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Caferana. Resposta à charada

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Hoje tem coluna minha no Paladar. Amanhã reproduzo aqui com mais fotos e mais detalhes.

A verdade é que quem respondeu conhecia a frutinha. Até parece que é uma fruta popular, mas não é, não. Nem nas terras de origem. O alto índice de acerto tem a ver com a inconfundibilidade da fruta. Quem conhece, conhece. Difícil confundir. Só eu com os nomes. Já explico.

Caferana é a resposta à charada. Ou não, afinal caferana pode nomear fruta de outra espécie. E a mesma espécie pode receber nome de outras frutas. Cereja, ameixa do peru, cereja espanhola, ameixa, cereja, fruta manteiga de amendoim, caferana e até falso guaraná. Não, não vamos chamá-la de falso nada. Nenhuma espécie viva ou morta merece o desdém de ser chamada de falsa alguma coisa. Caferana pode confundir com outras espécies também. Porém, caferana é bonito, é facilmente associado a esta fruta e não corremos o risco de achar que seu mérito está em se parecer com guaraná, ameixa ou cereja. Agora, para não ter erro mesmo, basta chamá-la pelo nome de batismo, Bunchosia armeniaca. Da família da acerola.

Meu amigo Guilherme Ranieri, durante um passeio aqui no meu bairro para coleta de espécies alimentícias nas ruas, já havia me mostrado a árvore aqui na vizinhança. Ele logo se lembrou do nome, caferana, me mandou email, falou que havia experimentado ainda dura e que não era gostosa. E a conversa parou por aí. Não sei porque, cismei que a planta era a azeitona do ceilão e fiquei com este nome na cabeça, mesmo tendo o Guilherme me dito que não era.  No antigo sítio dos meus pais, em Fartura, havia uma árvore dessa entre os pés de café e também cheguei a provar um fruto duro, já com cor alaranjada. Não achei nada bom e nunca mais me interessei por ela. Desprezo total. Mas o tempo passou e eis que a fruta madura aparece a menos de cem metros da minha casa.  Nem sabia que de laranja a fruta passava a vermelho. Nunca tinha tido a felicidade de encontrá-la em tal estado de graça.

Tudo aconteceu quando na última sexta-feira minha vizinha Ana me convidou para ir colher folhas de mamão na praça para fazer aquele defensivo que mostrei aqui (ela está usando no solo para uma praga nas suas flores e tem dado certo). Na volta, avistei uma árvore no estacionamento do clube carregada de frutinhos vermelhos. Vamos lá comigo?, convidei Ana. Claro. Já cheguei colocando na boca a mais madura que encontrei. Ana fez o mesmo. O que é?, ela perguntou. Acho que é azeitona do ceilão, ignorando que o Guilherme já havia me contado. Aliás, aprendo muito com o Guilherme. Mas ele sabe tanta coisa que vou guardando aos poucos na medida em que me deparo com a coisa ou na justa necessidade do momento.

Ana havia levado um saquinho e fizemos a festa depois de provarmos e gostarmos. Ela foi mais rápida que eu na identificação do sabor: hum, tem gosto de amendoim. Poxa, é mesmo, um sabor suave de amendoim cozido, manteiga de amendoim, ficamos ali divagando e colhendo.

Juliana Valentini, do viveiro Oiti e do blog De Verde Casa é outra que vive me acudindo.  Chegando em casa mandei fotos pra ela dizendo que havia comido azeitonas do ceilão maduras. Tem fotos das flores?, ela perguntou. Sim, mandei. Então não é azeitona do ceilão, mas Bunchosia armeniaca (ela nunca fala o nome popular, vai direto à identidade botânica).  Confusão desfeita, pesquisas, pesquisas e a surpresa do nome em inglês, peanut butter fruit (fruta manteiga de amendoim). A partir daí foi só alegria de saber tanta coisa da fruta tão nutritiva e descobrir tantas possibilidades.  Os nomes populares brasileiros e estrangeiros do tipo falso isso, falso aquilo, ameixa aquilo, cereja aquilo outro, peanut butter etc nos costumam levar à exaustão quando se quer saber exatamente do uso daquela fruta na cozinha. Já a descrição botânica e composição química e nutricional, por exemplo, são mais fáceis porque leva em conta o nome científico que é um só.  De minha parte, não erro nem confundo mais.

O que fiz, então, foi explorar por conta própria a fruta de acordo com o que ela oferecia. Cor vermelho forte, doçura, sabor de amendoim, textura de doce de feijão, como disse o leitor David.  De fato, o fruto verde não tem graça. Cheguei a cozinhá-lo com sal para ver se era comestível, mas não gostei. Tem sabor um pouco amargo.

Bem, a fruta não é nossa, nativa, porém, vem de próximo. Dos Andes da Colombia, Equador, Peru, Bolívia. E se dá muito bem por aqui. Estamos em plena temporada de flores, frutos verdes e maduros.

As folhas lembram as de café, talvez daí o nome caferana. As sementes gordinhas e pontudas ocupam grande parte do fruto. Um projeto de semente, como se fosse uma só que chapada, também ocupa espaço da polpa e não deve servir para nada. Às vezes o fruto se separa justamente entre uma parte mais fina com o arremedo de semente e outra com a semente fértil. A pele é super fina e sai fácil do fruto maduro, basta puxar com os dedos. É também comestível, nem precisa tirar.

É gostoso comer o fruto colocando-o inteiro na boca como uma azeitona (aliás, é um pouco maior que uma azeitona gorda) e tirando o caroço chupado. A massa lembra extrato de tomate e, como disse o Elson Elque na charada, pode ser usado como tal (o leitor conta que a tia, na Bahia, fazia o extrato da fruta e usava em vários pratos).  Posso dizer que tive a mesma inspiração quando vi a massa que rendia.

Não é fácil separar a polpa do caroço pelo corte, mas se passar por peneira a polpa densa e macia  não oferece resistência. Outro jeito que dá certo é congelar a fruta e tirar lasquinhas. Fiz assim para bater com kefir - combina com ingredientes azedos, já que é como um caqui em matéria de acidez. Não se sente acidez alguma.  

Além do kefir batido, fiz a fruta dourada no azeite com flor de sal, no molho para o peito de pato e passado diretamente no pão com mel (assim como americano gosta de fazer com a verdadeira manteiga de amendoim). Achei tudo delicioso. No molho para o peito de pato, não dá pra dizer que não seja tomate, pois juntei um pouco de vinagre - uma certa acidez somada com a doçura e a cremosidade que lhe são próprias resulta num molho perfeito que substitui o de tomate facilmente - o sabor de amendoim desaparece quando combinado com outros elementos pois é muito sutil.

Agora que já dei a ficha, dê uma olhada nas calçadas do seu bairro. Por ser uma árvore muito ornamental, não é raro encontrá-la por aí manchada de flores amarelas e frutos verdes, laranjas e amarelos.  Você vai reconhecer pelo biquinho, pela cor e pelo sabor. Mas veja aqui todas as fotos que tirei para não ter dúvidas. E explore você também os usos desta fruta tão pouco valorizada mesmo nos países de origem.

Vermelhos assim: delícia!
Verdes e verdolengos, ainda que coloridos, não são gostosos não.

As sementes verdes com biquinho colorido


A primeira experiência. Congelada, no kefir




Apenas dourada no azeite e polvilhada com flor de sal.  Passe no pão e nhac!






Pode ser passada no pão como geleia, sem mais nada

Ou misturada com mel ou geleia de frutas como se fosse uma verdadeira
manteiga de amendoim 
Cor de laranja mas ainda imatura. Não é gostosa, não. Nem crua nem cozida.
É como um tomate cremoso. A pele sai fácil mas nem precisa tirar pois não
ofende

As sementes podem ser separadas na peneira usando uma espátula. A
polpa é cremosa e pode ser usada em molhos doces ou salgados, sorvetes,
vitaminas, doces, geleias, mingaus etc.

Lembra extrato de tomate. Certamente rico em licopeno


Usado como polpa ou extrato de tomate 
Pronto, fica com esta textura. Serve como base para pratos com carne ou
massa.



Com peito de pato 




Ana Campana colhendo comigo 

A prefeitura fez uma poda para desestimular colheitas urbanas ... É a árvore
do meio, do lado direito da mais baixinha 

A planta com flores amarelas é decorativa
Porque fazem isto com as árvores? Aqui, no clube ACM, rodeada de asfalto
até o colo
Encontrei mudinhas prontas em volta da árvore




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