Colhi um pouco de araruta no sítio e aproveitei pra voltar a falar dela, desta vez na coluna do Paladar de ontem. As batatas de couve-rábano também colhi e volto a falar delas depois. Para quem não viu o Estadão, o texto está também no blog do caderno. Veja os links abaixo.
NHAC!
Toda araruta tem seu dia de mingau
Receita: Gratinado com araruta
E aqui também vai a versão integral:
Toda araruta tem seu dia de mingau
Por Neide Rigo. Coluna Nhac. Caderno Paladar
Entre os vegetais, a araruta é o equivalente à cabeça de bacalhau - todo mundo sabe que existe, mas ninguém vê. Pelo menos nos dias atuais. Do rizoma desta planta se extraí uma fécula finíssima usada abundantemente no passado para biscoitos, brevidades e mingaus, da qual sobrou hoje apenas uma fina poeira, afinal este é um ingrediente que sofre sério risco de desaparecer e já não é mais encontrado no mercado. Quando você encontra um pacote como o nome de araruta ou ararutinha no rótulo, custando duas vezes mais que polvilho de mandioca, e confere a lista de ingredientes, está lá: “fécula de mandioca”, ou seja, o mesmo polvilho de mandioca pelo qual poderia pagar a metade. Ou, pior, esta informação não aparece no rótulo, mas, se você liga para o serviço de atendimento ao consumidor da empresa e inventa que sofre de alergia mortal à mandioca, o impostor confessa rapidamente. “Bem, veja bem, é amido de mandioca, mas a araruta está em falta e o polvilho tem o mesmo comportamento” é o que costumam dizer. Então, se você não sabe reconhecer o pó de araruta, desconfie sempre.
NHAC!
Toda araruta tem seu dia de mingau
Receita: Gratinado com araruta
E aqui também vai a versão integral:
Toda araruta tem seu dia de mingau
Por Neide Rigo. Coluna Nhac. Caderno Paladar
Entre os vegetais, a araruta é o equivalente à cabeça de bacalhau - todo mundo sabe que existe, mas ninguém vê. Pelo menos nos dias atuais. Do rizoma desta planta se extraí uma fécula finíssima usada abundantemente no passado para biscoitos, brevidades e mingaus, da qual sobrou hoje apenas uma fina poeira, afinal este é um ingrediente que sofre sério risco de desaparecer e já não é mais encontrado no mercado. Quando você encontra um pacote como o nome de araruta ou ararutinha no rótulo, custando duas vezes mais que polvilho de mandioca, e confere a lista de ingredientes, está lá: “fécula de mandioca”, ou seja, o mesmo polvilho de mandioca pelo qual poderia pagar a metade. Ou, pior, esta informação não aparece no rótulo, mas, se você liga para o serviço de atendimento ao consumidor da empresa e inventa que sofre de alergia mortal à mandioca, o impostor confessa rapidamente. “Bem, veja bem, é amido de mandioca, mas a araruta está em falta e o polvilho tem o mesmo comportamento” é o que costumam dizer. Então, se você não sabe reconhecer o pó de araruta, desconfie sempre.
Primeiro, que o comportamento não é o mesmo. A araruta faz um mingau menos visguento, mais macio e deixa biscoitos mais crescidos e crocantes. E se estão vendendo uma coisa pela outra, e nada contra o polvilho de mandioca, deveriam ao menos cobrar o mesmo preço, mas a falsificação é mais cara.
Está certo que uma verdadeira araruta hoje custa bem mais que o dobro do polvilho de mandioca (cerca de quarenta reais o quilo), mas, pela raridade e apreço, o uso já não é o mesmo do passado. Minha mãe conta que quando sua família ou seus avós se mudavam, sacos enormes de polvilho de araruta faziam parte da provisão e ele servia para alimentar a família no café da manhã com biscoitos e papas, numa época em que o trigo era artigo raro. Hoje, no mundo todo, o uso da araruta é mais parcimonioso, mais para fazer cobertura transparente para tortas de frutas ou espessar molhos como os da culinária chinesa, por exemplo.
Agora, nem toda arrowroot pode ser traduzida como nossa araruta. Estudiosos acreditam que esta que conhecemos e que é considerada como a verdadeira, Maranta arundinacea, da família das marantáceas, tenha seu centro de origem no continente sul-americano, sendo encontrada em estado silvestre nas florestas venezuelanas. Entre os índios aruaques, era conhecida como aru-aru, ou alimento dos alimentos e esta é só uma das explicações para o nome. E servia não só para comer mas também para curar feridas por flechas envenenadas, mordidas de cobras e picadas de insetos. Já o nome em inglês, arrowroot, denomina mundo afora não só a raiz dos aruaques mas também a fécula de outras plantas amiláceas tropicais, como Curcuma angustifolia, a Cana indica, a Zamia pumila, a Zamia integrifolia e a Pueraria lobata. As féculas destas, sim, têm performances parecidas com a da nossa araruta.
Apesar da perda de espaço para outros amidos mais fartos, como o de milho e o de mandioca, a araruta ainda tem defensores ardorosos entre consumidores, chefes e produtores. Já vi pequenas produções na Bahia, no Espírito Santo e em Minas Gerais, mais pelo prazer de não deixar a cultura morrer, que propriamente pelo lucro que ela representa.
A planta é ornamental e produz, em touceiras na superfície do solo, os rizomas que são colhidos anualmente. Eles são cônicos, segmentados, têm pele lisa e brilhante de cor de marfim quando despidos de uma película marrom que os recobre . A polpa é fibrosa, mas quando jovens os rizomas podem ser usados como batata. Há também uma variedade esférica chamada ovo-de-pata.
No processo de extração da fécula, a araruta é ralada ou triturada com água até soltar o líquido leitoso que é peneirado para separar a fibra e deixado em repouso para sedimentar a fécula, amido, polvilho ou goma, nomes dados para esta porção carboidrato da planta . Depois de algumas horas, o líquido excedente pode ser desprezado, sobrando apenas o amido que é seco e transformado em pó. Este mesmo processo, para pequenas quantidades, pode ser feito em casa usando liquidificador e o amido, seco ao sol. Quando a produção se dá em escala maior, a secagem é feita na sombra e em ambiente protegido.
Se você quiser comprar o polvilho, procure casas de produtos naturais, feiras de produtores e até via facebook. Wagner Finotti, por exemplo, é um pequeno produtor de Uberlândia-MG que cultiva a planta e vende o polvilho de araruta em sua página “chacaraparadisouberlandia”. Já visitei plantações em Conceição de Almeida, no Recôncavo Baiano, num dia de campo da araruta, e um dos produtores, Pedro Coni, também atende por email (saboresdeararutas@gmail.com) e entrega por correio. Ambos produtores vendem ainda mudas para quem quiser cultivar.
Ultimamente as embalagens diminuíram de tamanho já que o produto passou a ter mais indicação como espessante. É usado quase como uma especiaria, sendo um ótimo substituto do amido de milho pois espessa em temperatura mais baixa, fica mais transparente e é insípido. Aliás, o polvilho de araruta substitui com vantagens qualquer amido usado para engrossar molhos. Até a farinha de trigo do bechamel para gratinar pode ser trocada pela araruta. E se tiver em mãos a própria raiz fresca poderá extrair o amido na hora, junto com o leite ou líquido que vai ser usado, como na receita que dou a seguir. Fiz um gratinado comum com as batatas de couve-rábano, mas usei um pedaço de araruta em vez da farinha na hora de fazer o molho.
Às vezes, especialmente no inverno, encontro ararutas no bairro da Liberdade, mas nunca ouvi dos vendedores o nome certo. Dizem apenas que é batata chinesa, um nome genérico para várias raízes e tubérculos nos mercados asiáticos. Se tiver o formato e o jeito de araruta, pode comprar que é ela. Dura alguns meses na cesta até começar a brotar. Se isto acontecer, é só deitá-la num vaso e cobrir com 10 centímetros de terra para ter novas ararutas quando as folhas murcharem. E assim não deixamos a araruta morrer.
Algumas dicas
- 1 colher (sopa) do pó de araruta equivale a aproximadamente 50 g do rizoma (bata no liquidificador com parte do líquido frio da receita e passe por peneira antes de levar ao fogo).
- 1 colher (sopa) de pó de araruta pode substituir a mesma quantidade de maisena ou de polvilho. Para substituir a farinha de trigo, troque 1 colher (sopa) desta por 2 colheres (chá) de araruta.
- Se estiver usando o pó, não se esqueça que, do mesmo modo que a maisena, a araruta deve ser diluída em líquido frio antes de ir ao fogo.
Couve-rábano gratinada com araruta
6 batatas pequenas de couve-rábano
Meio litro de leite
1 colher (chá) de sal
1 pitada de noz moscada
50 g de rizoma de araruta descascado e picado
2 colheres (sopa) de manteiga
6 colheres (sopa) de queijo da Canastra meia-cura ralado
Descasque e corte em rodelas as batatas de couve-rábano. Coloque numa panela, cubra com leite, tempere com sal e noz moscada e leve ao fogo baixo. Deixe cozinhar por cerca de 25 minutos ou até as rodelas estarem macias. Escorra o leite e meça uma xícara (se faltar, complete com água). Espere amornar e coloque no liquidificador com a araruta. Bata bem até ela ficar triturada. Passe por peneira fina e leve este leite ao fogo junto com metade da manteiga. Cozinhe, mexendo sempre, só até engrossar. Prove o sal e corrija, se necessário. Unte uma forma refratária com a manteiga restante e coloque as rodelas de couve-rábano. Despeje o molho por cima e polvilhe o queijo ralado. Leve ao forno quente e deixe até o queijo ficar dourado.
Rende: 6 porções