes de gomas, mucilagens e pectinas, que auxiliam o sistema digestivo.  Diz-se ainda que contém substâncias que inibem a absorção de gordura e excesso de açúcares na dieta. Há muitas atividades fitoterápicas atribuídas ao consumo deste alimento e tantas outras ainda a confirmar ou descobrir.

Querer substituir nabos pelos frutos moles de jerumbebas ou aspargos europeus por suas raquetes carnosas,  como se recomenda por aí, cria expectativas falsas e resultados negativos, pois tanto uma coisa quanto a outra tem suas peculiaridades que devem ser exploradas por si. Livres dos espinhos, as folhas de jerumbebas podem ser cozidas inteiras e depois picadas e refogadas, ou cozidas em pedaços grandes para rechear com queijos (nopales rellenos, inspiração mexicana para a receita que apresento aqui), ou em bastões para fazer saladas com tomate, cebola, coentro, pimenta ardida e queijo fresco. As raquetes, em vez de cozidas, podem ser grelhadas na brasa e servidas com molho bem apimentado. Ou ainda preparadas  em sopas, pães, bolinhos e tantos outros pratos. Agora, jerumbebas são tão versáteis que basta pensar em qualquer preparo com hortaliças para saber que poderá criar uma versão similar com suas folhas.  

Como se livrar dos espinhos
Para colher as folhas, use sempre luvas grossas ou, tendo maestria com uma tesoura de podas, é só cortá-las na base e recolher direto numa cesta. Escolha folhas jovens que não tenham sobre si outros brotos. Para tirar os espinhos, passe uma faca deitada sobre toda a superfície e lave. Uma forma mais fácil é segurar a raquete pela base ou com uma grande pinça e sapecar os dois lados na chama do fogão. Depois, é só passar uma escova debaixo da água para livrar as folhas dos espinhos queimados. O mesmo vale para os frutos. 

Folhas de jerumbebas recheadas

6 folhas jovens de jerumbeba (palma, nopal) com cerca de 15 centímetros cada
100 g de queijo de leite cru um pouco curado cortado em 6 fatias
1 xícara de farinha-de-trigo (para empanar)
3 ovos (clara e gema separadas)
1/2 colher (chá) de sal
1 pitada de pimenta-do-reino
2 xícaras de banha ou óleo vegetal para fritar
3 xícara de molho de tomate bem apimentado

Lave bem as folhas já livres de espinhos. Corte cada folha em 2 quadrados de mais ou menos 7 centímetros. Coloque-os em uma panela, cubra com água e cozinhe por cerca de 5 minutos ou até que os pedaços estejam macios e tenham adquirido coloração verde-oliva. Escorra bem e faça sanduíches unindo 2 quadrados com recheio de uma fatia de queijo. Prenda com espinho de flor de laranjeira para o queijo não escorregar. Ou use qualquer palito. Passe o conjunto por farinha de trigo. À parte bata as claras em neve, junte as gemas, tempere com o sal e pimenta-do-reino e mergulhe aí os sanduichinhos de jerumbebas para que fiquem totalmente cobertos. Frite-os na gordura bem quente, tirando o palito com ajuda de um garfo, que empurra o conjunto para a panela.  Deixe dourar dos dois lados, escorra bem e coloque numa frigideira com molho de tomate. Deixe cozinhar mais 5 minutos e sirva com arroz.


Rende: 6 porções 

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