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Frutos do Pará

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Tanto em Belém, especialmente no Mercado Ver o Peso e redondezas,  quanto na Ilha do Marajó, as frutas estão por todo canto, nas bancas, nos bancos, encostadas aos postes, carregadas nos carrinhos e nos quintais, ainda por colher ou caídas sob as árvores. Toma-se muito suco, de taperebá, de caju, de abacaxi, de cupuaçu, de gabiroba, cajá e tantas outras. E estão ainda na refeição principal quando uma bacia de açaí acompanha o peite frito ou assado. 

De um modo geral a população de homens e mulheres está mais gorda que da primeira vez que estive lá na primeira edição do Festival Ver-o-Peso da Comida Paraense, no ano 2000. Não fosse tanta comida industrializada e em proporções descomunais, ou talvez o excesso de cerveja, de refrigerantes e tonelada de açúcar nos sucos, poderia se dizer que o paraense tem tudo para comer bem: boas farinhas, açaí puro, peixes excelentes, tucupi, castanhas, cocos de todo tipo dos quais se aproveitam a polpa crua ou cozida, as amêndoas e o óleo.  E os frutos, que estão aqui pra não me deixar mentir. Já falei outras vezes deles e do mercado Ver-o-Peso. Por isto, seguem apenas fotos que fiz em Belém e Ilha do Marajó para você ficar com vontade de ir ver e provar de perto. 


Biribá

Cacau e açaí

Cacau e cupuaçu

Coco dourado

Biribá, jambo, cupuaçu, abacaxi, ingá chinela, abiu

Biribá, cacau, sapoti

Cacau

Ingá chinela

Dona Mariquita em sua banca de frutas no Ver-o-Peso

Limão

Pupunha

Biribá

Castanha amazônica

Inajá

Jenipapo

Pupunha

Banana da terra e pupunha 

Bacuri 

Cajá 

Mamão amarelo

Pitombinha

Goiaba 


O que você comia e não come mais? A Arca do Gosto do Slow Food.

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A Arca do Gosto é um importante projeto do Slow Food que tenho orgulho de já ter participado como membro da Comissão Nacional. Ainda é pequeno o catálogo brasileiro de produtos protegidos pela Arca, mas os que deveriam estar lá são muitos,  e você pode ajudá-lo a crescer fazendo indicações. Veja no vídeo como fazer isto.  Se quiser  usar este blog como intermédio, indique aqui e eu levo adiante.  Mas, assim, de cabeça, lembra de alguma coisa que sua mãe, sua avó, sua bisavó ou você comia e não vê mais por aí?

Saiba mais aqui: www.slowfoodbrasil.com/arca-do-gosto

Peixes do Pará. E outros aquáticos

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Ovas de gurijuba 
As coisas por ali são regidas pela água e os peixes de mar e de rio estão presentes desde o café da manhã, como pude comer logo cedo no mercado Ver-o-Peso, com farinha e açaí. Além dos fresquíssimos peixes do mercado, há ovas e produtos secos como peixe pirarucu e ainda crustáceos, como o mini camarão aviú, e a farinha de peixe seco e desfiado chamada de Piracuí.

Em 2008 já postei aqui alguns desses peixes. Você pode conferir aqui: http://come-se.blogspot.com.br/2008/03/nomes-e-preos-de-peixes-amaznicos.html. E ali: http://come-se.blogspot.com.br/2008/04/peixes-amaznicos.html. Por isto, deixo aqui apenas algumas fotos.

Filhote

Gurijuba

Filhote

Pescada Amarela

Pescada branca

Pescada Gó

Piracuí 

Aviú

Camarão seco, piracuí e aviú 


Dourada 

Pirarucu 

Pitu


Pratiqueira 

Pratiqueira 

Tamuatá 


Tucunaré 



Verdes e temperos do Pará

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No mercado Ver-o-Peso, em Belém, é possível fazer um retrato da comida paraense e de seus temperos. Muito peixe, mas muita carne também, mandioca, camarão seco, muita farinha, castanhas, coco, abóbora, batata-doce, limões, pimentas, chicória (não a chicória almeirão, mas o coentro de pasto, coentrão, da família do coentro mesmo), cebolinha, coentro, alfavaca, cariru,
 jambu - a erva que anestesia a boca, tucupi e frutos regionais como graviola, cajá, taperebá, pupunha, inajá, cupuaçu etc. A priprioca, embora seja usada como aromatizante pelo Alex Atala, ainda não foi incorporada como condimento por ali, mas pode ser encontrada facilmente nas bancas de ervas para banhos e chás.  E de quase tudo ainda se encontram as sementes para comprar na banca do Seu Zé, no Ver o Peso.

Tudo isto já mostrei muito aqui no Come-se, das outras vezes que estive lá. Por isto só deixo aqui algumas fotos para quem está chegando agora.

Chicória ou coentrão e alfavaca ao fundo 

Jambu

Limão galego é o nome deste limão parecido com limão siciliano

Priprioca 

Pimenta murupi

Alfavaca

Tucupi
Mulher triturando folha de mandioca para a maniçoba 
Folha de mandioca triturada 



Cariru 
Banca de sementes, também no mercado Ver-o-Peso
É o amor. Quem quer comprar uma ilha bem pertinho do mercado?

Brasil verde e amarelo. Ela é brasileira, ela é multicolor

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Homem descascando mandioca no mercado  Ver-o-Peso, em Belém-PA


Caldo da mandioca que vai virar o tucupi

Folha de mandioca brava e mansa triturada para fazer maniçoba 

Farinha de mandioca amarela, em Salvaterra, Ilha do Marajó  - PA


Tucupi (o caldo isolado do amido/goma, temperado e fervido). Soure, Ilha do
Marajó - PA 
Passando a mandioca puba na urupema, em Salvaterra, Ilha do Marajó - PA



Arrumando o tipiti, pra espremer a mandioca - Salvaterra

Cozida, na folha de bananeira, entre os índios Guarani 
Cozida, multicolor 

Comendo e bebendo com os Castanhos

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Thiago na Cozinha
Filipe no salão - deu-nos uma prova de sua cerveja
Quem vai a Belém não pode escapar de comer a comida da família Castanho. Eu ainda não conhecia nenhum dos dois restaurantes da família, pois na última vez que fui a Belém só tinha o domingo, o Remanso do Peixe estava fechado e o Remanso do Bosque ainda não existia. Gentilmente Thiago convidou a mim, meu amigo Filipe Miguez e o editor da revista Saveur, James Oseland, para comer na casa dele com seus pais. E, claro, foi uma experiência sem igual.  Filhote, banana da terra e quiabo, tudo grelhado, tão frescos e tão deliciosos. Foi lá que comi um dos melhores açaís, e foi lá que descobri que açaí fresco tem gosto de azeite de oliva. 

A exemplo do Rodrigo, do Mocotó e Esquina Mocotó, Thiago e Filipe Castanho cresceram no restaurante do pai, estudaram e incrementaram o restaurante da família, sem descaracterizá-lo. E depois se viram instigados a fazer algo mais autoral - afinal, todo mundo quer ter suas próprias criações, experimentar e mostrar suas descobertas.  Hoje,  tanto um Remanso, o do Peixe,  mais simples, quanto o outro, o do Bosque, mais requintado, são locais que vivem cheios. Desta vez em Belém,  comi nos dois. No do Bosque, menu degustação com muita coisa diferente, da floresta, do mangue, do mercado, do mar, do Marajó. Thiago não tem medo de arriscar ao servir uma água tânica (cheia de taninos e não tônica)  dentro do próprio coquinho medicinal, o buçu - cujas palhas os ribeirinhos usam para cobrir casas e cabanas. Também não tem medo de misturar papel de arroz asiático com elementos regionais e inusitados como pupunha e farinha de pipoca, ou uma manga em tempero de ceviche com farinha de mandioca. Nem de servir seus pratos em recipientes rústicos. Já em matéria de risco, quem não quer ter nenhuma surpresa, pode ir sem medo ao Remanso do Peixe, pois a comida é sempre boa, bem temperada, conhecida e com preço acessível. Menu degustação não é pra comer todos os dias, é um acontecimento, uma performance, já a comida do Remanso é aquela que a gente quer repetir em toda refeição. 

Thiago também acaba de lançar um livro pela Publifolha, onde apresenta seu trabalho e de alguns colegas. Veja aqui. Embora os irmãos estivessem sempre juntos na cozinha, o empreendimento familiar acabou por fixar cada um deles numa área, de acordo com suas melhores aptidões, ao que parece. Assim, Felipe Castanho assumiu o salão e sua paixão pelas bebidas, em especial as cervejas que está aprendendo a fazer e que já se mostrou no caminho certo.

Algumas fotos dos pratos dos dois Remansos. 

Caldeirada, no Remanso do Peixe 

Pupunha em papel de arroz e farinha de pipoca - R.Bosque

Bolinho de Piracuí, R. do Peixe 

Musse de bacuri, no Remanso do Peixe 

Mujica de peixe, no Remanso do Peixe 

Bacuri com sagu de hibisco e jambo, no Remanso do Bosque

Pirarucu defumado, banana de terra

Queijo marajoara com mel de uruçu 

Cacau - fresco, preparado, do Combu 

As reservas, no Remanso do Bosque:  giz nas cumbucas de castanha.
Com as amigas Janaína Fidalgo e Luiza Fecarrota 


Ariá em caldo de milho assado (a própria batata crocante tem gosto de milho)
O melhor do dia, no Remanso do Bosque 

Beijus com manteiga de garrafa, no Remanso do Bosque 


Água de buçu, no Remanso do Bosque

Belém: No Ver-o-Peso tem boia boa

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Peixe frito com farinha, açaí branco e açaí preto. No Ver-o-Peso
Sumi um pouco, pois estes dias foram puxados. Primeiro estive com hóspedes gringos que vieram pra Copa - um casal fofo de americanos de São Francisco que virou amigo; depois, encontro do aikido no sítio e a curadoria que estou fazendo de um ciclo de atividades sobre comida no Sesc Belenzinho: Comer É Mais! Ontem começou com a aula da Mara Salles. Não consegui avisar e, também, logo lotou. Mas os demais encontros avisarei na página "Próximos passos".

As coisas vão acontecendo, mas não quero deixar de registrar pouco a pouco a viagem ao Pará. Façamos de conta que ainda estou em Belém. Logo vou pro Marajó, o que significa que os posts sobre a ilha começam amanhã.

Foto feita no final do jantar das Boieiras: Por Denise Araújo, do Blog Letras Saborosas

Para quem não acompanhou os relatos, fui ao Festival Ver-o-Peso da Comida Paraense a convite da organização do festival e da Embrapa. Falei de mandioca num fórum técnico sobre o assunto e cozinhei junto com a Deiseane, no fechamento do evento que foi o Jantar das Boieiras - as pessoas pagam um ingresso e ganham bilhetes para comer nas diversas bancas comandadas por duplas, um chef e uma boieira, que neste dia cozinham juntas. Eu não sou chef, mas fui convidada para cozinhar também e não fugi ao desafio. Minha dupla, Deiseane Ferreira,  fez um delicioso risoto com o coquinho pupunha e, para completar, fiz uns "peixinhos" de folhas de mandioca mansa - a folha inteira cozida, empanada em massa de trigo e polvilho de mandioca e frita, que fica com formato de um peixinho. Muita gente repetiu. Agora, a muvuca maior mesmo foi em frente à banca do Alex Atala, por acaso ao lado da nossa. Depois dou a receita do peixinho aqui.

Outros chefs presentes formaram uma equipe de peso que você pode conferir na foto acima, entre eles, Henrique Fogaça, Janaína e Jefferson Rueda e Juarez Campos, só para citar alguns. Por aí, você imagina o que foi este grande jantar. Como fiquei fritando e servindo, não tive tempo de experimentar tudo o que foi preparado pelos colegas,  mas senti os perfumes e ouvi os bons comentários. Nem fotos consegui tirar, só uma. Por isto, recorro às fotos alheias.

A foto que consegui fazer do jantar: Deiseane servindo seu risoto. Alex Atala lá atrás causando.
Pena também que, como estava participando destas atividades e ainda havia muitos passeios gastronômicos programados, mal pude acompanhar as outras atrações do festival. Em compensação, aprendi bastante nas conversas paralelas e nas visitas. E sorte que a Denise Araújo, que vive em Roraima, fez uma cobertura mais completa de tudo e você pode ver no blog dela, o Letras Saborosas: http://www.letrassaborosas.com.br/2014/06/letras-saborosas-07062014.html.

Pere Planagumà e eu

Deiseana Ferreira e eu. Foto de Denise Araújo

Aliás, a foto minha com a Deiseane, aí em cima, é de autoria da Denise Araújo. A anterior, com o chef Pere Planagumà, do restaurante Les Cols, que veio junto com o outro espanhol Pere, o cientista Pere Castells, da Fundação Alícia, foi ele quem pediu pra alguém tirar no seu celular e gentilmente me mandou (aliás, veja as belas fotos que ele fez da viagem no Instragram).


Mas, falando em boieiras - são estas mulheres que fazem e servem boia no Mercado Ver-o-Peso. E a boia pode ser apreciada logo no café da manhã. Tem comida mesmo:  arroz, macarrão, salada, peixe, carne. Já bem cedo, a gente pode ver muitos trabalhadores batendo uma boia. O que sai bem é peixe frito com açaí. O pescado do dia,  em grande tamanho e  rosado, é frito na hora. Eu mesma não resisti e comi numa das bancas duas vezes, sendo que numa delas, com a amiga Janaína, em pleno nascer do sol,  no lugar do café com pão, já que saímos do hotel às 6 da manhã sem comer, para visitar a feira do açaí.

Da primeira vez que estive em Belém, já tem anos,  para cá, muita coisa mudou. Hoje as bancas são asseadas e os boieiros e boieiras, uniformizados e melhor treinados quanto à higiene. Claro, vi ali muita coisa a ser melhorada, mas pelo menos está tudo à mostra, diferente de muito restaurante que a gente acha um luxo bela viola da porta da cozinha para o salão, mas a parte escondida ou o fundo da geladeira é um verdadeiro pão bolorento. Ou seja, dá pra comer bem no Ver-o-Peso, apesar de o açaí ser ralo.

Não me animei a comer carnes, saladas, arroz ou macarrão (muita gente mistura arroz com macarrão, que eu acho meio bizarro, mas costume é costume) em outras barracas. Agora, aquelas porções fartas de peixe fresco frito são tentadoras. E o açaí tirado na hora também.  No dia da volta, quando desci do navio vindo do Marajó, parei ali para almoçar e dei sorte de cair numa banca que tinha naquele dia o açaí branco - verde, na verdade -, que tem um sabor especial, mais adocicado. A primeira vez que se come açaí com peixe ou com farinha acha-se estranho,  já que não se parece com nada a que estamos acostumados na parte mais ao sul do país - açaí com açúcar, granola, leite condensado etc não vale como comparação.  Isto aconteceu comigo quando provei a polpa pura da fruta pela primeira vez. É como aquela sensação de tomar uma cerveja amarga na pré-adolescência quando se está ainda acostumado ao sabor infantil e doce. Porém, depois que as papilas se adaptam, ah, a gente não quer outra coisa.  É como cobrir um peixe com um azeite de oliva denso, colorido e farto.

 

Açaí branco e preto (ou verde e vinho)

Com farinha 


Junto com o peixe,  vem uma tigelinha de alumínio bem areado cheia de açaí. Neste dia, podia escolher, açaí preto ou branco. Perguntei se podia ter os dois para provar e meu desejo foi atendido. Vem também uma tigela com gelo, outra com farinha e um copo de água bem gelado. A primeira coisa que fiz,  foi colocar o açaí sobre o peixe. Depois fiquei reparando como os frequentadores faziam. A farinha e o açaí não vão para o prato. O jeito certo de comer é assim: leva-se à boca uma garfada de peixe e, em seguida,  uma colherada de açaí, direto da tigela. O gelo é pra refrescar ainda mais o açaí, e a farinha pode ir só à boca, uma colherada seguida ao açaí, ou ser polvilhada sobre o açaí, onde incha e forma um pirão grosso. Depois de ter observado e perguntado, passei a comer como uma nativa e lamentei quando dei a última bocada. Repetir seria exagero.

E assim fui forrada e satisfeita para a viagem de volta, dispensando assim aquelas bobagens de comer do avião.

Bichos da Amazônia Marajoara

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Esta arara, ou melhor, este araro é domesticado e já deve ter sido mostrado aqui pois é velho conhecido. Ele não vai com a minha cara, mas estranhamente dança quando eu lhe canto musiquinha "atirei no gato". Na fazenda São Jerônimo, onde fiquei  hospedada, há muitos bichos e alguns deles foram deixados pelo Ibama, caso do araro,  porque se há um lugar em Soure que preserva bichos e floresta é esta fazenda, de propriedade dos meus amigos Dona Jerônima e Seu Brito. Já fui pra lá seis vezes e sempre estou a descobrir novidades. A fazenda, além de produzir coco - tem ali em sistema de agrofloresta 10 mil coqueiros-, tem finalidades turísticas. Todos os dias chegam grupos, geralmente de estrangeiros porque brasileiro gosta mesmo é de viajar pra fora, para conhecer a trilha de 300 metros que passa por dentro de um manguezal. Antes, anda-se uns dois quilômetros no lombo de búfalos mansos. Chega-se numa praia particular lindíssima e depois volta de barquinho a remo em total silêncio pelo igarapé que na vazante vira uma trilha para se andar a pé.  Não dá pra descrever o prazer que é fazer este percurso.

O Marajó é comandado pelas águas (já falei sobre isto também aqui quando mostrei como é despescar o curral)  Então, tem gente que liga querendo passeio mas quer ditar o horário. - Ah, tem que ser mais cedo porque eu tenho compromisso depois. Nada disso, o horário quem diz é a água. É a ditadura da água e não tem conversa.  Ali todo mundo sabe o horário da água cheia que varia de acordo com a lua e com a estação do ano. Eu acho complicadíssimo tudo isto, por isto apenas respeito. Se o passeio está marcado para as 11 é porque é possível seguir por trilha seca com búfalo e voltar de canoa pelo caminho que estava seco e virou rio na hora da volta. E os bichos vão aparecendo aqui e ali, no caminho, na floresta, na estrada, no redor de casa. Bicho que é larva, que trabalha, dá o que comer, acaba com a roça, que voa, que rouba comida, que derruba as pupunhas, que cavouca as mandiocas, arranca banana, late, mia, fura goiaba, come os menores, morde a gente, corre atrás, chupa sangue, envenena. E até fala, como é o caso da arara.

Então, antes de eu falar de comida, só para você se situar (e recomendo também o texto da água linkado aí em cima), veja os bichos fotografados em Soure e em Cachoeira do Arari.

Garças

Gavião

Gavião pedrez




Anu preto



Gavião 


Gavião

Maguari - Ciconia maguari (nossa cegonha)

Marrecos 


Bicho do tucumã

Inseto colorido




Ele se escondeu ou foi embora. Mas isto aí já foi casa de turu

Cotia veio roubar frutas

Caba se acaba na goiaba 

Não sei 

Curucaca 




Café da manhã no Marajó: das tapiocas e mingaus

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A mesa ficou assim. Com itens da Tia Marita e outros, de ambulantes 
O café da manhã no Marajó pode ser um simples pão na chapa com café com leite, mas é comum a gente chegar no centro da cidade de Soure e comer aquilo que não é raro de encontrar na casa das pessoas: beiju de tapioca, rosca de tapioca, tapioca molhada na folha da banana e mingau -  esta comida conforto que a maioria dos marajoaras adora. Pode ser de canjica, de banana, de tapioca. Em Belém, no Ver-o-Peso, vendedores passam oferecendo caribé, que pode ser um mingau feito com pedaços de beiju de tapioca ou simplesmente água quente com farinha, sal e manteiga. Foi este vi e fotografei.

Em Soure, o melhor café da manhã é no Café da Tia Marita, em frente ao mercado central. Enquanto ficamos esperando o pedido,  passa vendedor de tapioca, de rosquinha, de óleo de bicho e outras curiosidades. Quando o pedido chega, a mesa já abriga outras gostosuras. Chega a baguete quentinha com queijo marajoara, os beijus com manteiga (na verdade, margarina, lamentavelmente) enrolados e mingau de tapioca, que é o melhor.

Dona Jerônima sempre faz mingau para Seu  Brito e suas visitas. Desta vez preparou mingau de banana verde no leite de coco. Uma delícia! E tinha também de canjica. A receita do mingau de tapioca já dei aqui. e o de banana, mostro amanhã. Por enquanto, fique com as fotos.

Mingau de canjica e de tapioca, da Tia Marita

Mingau de tapioca

Os beijus de tapioca

Não é qualquer pão com queijo (marajoara, com leite de búfala)

Rosquinha de tapioca, do ambulante

Café da Tia Marita





Mingau de banana verde da dona Jerônima


No Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari - clique mingau
Mingá-u: o comer visguento!
Caribé - farinha com água quente, sal e manteiga (deve ser margarina...)


Cena marajoara: mingau de banana sapo

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No outro dia, guardado em geladeira, o mingau estará mais firme e lembrará
ainda mais mingau de aveia 
Ontem, falei do mingau do Marajó e aqui deixo a receita da Dona Jerônima Brito. Coco por ali tem em abundância, então sua comida é sempre perfumada com leite de coco. Os mingaus não são doces, mas neutros, bem herança indígena. Nada de leite condensado, creme de leite. É coisa simples. Um pouco de açúcar ou mel, um pouco de sal e água, leite ou leite de coco. Se quiser, cabe uma colherada de manteiga, para derreter sobre a superfície quente e abrir ainda mais o apetite como primeira comida do dia, forte, substanciosa, mas delicada no trato e contato, no escorregar visguento pela garganta com a fome da manhã.  
Tapioca, pupunha, canjica, banana, tudo vira mingau. E aqui dona Jerônima usou a banana sapo, conhecida em outros cantos como banana figo, banana pão, couruda ou, como se diz em Goiás, banana marmelo (já falei dela aqui).  É boa para se comer cozida, frita ou assada. Se estiver madura, pode ser apenas amassada ou passada no liquidificador com o leite de coco para o mingau. Neste caso, deve ir mais banana ou menos leite, pois o amido se transformou em açúcar, que não engrossa.  E, claro, menos açúcar, pois já estará doce. Mas com a banana verde, o amido fará o mingau engrossar rapidamente. E é preferível ralar grosso, deixando o creme com textura de mingau de aveia. 

Mingau de banana sapo. Por Jerônima Brito

A receita da Dona Jerônima é simples: 3 bananas verdes raladas, 3 litros de leite, 3 colheres (sopa) de açúcar, 1 pitada de sal. Coloca a banana com  um pouco de leite de coco, o açúcar e o sal no fogo e vai cozinhando sem parar de mexer. À medida que vai engrossando, vai juntando mais leite de coco. Quando todo o leite tiver sido incorporado e o mingau estiver cremoso, está pronto. Cerca de 20 minutos de cozimento. Rende umas 8 porções.  



Verdes ou maduras podem ser usadas no mingau 
A banana verde  ralada 
Mexe sem parar 

Se parar de mexer, o leite de coco talha 
E nhac!

Coluna do Paladar, edição de 03/07/2014. Pupunha. Ou, quinta sem trigo: Beiju de pupunha e banana com carne de porco

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Perto de Belém
Hoje tem coluna Nhac no Paladar.  Está no jornal impresso e lá no blog do caderno:

E tem quinta sem trigo, afinal não só a fruta in natura, mas também os beijus feitos com a pupunha e banana,  são ótimas opções ao pão de todo dia.  Reproduzo aqui o texto original com outras fotos além das que aparecem no jornal,  que tirei em Belém e na Ilha do Marajó. 

Perto de Belém - uma pupunha caída no chão 
No Paladar de Hoje:
Pejibaye, pijuayo, pibá - é tudo pupunha
Por Neide Rigo


Quem chega a Belém do Pará a partir de meados do primeiro semestre se depara com um espetáculo de cores de tirar o fôlego. Está a pupunha em plena safra. Seus cachos em tons berrantes se acumulam nas ruas, pendurados em bancas, amontoados em carrinhos ou deitados no chão. Às vezes os frutos já cozidos e descacheados aparecem sobre uma bandeja carregada por um ambulante que vai se esguelhando entre os fregueses, barracas e balaios do mercado do açaí ou do Ver-o-Peso: -  Olha a pupunha, olha a pupunha! Nesta época, para muitos paraenses, é o pão que come com café. A safra, porém, pode variar conforme o tipo e a região.

Estou falando do Pará porque foi lá que estive recentemente para participar do Festival Ver-o-Peso da Comida Paraense, a convite da Embrapa Amazônia Oriental. Mas a pupunha (Bactris gasipaes, Kunth) é nativa das florestas tropicais da América do Sul e Central e está por toda esta região. Um nome comum, em espanhol, é pejibayee em inglês, peach palm fruit. Porém recebe outros específicos como chontaduroe cachipay na Colômbia, pijuayo no Peru; pijiguao na Venezuela, tembéna Bolívia e pibá no Panamá. Estes nomes podem interessar a quem quer aprofundar a pesquisa sobre os usos deste fruto, que são muitos.

Na América pré-colombiana, o uso da pupunha entre os indígenas tinha uma importância muito maior, não só como fonte de carboidratos, mas também de gordura, visto que a variabilidade genética, morfológica e de composição é tão grande que há frutos de 10 a 250 g, com ou sem caroços, mais amiláceos, outros mais gordurosos, mais lisos ou fiapentos, com casca de aparência uniforme, bicolor ou listrada, de cor esverdeada, amarela, laranja ou vermelho intenso. E a planta ainda pode ter caule liso ou espinhento. Alguns tipos são mais adaptados à produção de farinha, outros, ao consumo direto, à extração de óleo ou do palmito.

Fora do Brasil, a polpa é usada para fazer bebidas, tortillas, tamalles, bolos, saladas e doces.  Por aqui não é diferente. Entre vários povos indígenas amazônicos ela é tão importante quanto à  mandioca, talvez não mais porque só produza durante uns quatro meses no ano. Para os povos Yanomami, Tukano,  Mayongong, Dessana, Tucuna e Baniwa, só para citar alguns, a importância se vê pelas festas que coincidem com a safra e os vários mitos ao redor do cultivo e colheita. Variações das bebidas fermentadas podem ser encontradas entre povos indígenas dos países produtores. A massa fermentada a partir do fruto cozido é conservada por vários meses para ser diluída em água no momento do consumo. Esta bebida refrescante recebe o nome genérico de caiçuma entre nós ou de chicha em vários países da América Central – no Peru a encontramos como masato de pijuayo

Outras formas de prolongar o uso para além da safra são as conservas salgadas dos frutos, as compotas, os doces em pasta ou a farinha feita através da desidratação da polpa sobre moquéns ou sob o sol. Em casa, cozinhei, ralei e sequei no forno baixo. Pena que no Brasil tudo isto ainda é feito apenas artesanalmente, em pequena quantidade.

Não estamos muito acostumados a comer frutas que não sejam suculentas ou que sejam impróprias quando cruas. A pupunha é assim. Crua, pode ter cristais de oxalato de cálcio na casca, que irrita a boca. Cozida e sem casca, está perfeita.  Não é uma fruta suculenta e sim seca e amilácea como uma batata doce ou uma castanha portuguesa. Aliás, seu gosto confunde-se quando tentamos compará-lo a um sabor conhecido. Castanha  portuguesa, abóbora, pinhão, batata-doce, milho cozido e até alcachofra são alimentos lembrados numa mordida.  

Atualmente, tanto no Brasil quanto na Costa Rica, os dois grandes produtores, a maior parte do cultivo não é para a produção de frutos e sim de palmito, pois trata-se de um palmeira que se desenvolve rapidamente, bem mais que a palmeira juçara, cujo extrativismo predatório para extração de palmito quase a levou à extinção, e tem a vantagem de perfilar, ou seja, é possível extrair vários palmitos de uma só planta. A produção de palmito poderia se limitar a lugares que não produzem frutos, como em São Paulo, maior produtor. O problema é que o palmito tem ótima demanda e boa distribuição por todo o país. Assim, mesmo as pupunheiras produtivas de frutos do Norte podem dar lugar a plantas jovens para a extração do palmito, o que é preocupante, pois o fruto pode virar artigo ainda mais raro.

É que do ponto de vista nutricional, os frutos são muito mais interessantes que o palmito, pois são fontes concentradas de energia, seja aquela vinda dos carboidratos, nos frutos mais farinhentos, ou da gordura rica em ácidos graxos insaturados, nos mais oleosos. Eles têm ainda alto teor de pró-vitamina A, que poderia evitar problemas de carência de hipovitaminose entre escolares, por exemplo. Variedades não aproveitadas para o consumo direto poderiam facilmente virar farinhas para, com vantagens nutricionais, complementar ou substituir completamente o trigo em pães, tortas, mingaus ou biscoitos. Sem falar dos caroços, que encerram uma amêndoa muito branca, crocante, com gosto de coco e igualmente nutritiva.

A palmeira ainda fornece madeira usada na construção de barcos, casas e artesanato além das flores jovens, também comestíveis.

Como ingrediente, a pupunha aparece aqui e ali em pratos de chefes e na cozinha doméstica, mas numa posição muito inferior à importância que representa. Muitos usos foram esquecidos, talvez por ser carimbada como comida de índio. E isto não é só aqui. Tanto que na Costa Rica, a pupunha está incluída na Arca do Gosto, projeto do Slow Food que cataloga e divulga produtos em risco de desaparecer. 

Na Ilha do Marajó, por onde também passei,  já foi mais consumido o mingau de pupunha com banana da terra, hábito indígena. E me contaram que antigamente faziam beijus de pupunha, cuja receita se perdeu no tempo.  Foi pensando neste mingau, nos beijus e nas tortillas das América Central, que fiz estes beijus de pupunha com banana e farinha de mandioca, como umas tortillas, para comer com recheio de carne de porco e as castanhas da pupunha picadas. Mas como recheio de carne moída com feijão também ficam bons. Se você não encontra pupunhas no mercado da esquina – apesar de a fruta ser resistente e viajar bem -, não deixe de encomendar ao próximo amigo que passar pelo Norte e experimentar esta versão e tantas outras possibilidades.

Como preparar

Cozidas: as cascas brilham de óleo
Comprei e cozinhei diferentes tipos. Tem pra todos os gostos
Mais escuras, mais pálidas, mais farinhentas, mais oleosas 

Os frutos: lave bem os frutos, coloque numa panela, cubra com água e cozinhe de 50 a 80 minutos ou até amaciar  – espete com garfo para saber. Se for para comer puro, acompanhado de café, coloque sal na água, uma colher de sopa para cada 5 litros. Para descascar, basta ir puxando com os dedos a película, começando pelo bico. Para usar, basta partir o fruto ao meio, tirar o caroço e socar no pilão, passar na máquina de moer carne ou ralador, bater no liquidificador ou processador, a depender do uso. Um outro jeito de cozinhar é manter no cacho. Quando os frutos começam a se soltar é porque estão prontos. Depois de cozidos, eles se conservam por vários dias na geladeira. Podem ser também congelados. 

No centro da fruta, o coquinho ou amêndoa

A polpa cozida foi tirada do redor. Sobrou o coquinho com casca fina 
Só uma martelada leve basta para quebrá-lo
É só picar e usar
As amêndoas: depois de cozidos os frutos, separe os caroços ou coquinhos e quebre-os com um martelo, sem fazer muita pressão para não esmagá-los. Eles quebram facilmente. Tire as amêndoas, pique finamente e use em recheios, dourados na manteiga sobre peixes, no pão etc.


As bananas para o beiju 
Que fica como uma tortilla ou um chapati 
É só passar manteiga ou rechear e nhac!
BEIJUS DE PUPUNHA E BANANA COM RECHEIO DE CARNE DE PORCO

Para os beijus
200 g de banana da terra cozida
200 g  de pupunha cozida e ralada
40 g de farinha de mandioca fina
1 pitada de grãos de cominho tostados
½ colher (chá) de sal
2 colheres (chá) de açúcar

Bata tudo no processador ou passe as bananas cozidas em espremedor de batatas e, numa tigela,  misture junto com os outros ingredientes com as mãos, até formar uma bola.  Divida em 10 porções e faça bolinhas. Coloque as bolinhas entre duas folhas de plástico e pressione usando duas tábuas pequenas de cozinha ou uma prensa mexicana para tortilhas, até que fiquem bem finas. Se preferir, use rolo de macarrão e tente abrir o mais circular possível, sempre entre folhas de plástico. Puxe uma folha de plástico e mantenha a outra. Passe o círculo para a mão aberta com o plástico que sobrou virado pra cima. Tire a outra folha. Sobre uma chapa ou frigideira antiaderente bem quente, deixe cair o beiju que está na mão, com cuidado para não quebrar. Cozinhe por cerca de 1 minuto ou até dourar. Vire e deixe dourar do outro lado. Repita o mesmo procedimento com as demais.

Recheio de carne de porco
2 dentes de alho
1 colher (chá) de sal
1 colher (sopa) de suco de limão
350 g de carne de porco finamente picada na ponta da faca
2 colheres (sopa) de azeite
1 colher (chá) de colorau (urucum)
1 colher (chá) de cominho tostado e triturado
1 cebola pequena picada
1/3 de pimentão médio verde picado
1/3 de pimentão médio vermelho picado
1 pimenta dedo de moça picada
1 tomate médio sem sementes picado
As amêndoas da pupunha usada na massa 
4 colheres (sopa) de salsinha picada

Soque o alho com o sal, junte o suco de limão e tempere a carne. Deixe descansar por 1 hora.
Numa panela, coloque o azeite , deixe aquecer e junte a carne. Cozinhe, mexendo, até dourar (cerca de 20 minutos). Acrescente o colorau e o cominho e mexa. Em seguida, junte a cebola, os pimentões, a pimenta e o tomate. Acrescente as amêndoas (quebre os caroços da pupunha e retire o cerne ou amêndoa) sem casca, picadas.  Cozinhe, mexendo sempre, por cerca de 5 minutos ou até os legumes ficarem macios. Prove o sal e corrija, se necessário. Por fim, acrescente a salsa e sirva com os bijus.

Rende: 10 porções


Cena comum nas ruas de Belém ou de Soure, na Ilha do Marajó

São coloridos 

Vendedores em Soure, Ilha do Marajó, sempre nos cachos

Não há banca que suporte. Colocam os cachos na rua mesmo

Cerca de 3 reais o quilo, no cacho

No Mercado do Açaí

No Marajó, a arara gosta do fruto cozido. Curucacas roubam as frutas no pé 
Em dia de jogo do Brasil, na mesa de Neide Rigo não teve pipoca mas pupunha!
(com coisas bem nossas: amendoim, castanha amazônica fresca e de caju, além
de suco de cajá. É que coincidiu que tinha acabado de voltar do Pará) 

Arroz com marreca em Cachoeira do Arari, no Marajó

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Fui à Cachoeira do Arari, município da Ilha do Marajó, com o casal Tainá Khalarje e Carlos Ruffeli.  Nos conhecemos em Belém e Tainá queria me mostrar o Museu do Marajó, me levar para comer arroz com marreca, o prato emblemático do lugar, e ainda me apresentar a problemática ambiental que cerca a cidade. De quebra ainda conheci mais sobre o trabalho dos dois no projeto Iacitatá - Amazônia Viva, que aborda a comida como cultura e está mapeando saberes, sabores e encantarias amazônicos do Pará. E Tainá, descendentes de índios Aruãs do Marajó, sabe do que fala. 

A viagem de Soure até lá não é rápida. Demoramos cerca de 3 horas por causa das esperas nas duas balsas que precisamos para atravessar rios. E parte das estradas são esburacadas. A natureza do Marajó é a coisa mais extraordinária que já conheci, mas no que depende do trabalho do homem, especialmente dos políticos, é também um dos recantos mais ao Deus dará de que se tem notícia. 

Aqui dá pra ver parte da floresta no chão para dar lugar ao arroz

O gavião sempre à espreita 

E o urubu sobre a floresta morta 
Para chegar à cidade, a estrada passa por quilômetros de floresta povoada com uma diversidade de árvores amazônicas e palmeiras, que de repente acaba,  dando lugar a um horizonte sem fim de arrozal, que visto do carro achata-se num verde uniforme de campo de golfe. Nas beiradas deste verde, porém, nota-se a natureza mudada. A interferência é visível. O Rio Acari, por exemplo, sofreu mutações, ganhando novos braços para irrigar o arroz. Suas águas agora se desviam em lágrimas em vermelho metálico que me fez pensar em carga pesada de defensivos químicos e tóxicos. Nenhuma alma viva circula por ali a não ser os gaviões, pousados nas cercas, como guardiões do cultivo,  e os marrecos, perseguidos por estes algozes.  

Os marrecos, usados para preparar o prato típico, arroz com marreca, aumentaram a população e nadam faceiros por entre os campos alagados, com comida farta, os grãos cultivados. Mas a felicidade não durará muito, nem para as aves nem para os moradores locais. Os marrecos quase não podem ser caçados, afinal ninguém mais entra naquelas terras, e gaviões foram trazidos de Goiás, dizem, para acabar com os marrecos que comem todo o arrozal.  E, claro, vão acabar com outras aves menores também. 


O gavião é o guarda-mor destas terras 



































Os moradores reclamam do aquecimento da cidade que está sitiada pelo arroz - 1/3 do território está ocupado com arrozal. Reclamam que não podem mais pescar. Reclamam da falta de emprego (a desculpa para um empreendimento desta natureza é a de que está trazendo desenvolvimento e empregos para a cidade, coisa que a gente já sabe que é mentira).  O cultivo é todo mecanizado. Você anda quilômetros sem ver uma pessoa trabalhando, a colheita e o beneficiamento são feitos por máquinas e a pulverização de veneno é por avião.  Quem começou o cultivo ali e é dono da maior parte do arrozal é o deputado federal Paulo Quartiero, aquele mesmo expulso da Raposa Serra do Sol, do mesmo grupo Camil do nosso arroz de todo dia.  Mas não sou a melhor pessoa pra falar disso, não. Por isto, indico esta reportagem da Bettina Barros, no Jornal Valor: Ilha de Marajó: crônica de mais um conflito anunciado.  Aqui, só um trecho: "Quartiero mudou esse quadro. Além de cercar a área, limitando o vaivém dos locais, a comunidade ficou encurralada pelo arrozal. “Trouxemos todas as cercas de Roraima. Eles [os índios] não queriam a terra? Deixamos só a terra”, diz Renato Quartiero, filho de 30 anos do deputado e administrador da fazenda. Ele dirige a caminhonete enquanto são realizados trabalhos como a abertura de um braço do rio Arari para permitir o plantio, canais de irrigação, estradas etc. No banco de trás, seu pai explica: “Está vendo? Não tem desmatamento nenhum. Aqui não tem floresta”, afirma ele, referindo-se aos campos naturais de Marajó. “É tudo coisa de ambientalista. Esses mesmos vigaristas que vêm falar em aquecimento global“, dizContinue lendo aqui.

Águas vermelhas e metálicas. Isto não é normal! 

Lá atrás ainda tem uma floresta

Rio desviado para fazer canais de irrigação 
O bom de Cachoeira do Arari, no entanto, é o que resta de paisagem e as pessoas, muito simpáticas, solícitas, orgulhosas de sua cultura. Visitamos, com Tainá e Carlos, o Museu do Marajó, idealizado pelo Padre Giovanni Gallo (1927-2003) em 1972 e instalado no prédio de uma antiga fábrica desde 1984. Ali está a maior coleção de cerâmica marajoara além de todos os outros saberes relacionados àquela cultura. Hoje é um museu tocado pela comunidade, com falta de recursos para manutenção e reformas apesar do acervo precioso. A atual diretora é também cozinheira. Dona Zezé é guardiã não só do próprio Museu, mas também "cozinheira-guardiã dos sabores da terra dos Aruãs", como diz Tainá. 

Arroz com marreca

Tamuatá no tucupi 
Então, não poderíamos comer em outro lugar se não no restaurante da Dona Zezé, que funciona nos fundos de sua casa. O prato "Arroz com Marreca"é a lembrança viva daquilo que ronda hoje a cidade, mas por enquanto ainda faz sucesso. Talvez um dia, com o desequilíbrio que o arroz anda trazendo para a cidade, perca a graça. Prato completo, é feito com apenas três ingredientes fora a água: marreco,  sal e arroz. E é tão gostoso como se a ave tivesse sido deixada em marinada de temperos frescos.  Foi no restaurante da Zezé que comemos também um delicioso tamuatá no tucupi (tem receita aqui) - o peixe estava suave, sem pitiú e o caldo, bem temperado, meio ácido e adocicado, com muito jambu.   Deixo aqui algumas fotos: 


A cidade virou uma estufa de tão quente - é o que todos dizem
Volte Sumano! (sumano é modo de dizer por lá - vem de ser humano)
Com Zezé no Museu do Marajó

Dedé com Tainá entregando um manuscrito antigo para o Museu

Carlos, Tainá, Zezé e Dona Jerônima, minha amiga de Soure












Águas amazônicas de beber. Cipó d´água na Ilha do Marajó

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Foi Alonso, irmão da minha anfitriã e amiga Dona Jerônima, quem nos acompanhou pela trilha arenosa e molhada que atravessa o mangue, para me mostrar o cipó d´água.

Mateiro como ninguém, Alonso nasceu e sempre viveu naquele pedaço de Soure, na Ilha do Marajó - PA,  e conhece as plantas por nome e sobrenome, por hábitos e funções. Vai andando e dando a ficha - quem é, pra que serve, como colhe, como prepara. É invejável. As funções fitoterápicas se misturam com o conhecimento vindo da pajelança. São os banhos de cheiro, os para atrair amor, para espantar tristezas, trazer alegrias, chamar fortuna, conquistar a paz, pra icterícia de menino, gripe de marmanjo, quebranto etc. Estes assuntos estão presentes nas conversas dos mais velhos com grande frequência, mas os mais jovens já se vão ignorantando. Aos poucos, ninguém mais saberá reconhecer o bom cipó para se beber água fresca na floresta. Crianças já não querem nem mais tomar mingau na cuia.

Mas em matéria de ignorância, não fico atrás, apesar da curiosidade. É só andar um pouco com dona Jerônima e Alonso para gente se dar conta de que não sabe nada de nada. No manguezal você vê um monte de cipó e tudo parece igual quando Alonso puxa um e diz: este é o bom, este tem água. Tem o diâmetro certo, tem a casca com a cor ideal e ainda tem que ser aquele que não matará a planta se cortado. Também não pode ir passando o facão de qualquer jeito. Tem que cortar primeiro a parte mais alta num só golpe e só então a parte baixa, cerca de 1 metro abaixo, em corte enviesado. Sendo assim, a água escorre e basta deixar cair o líquido sobre a boca sedenta. Se cortar primeiro a parte de baixo e depois a de cima, água nenhuma escorre.


Para ter certeza da transparência da água - esta, sim, insípida, límpida e inodora -, levei um copinho. Pude degustar sem pressa, prestando atenção no sabor. Diferente da água que bebemos, esta realmente refresca mas não tem sabor nenhum, como se fosse uma água sem sais, destilada. É geladinha, agradável de se beber.  Diferente também da água de buçu, que o Tiago Castanho serve no menu degustação do restaurante Remanso do Bosque, em Belém. Trata-se de um coquinho medicinal que produz mais água que polpa. É gostosa, mas tem sabor adstringente, com muito tanino.

O coquinho buçu
Há muitas formas de se obter água de beber em lugares inóspitos (mesmo no Marajó, com tantas águas, há lugares em que só se as encontram salobras).  Outra forma de conseguir água é furar o tronco da sororoca, um tipo de bananeira amazônica, que vi no Acre mas não no Marajó, pois planta armazena muita água. Desta não provei. Há também outros tipos de cipó d´água, mas é preciso conhecer ou ao menos ter passado por exercícios de sobrevivência das forças armadas. Veja aqui este da Mata Atlântica mostrada pelo Giu Toniolo, especialista em sobrevivência no mato - não sei se é o mesmo cipó, mas a técnica para obtenção da água é a mesma. Eu não arrisco,  a não ser que veja a flor, agora que já conheço o tipo do Marajó, do qual não descobri o nome científico. Se alguém souber, aceito contribuição (jogo a toalha depois de passar a manhã tentando descobrir).


A linda flor do cipó, que se abre no alto da floresta 

Óleo de tucumã? Não, óleo de bicho de tucumã do Marajó.

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Daria pra ficar falando aqui linhas e linhas sobre a importância do tucumanzeiro para o paraense.

A palmeira Astrocaryum vulgare Mart, de desenvolvimento lento, dá palhas para rede de pesca, cordas, chapéus etc. Já dos frutos se comem as polpas alaranjadas em mingaus, vinhos (a polpa diluída em água) e sorvetes. Servem tanto à nutrição humana, quanto à animal o fruto rico em pró-vitamina A e gorduras. O óleo de tucumã, de cor alaranjada, extraído da polpa, tem usos na alimentação, lembrando um pouco o de dendê, e na fabricação de cosméticos. A amêndoa é rica em nutrientes e pode ser consumida como coco. Da casca da amêndoa se faz bio-joias. E até o espinho é aproveitado como agulha.

Mas uma tradição indígena, que o marajoara ainda conserva, é a extração do óleo do bicho que povoa os coquinhos caídos ao redor da palmeira. Os frutos amadurecem no começo do ano e devem ser deixados caídos ao pé da planta até que fiquem recheados com o bichinho branco que entra ali para a dieta de engorda. Quem tem experiência já sabe qual coquinho quebrar para encontrar a larva. E tem que quebrar com cuidado para não espremer a criatura.

Dona Jerônima e eu estávamos em Soure tomando café da manhã em frente ao Mercado Municipal quando passou uma mulher vendendo garrafinhas do óleo de bicho. É chamado assim mesmo, "óleo de bicho". É coisa rara de se encontrar pra comprar.  Dona Jerônima pediu pra ver, espiou o conteúdo, cheirou e disse que estava excelente. Compramos.

A palmeira de tucumã
Os frutos maduros
Os frutos comidos pela arara 
O ambiente criatório para o bicho - debaixo da palmeira 
Dona Jerônima e Bruno
Com furinho assim, o bicho ainda está lá dentro
Pode já estar gordão
Se o furo é grande, o bicho já saiu 
Quando ainda está miudinho, não serve. Ele ainda tem toda esta amêndoa
para comer. 
Mas chegando à fazenda, fui logo ver os coquinhos deixados embaixo de um tucumanzeiro vizinho à casa. Encaixei um deles na fenda de uma pedra e o quebrei usando outra pedra. Dei sorte e de cara encontrei um bichinho gordo. Dona Jerônima chamou Bruno, que trabalha ali e tem muito mais experiência em distinguir os recheados, e ele foi quebrando um por um com um facão, com cuidado, e índice grande de acerto. Fomos para a cozinha e colocamos os bichinhos na frigideira. Logo, começaram a soltar o óleo perfumado. Separamos os bichos sequinhos e fizemos farofa. O óleo obtido se juntou ao que comprei da mulher, e trouxe pra São Paulo. O sabor é delicioso, lembrando uma mistura de ghee com óleo de coco amendoado.

No passado, índios de norte a sul  extraiam óleos comestíveis ou combustíveis de uma série de bichos, frutos de palmeiras, polpa e amêndoas, e de vários outros frutos oleaginosos. De gema de tartaruga e de tracajá, de peixe boi, de tartaruga, tucumã, babaçu, de bati etc. E os bichos que se alimentavam dos coquinhos não ficavam atrás. O morotó do licuri, o coró do butiazeiro, os gongos do babaçu. Todos eles, larvas de algum besouro, são comestíveis e boas fontes de gordura.  Hoje índios recebem óleos de soja na cesta básica, mas o hábito ainda está presente aqui e ali.

Bem, o óleo do bicho de tucumã é usado pra comida e pra remédio, mas também para embelezar, já que pode ser passado no cabelo para deixá-lo brilhante e vistoso. Como remédio, dizem que serve para curar machucados.

O vinho de tucumã para a canhapira
A canhapira
Canhapira com farinha 
Dona Jerônima sempre usou o tucumã maduro para fazer a canhapira, um prato de carne de caça ou carne de porco ou de ave, cozida no suco ou vinho do tucumã, delicioso, que aprendeu com sua mãe.

A farofa de bicho 
Comeram de lanço
Bem, a farofa que trouxe do Marajó servi com outras comidas num almoço feito pelos amigos do aikido no sítio. Não disse o que era, pedi para que adivinhassem. Provaram com desconfiança, mas aprovaram e repetiram. Logo acabou.



Veja sobre outros bichos de coquinhos aqui:
http://come-se.blogspot.com.br/2009/03/gongo-tapuru-coro-moroto-fofo-boro.html

O que é, o que é?

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Vamos lá, a charada não é das mais difíceis. Arrisque seu palpite sem a promessa de ganhar nada em troca além da resposta certa na segunda-feira. Bom fim de semana!


Vagem de nabo forrageiro. Resposta da charada

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Sítio Família Orgânica,  do Pupin, onde está sendo o curso de orgânicos

Com pouca referência de tamanho, teve gente que pensou se tratar de quiabo, maxixe peruano, de vento ou do reino, ou ainda edamame, flor de abobrinha e pimenta. Quem, no entanto, arriscou 'semente de rabanete ou mostarda' chegou bem perto. Parabéns, Natália! 

Bem, se fosse fácil, qual seria a graça da charada, não é mesmo? Mas quem está acostumado com esta cultura forrageira de inverno reconhece imediatamente.

Eu não sabia que era de comer até outro dia. Acontece que faço um curso de olericultura orgânica em Piracaia, oferecido pelo Senar  – um fim de semana inteiro por mês, até o fim do ano. E o nabo forrageiro, junto com girassol, feijão guandus, tremoço,mamona e  crotalária foram plantados na terra onde faríamos os canteiros.  Na época do plantio definitivo da horta, é só cortar a forração, deixando ali as raízes que descompactam a terra e fixam nutrientes, por isto é chamado adubação verde. O nabo forrageiro tem raiz pivotante que vai furando o solo, abrindo brechas para a água. 



As flores lilazes da planta Raphanus sativus L. var. oleiferus Metzg, toda ela comestível mas raramente usada com este fim, são lindas e deu dó cortá-las fora. Mais dó ainda deu de desprezar todas as pequenas vagens verdes e tenras. Mas foi só o professor Sandro dar a dica de que eram comestíveis para eu colher um monte delas antes que os colegas de cursos passassem a enxada.  São deliciosas, picantes como a mostarda e algo adocicadas.  As folhas e as flores também são comestíveis, mas fiquei só com os frutos, pois estava indo viajar e não teria tempo de inventar nada.

Da família das Brássicas, couves, mostardas, nabos e rabanetes, são culturas de inverno e a pungência da maioria dos seus membros combinam com o frio e a necessidade de esquentar o corpo - eu acho.  Além disso, estas plantas são ricas em folatos, vitamina C e compostos sulfurosos, com propriedades anticancerígenas.
Esta picância, mais exacerbada em partes como as sementes da mostarda ou na raíz da raiz forte, por exemplo, é dada por um componente chamado isotiocianato, formado pela hidrólise de uma substância por uma enzima - ambos ficam em compartimentos diferentes na planta e só reagem quando se juntam (na mordida, por exemplo). As vagens frescas de todas estas plantas são comestíveis crus e podem ser mais ou menos picantes. Refogadas rapidamente no óleo (stir-fried) ficam muito mais suaves.  As vagens da mostarda são pequenas, meio amargas e ardidas, meio sem graças. Mas a do nabo forrageiro é graúda, crocante, adocicada e picante ao mesmo tempo.

Plantas da espécie Raphanus sativus, ao qual pertencem as variedades rabanete, nabo branco,  nabo negro e o nabo forrageiro, entre outros, são nativas da região entre o Mediterrâneo e o mar Cáspio e, em diferentes lugares, as pessoas preferem usar diferentes partes a depender do tipo - folhas, brotos, raízes vagens ou sementes.  


Não conheço muito sobre o uso por aqui e em outras culturas, mas parece que são usadas refogadas com outros vegetais e em sopas no sudoeste da China e no Sudoeste da Ásia.  Antes de iniciar qualquer pesquisa (aliás, procure com o termo em inglês e achará muita informação: "oilseed radish seed pods"),  o que as pequenas vagens me inspiraram a fazer foi passar rapidamente no óleo quente e juntar ao arroz já cozido junto com outros temperos. Mas o potencial delas não para por aí. O único problema é encontrá-las, pois mesmo os produtores de orgânicos não fazem uso das vagens frescas. Mesmo para replantá-las não compensa esperar secar e debulhar. Melhor usar folhas, vagens jovens e flores como cobertura de massa verde.  Quem sabe se encomendar um pouco a um produtor que faça adubação verde?  Ou plante você mesmo no jardim ou na praça. Além de tudo as flores são graciosas e atraem abelhas. As sementes são encontradas mais facilmente. 



Arroz com vagens de nabo forrageiro: vendo as fotos, acho que me lembro como fiz - refoguei gengibre e alho picadinhos em gordura de galinha. Juntei um pouco de cominho, grãos de mostarda e pimenta vermelha picada. Juntei das vagens de nabo forrageiro, temperei com sal e cúrcuma em pó e refoguei até que murchassem um pouco. Uma parte comi sobre o arroz branco. O que sobrou misturei com o arroz e assim foi meu preferido.  Mas é só uma ideia.


A de rúcula 
E de mostarda. Também comestíveis, mas as do nabo são melhores 



No domingo teve piquenique perto de casa

A verdadeira tortilla espanhola. Ou Oficina de tortilla de batatas da Chus

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No último piquenique decidimos de uma vez por toda aprender os segredos da tortilla da Chus, amiga espanhola das Astúrias, brasileira desde 1974, que conheci pelo Come-se e ficou amiga também de todos os amigos do piquenique.

Quem visita o blog Piquenique Perto de Casa já deve ter visto as inseparáveis (e insuperáveis) tortillas da Chus, constantes em sua cesta.  Eu faço tortillas mas sem nenhuma autoridade, como se fossem fritadas ou omeletes. Também ficam boas, como esta de batatas que aprendi num livro,  mas nada como aprender com quem cresceu fazendo e se aperfeiçoando na arte. Uma coisa que aprendi é  que suas tortillas levam muito mais batatas que ovos. E como são gostosas!

Ela vivia dizendo que não tem segredo fazer tortilla, afinal toda cozinheira espanhola sabe fazer, é coisa que nasceu do improviso, da falta de ingredientes e que hoje é unanimidade nacional. Mas ovos são alimentos respeitáveis, ninguém pode negar. E batatas também, afinal já salvaram muitos dos nossos antepassados da fome. Os dois ingredientes dourando no perfume de um azeite quente são imbatíveis, mas, como prato de improviso, cabe junto aos ovos ingredientes tão variados como sobra de arroz, verduras refogadas, favas, atum e tantos outros. A mãe da Chus fazia até tortilla doce com pão amanhecido.

Chus conta que faz tortillas desde os 9 ou 10 anos, quando passou a ter força e destreza para conseguir virar a frigideira. Antes disso, porém, já picava batatas. Às vezes a tortilla é servida sozinha como segundo prato. Outras vezes, acompanhada de salada de pimentão vermelho (pimientos marrones no azeite) ou de alface. Diz ainda que espanhóis levam tortilla à praia, nos piqueniques e costumam servir como pincho, cortada em pedaços pra pegar com palitos e acompanhar bebidas. Tortillas também viajam de trem, como recheio de sanduíches para as crianças. Um bocadillo de tortilla é pão com tortilla dentro, conta Chus.

A tortilla de batata pode levar cebola também, mas como Chus não suporta a dita, a sua leva apenas ovos, batatas e sal, além do azeite de fritar. Ela tem por hábito ainda juntar um pouco de água, pra tortilla ficar mais leve. Acha que o costume nasceu da necessidade de fazer os caros ovos renderem mais, porém o hábito permaneceu em muitas famílias mesmo em tempos de fartura.

O fato é que encontrei emails antigos mostrando que estamos combinando esta oficina desde a copa de 2010. Era dia de jogo quando tentamos marcar por email.  Fomos adiando, adiando e só agora, entre uma vergonha e outra, em pleno final de copa, conseguimos reunir algumas pessoas,  que estavam presentes no último minuto do segundo tempo do piquenique de domingo,  para uma noite de diversão e aprendizado durante a semana. Descascamos uns 10 quilo de batatas - eu não, que estava fotografando e minha mãe estava machucada, mas as meninas estavam se sentindo na cozinha de um navio. Com a diferença que depois poderíamos comer das tortillas e beber do vinho.

Chus tem paciência com as meninas
A menina Milly, enteaneta da Chus, também estava e ficou feliz com a companhia de Clara, da mesma idade, nossa amiga do piquenique, que quis ir para aprender mesmo sem a mãe. Descascou e cortou batatas, não perdeu um só segredo, anotou tudo. Na mesa, muitas batatas, azeite, cebolas, ovos. E vinho, que o trabalho fica mais divertido ainda, especialmente numa noite fria cheirando a Barcelona na hora do jantar, como diz Veronika que está indo mais uma vez morar lá.

Só para informar, como boa cozinheira experiente, Chus faz sua tortilla de olho, mas eu corria na frente dela para anotar tudo, pelo menos durante o feitio da primeira, só de batatas, de muitas outras que foram saindo a seguir, inclusive as com cebola (é só colocar pra fritar com as cebolas, já no final do cozimento).



Tortilla de batatas da Chus

1,5 Kg ou 6 xícaras de batatas picadas
4 colheres (chá) de sal
Metade óleo, metade azeite, em quantidade suficiente para cobrir as batatas, a depender do utensílio usado
4 ovos
4 colheres (sopa) de água
1,5 colher (sopa) de azeite para fritar a tortilla


Milly, Veronika e Fabiana à espera do início dos trabalhos


Milly e Clarinha levam jeito. 
As batatas são cortadas ao longo em quatro ou seis
partes, sem tábua. E depois cortadas em fatias
Os pedacinhos são salgados e mergulhados de uma só vez
na frigideira já com óleo e azeite quentes. Ficam quase que
confitadas e não fritas de crocantes. 
Cozinham lentamente até ficarem bem macias. É só tirar do
óleo com escumadeira ou passar tudo por uma peneira que
não seja de plástico 
As batatas ainda quentes recebem 4 ovos batidos. A mistura
começa a engrossar.  Chus adiciona um pouco de água. 
O azeite é colocado numa frigideira de mais ou menos 20 cm.
A frigideira é rodada para que o azeite unte toda a superfície.
Se tiver excesso, basta escorrer.  Com o fogo ligado, teste
a temperatura. Coloque um pouco da massa e veja se frita
sem grudar.  É importante que a tortilla ocupe toda a altura
da frigideira. 
Tire a massa-teste e despeje a mistura . É importante que
a tortilla ocupe toda a altura da frigideira.  Vá girando a
frigideira
sem parar até formar uma crosta no fundo. Neste
ponto, não se corre mais o risco de a tortilla grudar. 

Continue cozinhando, arredondando as beiradas com uma
colher 

Você não está vendo, mas tem aí umas bolhinhas saindo
vapor. Está na hora de virar. A massa começa a ficar firme

Molhe um prato plano com água, coloque-o em cima da
frigideira e vire o conjunto de uma só vez 
Coloque mais umas gotas de azeite na frigideira e deixe
deslisar a tortilha de volta com cuidado para não quebrá-la
Cozinhe agora com uma chapa entre o fogo e a frigideira,
para cozinhar sem queimar. Deixe assim por cerca de 6 minutos
Vai achatando o centro da tortilha para que fique bem cozida
e compacta. Tire a chapa e deixe dourar um pouco. Quando
começar a sair um vapor discreto por algum furo minúsculo,
está pronto. No total foram cerca de 20 minutos. 

E nhac!





Ghee, manteiga clarificada, manteiga de garrafa

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A imagem acima não corresponde exatamente àquela mais comumente divulgada como técnica para se obter o ghee, a manteiga clarificada indiana, agora também na lista dos super alimentos (alguma aposta para o próximo da lista?).


Ghee a partir da manteiga comum sem sal 

De maneira abreviada, o que se costuma fazer para isolar a gordura do leite é aquecer uma manteiga pronta sem sal e tirar os sólidos do leite na forma de espuma.


Faço a manteiga normal no processador ou  liquidificador
Ultimamente, porém, tenho que lidar com a nata que vai se acumulando no freezer, já que tenho comprado leite cru do meu caseiro. Fervo o leite, deixo na geladeira, tiro a nata e vou acumulando até ter uma quantidade boa para fazer manteiga, do jeito tradicional, isolando a gordura a frio. Ou, quando quero manteiga pra cozinhar, jogo tudo na panela, aqueço até o sólido se separar e a umidade se evaporar e pronto. Basta passar por peneira e tenho uma gordura pura, que também posso chamar de ghee, embora seja muito mais saborosa que aquela obtida da manteiga, já que a lactose e outros sólidos vão dourando e conferindo sabor amendoado à gordura. Não faria sentido eu fazer manteiga para depois fazer o ghee.

De 2 litros de leite, consigo cerca de 35-40 g
de ghee
Entre os indianos também, o ghee, que  tem importância na saúde,  na cosmética e em rituais religiosos, é feito tradicionalmente diferente da simples manteiga clarificada. O modo de preparo é mais parecido com a nossa manteiga de garrafa ou manteiga da terra. Ao leite cru fervido é acrescentado uma cultura para fazê-lo talhar. Só então, a gordura é isolada junto com o creme e depois separada dele no fogo.

A manteiga de garrafa é feita com a nata que se vai juntando da coalhada de leite cru. Pode ficar vários dias fora da geladeira até se juntar uma certa quantidade. O resíduo sólido também é separado, restando um óleo líquido à temperatura ambiente (do Nordeste, que fique claro) e que pode ser armazenado em garrafas. Aqui em São Paulo é melhor passar para um vidro de boca larga pra facilitar o uso.  É claro que, a depender das condições e tempo de armazenamento durante o preparo, o resultado pode ser uma manteiga de garrafa rançosa e isto não é difícil de acontecer. Nos restaurantes indianos também já provei ghees rançosos ou senti o cheiro deles no ar.

Ghee a partir de manteiga sem sal. Aquece, espere aparecer
uma espuma fina, desligue o fogo e tire a espuma
Outro dia estava comprando grãos no Mercado da Lapa e uma mulher perguntou à vendedora se tinha manteiga clarificada. Intrometida, fui logo perguntando pra que ela queria. Simpática, ela me respondeu que foi a médica que receitou. Mas ela não te explicou o que é?, perguntei. Não, ela disse que ia ser melhor pra minha digestão, receitou como remédio.  Bem, sem contestar, o que fiz foi ensiná-la a preparar sua manteiga clarificada em casa a partir da manteiga sem sal comprada, já que não iria mesmo encontrar ali no Mercado. Ou que comprasse uma boa manteiga de garrafa, que dá quase no mesmo.

O uso do ghee como gordura de cozinhar tem ótimas referências pois seu ponto de fumaça costuma ser mais elevado que os óleos comuns e a manteiga, em particular (ponto de fumaça é a temperatura que a gordura chega quando solta fumaça - e se a gordura solta fumaça é porque chegou num estágio crítico, com substâncias potencialmente tóxicas). O óleo de soja também tem ponto de fumaça elevado, mas não tem nenhum outro ponto a favor.  Já o ghee tem benefícios como sua composição de bons ácidos graxos, vitaminas lipossolúveis, e é livre de lactose - já que muita gente é intolerante a este açúcar.  Agora, dizer que ele é milagroso, não. É até perigoso se consumido sem moderação. Como não tem a água que compõe a manteiga, é uma gordura mais concentrada, portanto, com mais calorias e mais colesterol (já ouvi dizer que ghee é bom porque não contém colesterol!). Uma colher de sopa por dia é uma medida cautelosa para se consumir manteigas sem risco. Eu acho.

Uma coisa pelo menos é certa, se o ghee não está rançoso, é delicioso. Deixa a comida com sabor amendoado, que parece levar temperos indianos como cominho e folhas de curry mesmo estando puro. E a borra que sobra tem sabor incrível. Além de ser rica em proteínas e gorduras, tem sabor de requeijão moreno e pode ser usado como ingrediente em pratos diversos como farofas e gratinados (é lógico que, que quem consome ghee pra não consumir a lactose, não pode usar o resíduo).

Mas quem quiser saber mais sobre os poderes milagrosos do ghee, o lugar não é aqui. Há muita informação por aí, verdadeiras e fantasiosas  (é só saber filtrar). O que vou mostrar é como fazer pra aproveitar a nata, caso consiga juntar alguma.

O resíduo, delicioso
Primeiro lugar, se possível, compre leite cru. Ferva, espere esfriar e coloque na geladeira numa vasilha aberta. Quando o leite ficar bem gelado a nata estará boiando e terá consistência firme. Tire com uma escumadeira e vá guardando em recipiente fechado, de preferência no freezer ou congelador. O leite restante ficará bem desnatado. Quando tiver uma boa quantidade de nata, leve ao fogo lento e vá mexendo de vez em quando pra não grudar no fundo. Quando a gordura estiver toda separada e não fizer mais barulho de bolha estalando (quando está com barulho é porque ainda tem muita umidade), desligue o fogo e espere esfriar um pouco. Passe por peneira e está pronto seu ghee. Quando ele esfriar, ficará sólido. O resíduo, você pode usar como requeijão ou ricota.

O ghee pode ser deixado fora da geladeira desde que a temperatura ambiente não seja muito alta. O ideal é que ele continue sólido e cremoso. Se está líquido como óleo é porque está muito quente e ele poderá ficar rançoso. O melhor, então, é guardar na geladeira para que conserve o sabor fresco.

Ghee à esquerda, e manteiga de garrafa
Manteiga de garrafa derretida fica quase igual. Passe a
manteiga para um vidro de boca larga e mantenha na geladeira
O mesmo vale para a manteiga de garrafa.  Se estiver sólida (neste inverno deverá estar) dentro de garrafa, coloque-a dentro de banho-maria quente e fora do fogo, espere derreter e passe para um vidro de boca larga. Ficará mais fácil para retirar de colher.  O nome "manteiga de garrafa"é porque no Nordeste pode ser guardada em garrafas, que ele vai escorrer como óleo, em temperatura ambiente na maior parte do ano.

Aqui, fotos que ilustram o que eu disse:



A nata depois do leite fervido e refrigerado
O leite desnatado
Nata acumulada 
No fogo

A gordura começa a se separar
Esta pronto. A gordura fica límpida por cima da borra
Agora é só passar por peneira enquanto ainda esta líquido
Líquido enquanto quente

Cremosa já fria 

Abobrinha madura marinada

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Este ano foi ruim de abóboras no sítio. A falta de chuva, talvez. Mas consegui colher esta pequena, cujas sementes vieram da França, pelas mãos de Olívia, sobrinha do meu cunhado, junto com a respectiva abobrinha que não era rajada. mas uniformemente alaranjada. Não me lembro como comi, mas era deliciosa, cremosa, e as sementes, guardei e plantei. Só nasceu esta, já cruzada com outra da redondeza.

Inspirada nas abobrinhas refrescantes que a Mara fez numa aula no Sesc Belenzinho recentemente e serve no seu restaurante Tordesilhas, resolvi fatiar a abobrinha madura bem finamente, e para isto usei o processador, e marinar com sal, açúcar e vinagre. Juntei ainda ervas do quintal como manjericão cravo e manjericão anis cortados finamente e pimenta.  Enquanto a marinada com abobrinha fresca combina com dias de verão, esta de abóbora madura vai bem nos dias frios.

Abobrinha madura marinada:  para cerca de 400 g de abobrinha madura usei como tempero: 3 colheres (sopa) de açúcar, 2 colheres (chá) de sal, 4 colheres (sopa) de vinagre, 1 colher (sopa) de azeite, 1 pimenta dedo-de-moça sem sementes picada e 2 colheres (sopa) de ervas frescas. Misturei tudo, tampei e deixei em temperatura ambiente por cerca de 4 horas dentro de um pote de vidro, tudo apertadinho. Simples assim. Se quiser, junte gergelim preto torrado na hora de servir.

A receita da abobrinha da Mara você pode ver no blog da Nadia Schiavinatto.



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