Minha coluna publicada ontem no Paladar está também no site do caderno: http://blogs.estadao.com.br/paladar/o-doce-poder-do-sabugueiro/
Mas colo aqui meu texto com mais fotos:
Assim como muita gente, eu conhecia o sabugueiro apenas por suas competências fitoterápicas e como aromatizador de bebidas alcoólicas, conferindo certo amargor e perfume de mel. Mas recentemente um novo mundo se abriu com a descoberta de uma árvore perto de minha casa e com o primeiro gole de um cardeal feito por mim com suas flores.
Cordial é um xarope ou simplesmente um concentrado de flores ou frutos para diluir como refresco. Foi o que fiz, meu próprio cordial. Tudo começou com a tentativa de imitar o conteúdo da garrafinha que ganhei da artista Daniela Brasil, de volta a este seu país natal representando a universidade de Graz, na Áustria, onde trabalha, para participar da última bienal de arquitetura em São Paulo. Numa troca de gentilezas e sementes, acabei ganhando um artesanal holler minz, como marcava o rótulo da garrafa escrito à mão. Holler minz é o xarope da flor com menta. Os austríacos são fascinados por esta bebida. Cheguei em casa, diluí umas duas colheres num copo de água gelada e fiquei tão maravilhada com o refresco que resolvi pesquisar mais a respeito frequentar o sabugueiro do bairro toda semana. Fiz muitos concentrados de flores até que chegassem as pequenas bagas, como um grande cacho de uvas pretas minúsculas. Como pude passar tantas vezes por estas preciosidades sem dar atenção?
Um cacho pode chegar a quase um quilo |
Se ainda não ouviu falar, logo elas estarão por aqui. As elderberries e elderflowers foram desde a antiguidade produtos estimados da espécie Sambucus nigra na Europa central e meridional, assim como a S. peruviana nos Andes e a S. australis, nativa do sul do Brasil – todas são muito parecidas, recebem os mesmos nomes populares e apresentam as mesmas propriedades e usos. As diferenças são morfológicas e discretas. Porém, as frutinhas tem virado nova febre na Europa como alimento funcional – espere acabar a onda da gojiberry, da blueberry, da cranberry, e logo aparecerão oportunistas oferecendo elderberries como a panaceia da vez. Pós, pílulas, pastilhas. Não acredite em tudo.
É claro, é ótimo saber que além de gostoso um alimento é tão benéfico. Se você for a um buscador mais sério como Pubmed ou Scielo e procurar pelo nome científico, vai encontrar muitas referências sobre seus componentes e benefícios preventivos e curativos. E já adianto que para gripe e doenças do aparelho respiratório não há remédio igual. Mas, exageros à parte, o bom é saber que temos sabugueiro por aí, tanto da espécie europeia quanto da nativa, e podemos ter para a colheita outros projetos que não a expectativa única como alimento messiânico. O xarope amarelado e límpido das flores e o rubro denso da bebida feita com os frutos são uma alternativa prazerosa aos sucos concentrados e groselhas artificiais.
As flores miúdas são brancas cerosas agrupadas num arranjo de buquê de noiva. Elas têm um perfume forte de mel combinado com algo de abacaxi que se mantém no xarope. E os frutos ao natural, para falar a verdade, são um pouco insípidos, não muito diferentes de uma maria-pretinha, inclusive no aspecto. Mas o sabor, ligeiramente resinoso e amendoado, se ressalta com a combinação de calor e açúcar. A polpa, suculenta e tinta a ponto de manchar de vermelho os dedos, coberta com película fina, parece preta de tão escura, mas a cor é vinho forte como amoras, cheias de antocianinas, um potente antioxidante, é bom lembrar.
Estamos em plena safra dos frutos, mas você não deve encontrá-los à venda. Fique atento às árvores das ruas e parques e não se arrisque se não tiver certeza. Há uma espécie parecida Sambucus ebulus, que tem flores e frutos tóxicos. Para diferenciar, saiba que esta espécie tem forma arbustiva enquanto o sabugueiro é uma árvore com cerca de 4 metros ou mais, dependendo da origem. E as brancas flores do sabugueiro têm filetes e anteras amarelos enquanto na espécie tóxica as flores são brancas mas com estes detalhes em vermelho.
Mesmo no caso do sabugueiro, tanto o nativo quanto o europeu, nem frutos nem flores devem ser ingeridos crus – a não ser em pequenas quantidades. E as sementes, mesmo cozidas, devem ser evitadas. É que, como as amêndoas amargas ou mandiocas bravas, a planta toda contém um glicosídeo cianogênico que pode ser tóxico a depender da quantidade. Felizmente o calor inativa este poder.
Para colher as flores, comece a olhar as árvores no final da primavera, mas ainda agora, no meio do verão, algumas árvores podem ter cachos de flores e frutos. Com a colheita em mãos você poderá preparar os concentrados para usar em drinques e refrescos ou fazer infusões, sopas com os frutos e maçãs (sopa de sauco, como fazem argentinos), tortas com flores e frutos, geleias, doces em pasta ou compota, caldas, sorvetes ou as flores empanadas e fritas servidas com açúcar (fritelle di fiori di sambuco dos italianos).
Se quiser mergulhar neste mundo sabugueirístico, invista em saber o nome da planta na língua de outros países que sabem mais que nós sobre o uso da planta para fins recreativos na cozinha. Saúco, sabugo, canillero, süc, bonarbre, sauko, sarets, txotixika, sureau, grand sureau, sambuquier, sue, black elder, european elder, pipe tree, bour tree, vlier, holunder, flieder, schwarzer holunder, sambuco, zambuco, sambrugo, saugo, nebbli, savucu, sabugueiro-do-rio-grande, são apenas alguns.
Algumas dicas
Se não conseguir muitos frutos de uma só vez, vá acumulando os cachos no freezer e quando tiver uma boa quantidade, faça um xarope para conservar.
As frutinhas congeladas se soltam facilmente do cacho.
Com as flores vá fazendo pequenas quantidades de concentrado com os cachos que consegue colher. É só usar um vidro pequeno e encher de flores sem os talos.
Um jeito fácil de separar as minúsculas flores ou os frutos do cacho é usar um pente de aço, daqueles de segurar cebola para cortar fatias.
Outro jeito de conservar os frutos é secá-los. Desidratados, podem ser usados em chás combinado com outros aromas como casca de tangerina, gengibre, hibiscos e canela.
Mas aqui o jeito de fazer os concentrados:
Já fiz com vidros de vários tamanhos, dependendo da quantidade de flores que consigo |
Aqui, o sol era tão forte que coloquei água fria e logo ela chegou a 47 graus |
Xarope de flores de sabugueiro: separe as flores do cacho e coloque-as num vidro de tamanho proporcional à quantidade que tem, de modo a quase preenchê-lo. Introduza, encostados ao vidro, duas fatias de limão e 2 centímetros de fava de baunilha para cada cacho de flor. Despeje água filtrada a 40ºC, tampe o vidro e deixe no sol durante dois dias. Sob sol forte a temperatura se mantém em 40 graus ou mais durante o dia. Coe, meça o líquido e junte a mesma quantidade de açúcar. Leve ao fogo e deixe ferver por cinco minutos ou até ficar com consistência de xarope fraco. Junte uma colher (chá) de suco de limão (quantidade por cacho), engarrafe e guarde na geladeira. Na hora de usar, basta diluir a gosto com água gaseificada ou não, gelo e fatias de limão. Use também como calda, base para sorbet ou composição de drinques – com gim, gelo e limão, por exemplo.
Xarope de bagas de sabugueiro: junte 1 kg de frutos, enxague e coloque numa tigela de vidro. Coloque água que cubra, espere 15 minutos e leve ao fogo. Ferva por cinco minutos, juntando mais água se for necessário para que os frutinhos fiquem sempre cobertos. Passe por peneira pressionando bem (pode usar espremedor de batatas), junte 200 g de açúcar e leve ao fogo. Quando o açúcar derreter, basta engarrafar e guardar. Também pode ser diluído com água para fazer refresco ou usado como calda ou com bebida alcoólica.