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Pimenta de macaco. Coluna do Paladar, edição de 25 de julho de 2019

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Hoje tem coluna Nhac no caderno Paladar do Jornal Estadão. Copio aqui também.

Pimenta-de-macaco

Antes que me corrijam, digo aqui que não falarei das espécies do gênero Xylopia, das pindaíbas ou embiribas, que também recebem nome popular de pimenta-de-macaco. Tampouco retrucarei aqueles que afirmarem que na sua região pimenta-de-macaco não é uma coisa nem outra, afinal nome popular não se discute. Daí a necessidade de se associar as espécies de que falamos aos seus registros de batismo, com nome e sobrenome, ou seja, gênero e espécie. Porém, eu mesma não o farei e explico adiante porque, mas garanto que estou falando destas pimentas que mostro na foto.
Acontece que cismei em pesquisar um pouco mais sobre a pimenta-de-macaco quando comprei um amarradinho dela no mercado municipal de São Raimundo Nonato, no Piauí. Quase na sequência, comprei outro tanto ligeiramente diferente em Juazeiro do Norte. Pra tempero de feijão e para o estômago, disse a dona da banca de ervas, raízes e cheiros no meio de uma feira livre repleta de abóboras, maxixes, produtos da mandioca entre mulheres e homens debulhando feijão verde e andu. Voltei pra casa animada com as compras.

Mostrei para a Nivalda, que trabalha comigo, e ela, antes que eu dissesse o nome das pimentas, reparou que pareciam rabinhos de macaco. Daí o apelido?
E ainda durante o processo, sem saber que eu estava pesquisando sobre ela, meu amigo Hermano Campos, professor de gastronomia na Universidade Federal do Ceará, me mandou mensagem com várias fotos das árvores pimenteiras com frutos que encontrou durante uma caminhada no Parque Estadual do Cocó, em Fortaleza. Observou que havia muitos macaquinhos ou soins circulando pelos seus galhos.  Daí o nome?  Perguntei se comiam os frutos e Hermano passou a observá-los. Não conseguiu presenciar nenhuma comilança. Então resolveu facilitar o trabalho e oferecer aos pequenos alguns frutos maduros. Viraram a cara, desdenhosos. Mas um deles se arriscou a experimentar. O soim colocou na boca e logo rebolou no mato com cara de quem não gostou.  Já Hermano diz que gosta de comer os frutos quando estão com cor verde forte, que é quando apresentam sabor apimentado como o da pimenta-do-reino misturado com algo anestésico do jambu. Diz que quando estão jovens, amarelo-neon, não têm sabor marcante de nada.  Pelas fotos que me mandou, as folhas lustrosas são muito parecidas à espécie que encontrei também na Ilha do Marajó, onde é conhecida como pimenta-longa, com frutos mais finos, diferentes da Piper longum importada, que tem infrutescências mais curtas.  

Pra completar, com o assunto ainda maturando e eu matutando para saber como reconhecer as espécies tendo como peças identitárias apenas as infrutescências, cheguei na semana passada ao Hotel Mercure, em Goiânia, para um almoço a convite do chef Humberto Marra e o que havia na panela de macarrão? Pimenta-de-macaco temperando o bredo que se espalhava por cima da massa. Na decoração da mesa o que havia? Galhos inteiros com vários frutinhos de pimenta-de-macaco trazidos do quintal do chef. E, de última hora, fiz neste fim de semana uma trilha em vegetação de cerrado paulista em frente à nossa chácara em Piracaia e descobri dezenas destas pimenteiras com infrutescências ainda jovens.

Bem, como não consegui descobrir a razão do nome macaco nem identificar as plantas pelos frutos, resolvi consultar o papa das Panc – plantas alimentícias não convencionais, Valdely Kinnup.  Mandei as fotos e ele disse que nem Deus conseguiria mais identificar aqueles rabinhos secos sem outras referências – se criou, deve já ter esquecido.  Ao menos, me deu a sugestão que salva esta coluna: como são muitas as piperáceas com este aspecto e usos, melhor adotar o Piper spp. (várias espécies) para falar delas como condimento, já que cada espécie tem suas singularidades agronômicas, nutricionais e medicinais.

Então, fiquemos assim. Estas pimentas como rabos de saguis são condimentos picantes e aromáticos do gênero Piper, o maior da família das Piperáceas, com mais de 700 espécies, sendo que mais de 150 crescem no Brasil, como a erva-de-jabuti, a pariparoba, a capeba entre tantas outras.  Dentre elas, várias possuem estas infrutescências aromáticas – P. callossum, P. arboreum, P. cavalcantei, P. aduncum etc, tendo como representante mais importante a pimenta-do-reino, Piper nigrum.  Várias destas espécies com frutinhos picantes do gênero Piper já estavam aqui quando os portugueses chegaram ao Brasil e chegaram a usá-las como substitutas da pimenta-do-reino.

As infrutescências são como umas espigas compridas e finas. São minúsculos os frutos em volta, podendo ser menores que uns grãos de mostarda escuros e não perfeitamente redondos. De todas as espécies, os frutos também podem ser consumidos verdes, seja em conservas, no arroz, no molho da salada ou em temperos para carne. Basta segurar o cabinho e raspar com uma faca. Mesmo verdes, são muito picantes e aromáticos.  

As espigas maduras e secas ficam enegrecidas e os pequenos grãos saem facilmente bastando passar os dedos em volta do cabinho para soltá-los. Podem ser usados para temperar pratos de carne, feijão e legumes, preferencialmente ao final do preparo. Mas também podem ser triturados junto com sal e socados com alho para manter na geladeira como tempero pronto para carnes e refogados.  Ou simplesmente misturadas com sal para usar em todo tipo de prato salgado. Os grãos são ótimos para perfumar bolos de especiarias combinados com outros condimentos como cardamomo, noz moscada, cravo, canela, gengibre em pó.  E misturados com doce, como o recheio de goiabada do biscoito a seguir, conferem sabor intrigante entre especiarias e pimenta.  Imagino que também combinem com chocolate.  

Elas já foram mais usadas tanto como condimento quanto como medicamento. Foram, no entanto, substituídas pela pimenta-do-reino, exótica. Agora, podemos fazer o caminho inverso e incluí-la entre os temperos de todo dia, já que temos a planta nascendo espontaneamente em qualquer matinha.  Se não estamos dando a devida atenção ao ingrediente tão atrativo, o mesmo não acontece com as indústrias farmacêuticas, químicas e cosméticas, que estão de olho nestes condimentos brasileiros ricos em óleo essencial – algumas espécies de pimenta-de-macaco apresentam óleo essencial fonte de dilapiol, substância aromática com ação como bactericida e fungicida.  Na medicina caseira, tem longo uso como protetor estomacal, contra pressão-alta e diabetes.  

Não são muito fáceis de encontrar nas grandes capitais, mas em feiras de produtores ou mercados municipais de pequenas cidades de quase todo o Brasil elas estarão lá, discretas, nos tabuleiros de ervas, sementes e raízes ou nas bancas de temperos. Todas elas terão o aspecto de um pequeno pedaço de barbante, mais fino ou mais grosso, uniforme ou listrado, de coloração enegrecida quando secas. Experimente!

Mamul ou Biscoito de goiabada com pimenta-de-macaco

200 g de manteiga sem sal
1 xícara de farinha de trigo
1 e 1/2 xícara de semolina fina
1 pitada de sal
1/3 de xícara de açúcar
7 colheres (sopa) de água (100 ml)
2 colheres (sopa) de água de flor de laranjeira
1 colher (chá) de raspas de limão
1 colher (sopa) de açúcar de confeiteiro para polvilhar

Recheio
130 g de goiabada cortada em 25 pedacinhos
1 colher (sopa) de grãos de pimenta-de-macaco


Derreta a manteiga e espere esfriar. Numa tigela, misture a farinha, a semolina, o sal e o açúcar. Junte a manteiga derretida e misture bem com um garfo. Cubra e deixe repousar por 6 horas em temperatura ambiente. Misture a água com a água de flor de laranjeira e as raspas de limão e despeje aos poucos sobre a massa. Trabalhe-a com a ponta dos dedos até que fique homogênea, sem sovar.  Deixe repousar por 15 minutos, divida em 25 porções. Abra no meio e coloque um quadradinho de goiabada empanada na pimenta-de-macaco. Feche e molde na forma. Bata a forma na beirada da mesa ou da pia para desenformar. Se não tiver o molde, use uma xícara pequena, aberta e rasa e enfarinhe bem a massa, pois terá que desenformar na mão sem poder bater a xícara. Ou apenas molde nas mãos mesmo e faça um desenho por cima com um garfo. Coloque numa assadeira sem untar, leve ao forno médio pré-aquecido e deixe assar por 20 a 30 minutos ou até que fique firme e ligeiramente dourado no fundo. Polvilhe açúcar de confeiteiro, espere esfriar e Nhac!

Rende: 25 biscoitos 



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