Está aí uma fruta que veio de longe. O Ficus carica viajou pra cá da bacia do Mediterrâneo, especificamente de Cária, região da Ásia Menor, daí o nome. Até hoje não comi figos tão bons quanto os que comi na Europa, duas vezes colhidos deliciosos diretamente das calçadas. São doces, mais densos na textura e mais concentrados no sabor. O que leva a concluir que não se deram tão bem por aqui. Agora, com este tempo seco, eles podem ficar melhor, mas ainda prefiro os verdes para fazer doce. Estes, sim, se comportam tão bem quanto os verdes de lá. São saborosos e conservam o aroma fresco e herbáceo das folhas frescas, mas ainda não têm a doçura da fruta fresca, que precisa vir do açúcar.
As minhas figueiras |
Já plantei duas figueiras no sítio e eles crescem bem com caules tortuosos e ramos frágeis. Percebi que o que está rodeado de outras plantas, num pequeno amontoado biodiverso, cresceu melhor e produziu mais frutos que aquele que está sozinho, sem companhia além das braquiárias da proximidade. As folhas protegidas estão bonitas, verdes e vistosas mesmo agora com a estiagem. Para quem nunca viu, elas lembram as da parreira e são tenras quando novas, tornando-se mais firmes e ressecadas com o tempo; são bastante perfumadas e liberam pigmento em contato com água quente (pigmento mais acastanhado) ou de um verde lindo em álcool, por isto podem ser usadas para aromatizar e aromatizar chás, licores, geleias e compotas (só não serve como bronzeador, pois provoca queimaduras graves na pele).
Na verdade, dentro dos conceitos botânicos, o figo não é exatamente um fruto, mas um sicônio, resultado de uma inflorescência em que o receptáculo se espessa envolvendo as centenas de flores, que ficam agrupadas no centro. No figo verde é muito fácil ver estas minúsculas flores no miolo (quando o fruto amadurece, elas ganham o aspecto de sementes). Depois de cozido, o figo se torna inteiramente verde e algo translúcido. Se for cozido em tachos de cobre, a cor fica ainda mais viva.
Estes verdes da minha compota não são de minha produção, ainda pequena, mas ganhei do caseiro, que trouxe da casa de alguém da cidade, que tem uma figueira muito produtiva no quintal.
Carlos chegou com um saco cheio das frutas bem frescas com a proposta de que eu preparasse-os em calda e desse a metade para ele. Sinceramente não estava com muito tempo, mas não tive escolha, afinal não ia deixar estragar essas preciosidades.
Minha mãe sempre fez compota de pêssego verde e também do figo, antes que os passarinhos acabassem com as frutas maduras. Para os dois, o processo de tirar a pele é o mesmo. Ferver, deixar no freezer e um dia depois limpar as frutas congeladas sob água corrente, puxando a pele com as pontas dos dedos. As frutas despeladas assim, puxando a pele, ficam lindas, mas no caso do pêssego prefiro começar e terminar o doce no mesmo dia e então prefiro descascar as frutas uma a uma. E no caso do figo não acho necessário tirar a pele. Gosto da textura dela, como se fosse uma frágil cápsula que rompo com os dentes para atingir a polpa macia, translúcida, perfumada e doce. O preparo fica muito mais fácil e o resultado nada a dever aos figos pelados.E tanto na compota de pêssego quanto na de figo, nada de cravo, canela, casca de limão, que é pra sentir o perfume das próprias frutas que já são suficientemente complexos.
Só tome cuidado para não mexer com os figos embaixo de sol, pois podem queimar a pele. E se tiver algum machucado nas mãos, use luvas quando estiver cortando as pontas, pois a seiva contém ficina, uma enzima proteolítica como as que encontramos no mamão, no kiwi e no abacaxi – ela agride ainda mais ferimentos expostos. Então, à receita.
Compota de figo
Como fiz: lavei bem os figos, cortei a pontinha, fui deixando-os imersos em água fria e furei todos com o garfo, para que a calda entrasse. É a parte mais trabalhosa, mas necessária para que fiquem encharcados com a calda. Escorri, coloquei numa panela grande, cobri com água e aferventei por 10 minutos. Joguei a água fora, coloquei outra água quente e fervi por mais 10 minutos, para tirar o amargor. Pesei as frutas antes de cozinhar: 1,2 kg. Coloquei, então, as frutas ainda quentes numa panela com a mesma quantidade de açúcar . Cobri com água fervente e levei ao fogo para cozinhar por cerca de 2 horas em fogo baixo ou até que ficassem bem macias, sempre completando a calda com mais água quente à medida que secava. Neste tempo, retirei de vez em quando um pouco de espuma que subia à superfície. Quando os figos estavam macios, deixei a calda reduzir um pouco para ficar na consistência de um xarope brilhante. Enquanto isto, esterilizei os vidros onde os figos seriam acomodados (basta colocar tudo numa panela, cobrir com água fria e levar ao fogo; depois que ferver, conte 15 minutos, desligue o fogo e escorra). Coloquei os figos ainda quentes dentro dos vidros também quentes. Cobri com pano, esperei esfriar, tampei, dei a parte prometida ao Carlos, presentei amigos e o resto, nhac, gelado, com creme. Experimente colocar fatias finas em sanduíches com folhas, presunto e algum queijo cremoso.
Obs: figos verdes pré-cozidos e embalados à vacuo podem ser encontrados em supermercados e sacolões.