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Fortaleza: cidade 2000

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Em menos de 24 horas fui duas vezes ao bairro Cidade 2000, em Fortaleza. A primeira foi com Hermano, professor na faculdade de gastronomia da Universidade Federal do Ceará. Enquanto esperávamos Manoela chegar da Faculdade na noite da tapioca, para eu não padecer de sono - estava cansadíssima depois de um dia batendo perna-, ele me levou ao bairro 2000, que é próximo de onde mora, no Cocó, para eu conhecer a feirinha na praça central, que acontece todas as noites. 

Fiquei impressionadíssima de ver em plena semana, até dez horas da noite, a praça cheia de moradores locais - e barraqueiros também do bairro. Com barracas de tudo quanto é comida de rua: pastel, cachorro quente, acarajé, tapioca e até tacacá. Não vi ninguém com cara de turista - eu mesma, branquela, de roupa comportada, tênis, um turbante na cabeça e tirando foto de tudo, passo facilmente por uma nativa. Segundo Hermano, as pessoas que estão ali moram nas ruas em volta da praça. 

Carminha vende acarajé por senha 
O bairro começou a partir de um conjunto habitacional popular inaugurado nos anos 70, de modo que,  ainda que hoje as casas sejam todas descaracterizadas segundo o conceito original, o planejamento das ruas se manteve com a praça no centro como um ponto de encontro de moradores. É ali que as coisas acontecem longe do circuito turístico. Os moradores vão ali pra comer algo e tomar uma cerveja ou um refrigerante,  ou simplesmente para se encontrar com os seus vizinhos e passar horas boas ali espairecendo. Todos ali pareciam velhos conhecidos. E são.  Mesmo fora da praça, as ruas que dão para ela são movimentadas, com gente nas calçadas, cadeiras pra fora, crianças brincando, televisões desligadas, uma alegria só. Imagino que possa haver problemas com som alto e algazarras, mas devem ser pontuais e aos finais de semana, pois às 10 horas da noite toda a feirinha é desmontada.  Até este horário, Carminha,  a sergipana em Fortaleza, vendeu muitos acarajés baianos. Vende tanto, e são tão bons, a meros três reais cada,  que Carminha já ficou rica. Algumas vezes por ano se ausenta pra tirar uns dias na Argentina ou em Miami. E se orgulha de dizer que já saiu em muitas reportagens de tv e viaja porque precisa gastar o que ganha. Por aí, imagine o movimento diário desta praça.  

Brasilândia hoje : a rua onde eu morava. Ao fundo, um resto
de Serra da Cantareira 
Agora eu não entendo porque a maioria das praças Brasil afora e, principalmente as de São Paulo, ficam às moscas, e por que não há praças na periferia. Quando eu morava na Brasilândia, nossa praça eram terrenos baldios que ainda haviam - hoje, nem isto mais. E haviam os quintais com jardins ou de terra pra brincar. Para inviabilizar ainda mais a convivência fora de casa, as calçadas são estreitíssimas e as casas avançam até a frente com garagens fechadas para proteger os carros, úteis para quem pode fugir dos ônibus superlotados, demorados ou ausentes (todo apoio ao movimento que irrompe por aqui!).  

Este exemplo da cidade 2000 deveria ser modelo. Praça é pra ser assim, cheia, de uso comum. A vida urbana ficaria muito mais leve, humanizada, menos estressante e mais segura. Só sei que comi um enorme acarajé,  voltei pra casa do Hermano pra comer tapiocas, e dormi pensando nisto. Adorei conhecer este lado quente de Fortaleza não turística, longe do frios dos ares condicionados. 

A segunda vez a visitar a cidade 2000 foi logo na manhã seguinte. Peguei o mesmo taxista a quem havia perguntado no dia anterior onde havia uma feira. Ele tinha dito que só nos bairros, mas na sexta não sabia de nenhuma. Ia tentar descobrir. Então naquela manhã ele se lembrou que era lá mesmo na cidade 2000. E fomos nós, conversando até lá. Foi um excelente guia, e ainda me esperou. Era uma feira simples, pequena, e se eu fosse mais atenciosa talvez me lembrasse de alguns dos frequentadores da feira noturna perto dali. De diferente das feiras de São Paulo,  as bancas de carne fresca, o coador de pano com pauzinho de marmeleiro, o  feijão de corda debulhado na hora, o abacaxi pequeno custando 1 real,  uma fartura de limões galegos verdes e maduros, e nata vendida em saquinhos amarrados. De qualquer forma, ainda que não fosse tão diferente das que conheço, ir a feiras em lugares novos é fundamental, sempre acrescenta algo.  

Algumas fotos com luz de toldo amarelo, rosa, de todas as cores: 





Coador com pau de marmeleiro e vassourinha de fibra natural

Limão galego maduro e verde


Feijão de corda

Nata no saquinho



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