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Pêssego verde em calda. Coluna do Paladar, edição de 01 de dezembro de 2016

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Hoje tem coluna do Paladar, no jornal O Estado de São Paulo, no blog do caderno e também aqui. 




Está aqui uma das iguarias que poderia figurar naquelas lojas japonesas que vendem frutas a preço de joia.  Aposto que muita gente pensou num doce fino, brilhante, com calda transparente, em pote de cristal e tal.  Pensou certo, pode ser tudo isto, mas este doce caipira ainda não conquistou a fama fora da roça.

A simples palavra roça ou caipira já faz descer alguns degraus tudo o que temos de melhor no campo.  Aliás, campo, campanha, camponês, campestre só soam melhor porque nos remete ao ambiente europeu. Mas, quando nos livrarmos dos preconceitos e  principalmente das jequices,  vamos descobrir que alguns de nossos pitéus caipiras não perdem em nada pra especialidades europeias.  Está certo que ganham em açúcar, mas isto dá pra corrigir.

Mesmo porque muito do que temos hoje na culinária caipira tem mãos imigrantes por trás.  Caso do pêssego, a começar pela planta (Prunus persica, L.) originária da Ásia e trazida pra cá pelos colonizadores, finalizando pelos preparos - afinal não consta de nosso arsenal indígena conservar frutas em caldas de açúcar. 

Só quem já passou por guerras e frios infrutuosos pensaria em conservar frutas assim, ainda mais sendo verdes.  Comer o que tem e depois o que vem, este é o lema em terras de fartura de frutas e clima generoso.   Nas cidades grandes, sim, vamos encontrar frutas de todos os lugares em todas as épocas, mas na roça frutas passaram a ser conservadas em caldas para os períodos de entressafra e também porque é um jeito de aproveitar frutas em estágios não apreciados para o consumo in natura, ampliando a duração da safra e evitando desperdício quando todas as frutas parecem combinar de amadurecer ao mesmo tempo. Assim, figo, pêssego, manga e mamão, principalmente, costumam ser usados para doces em calda, pastosos ou de corte.

E a técnica ficou não só por necessidade de conservação mas também pelo resultado desejado. Podemos preparar e comer a sobremesa imediatamente só pelo prazer de ter na boca o doce ácido, algo amargo, suculento e perfumado com a própria semente.  Eu sou muito mais por uma compota de pêssego verde que do maduro.

No interior do Paraná,  no sítio dos meus avós e na casa de vários parentes e conhecidos, os vidros cheios de pêssego verde coincidiam com as férias em época de Natal.  A  intenção de ampliar a safra, de chegar antes dos passarinhos e ainda dispor de sobremesa deliciosa sempre foi muito clara mas também pode ter surgido para evitar o desperdício dos pêssegos pequenos que às vezes são colhidos e descartados ainda verdes para melhorar a qualidade das frutas mais promissoras.  É isto que acontece com pequenos pêssegos japoneses, estes sim vendidos atualmente como raridade.  Só começou recentemente a gourmetização desses pesseguinhos chamados de wakamomo,  antes descartados durante a primavera nos pomares em torno de Fukushima e Kyoto para aprimorar as frutas que seriam colhidas no verão.  Colhidos ainda mais miúdos do que de costume por aqui, eles hoje são cozidos em xarope de açúcar e servidos como iguaria.

Os nossos ainda são privilégios dos que têm um pé de pêssego por perto.  Estes meus foram pura sorte.  Claro que todos os anos eu colho uma pequena quantidade deles numa praça perto de casa – imagino que já tenha se acostumado com esta notícia -,  porém desta vez  a colheita foi mais farta. Para falar a verdade, colhi todas as frutas do pé.  Não se assuste com a ruindade de não ter deixado nada para os passarinhos ou transeuntes que gostam da fruta madura.  Ao meu favor tenho a dizer que o pequeno pessegueiro foi atropelado por uma figueira que se esborrachou no chão depois de uma tempestade. Colhi todos os pêssegos dos galhos mutilados no dia seguinte e aqui estão eles sãos, gostosos e salvos. 

O preparo tem poucos segredos e um deles é que a película tem que ser retirada para que a calda encharque bem a polpa. O outro é que não deve levar nem cravo nem canela e isto aprendi com Dona Olga, minha mãe. É que o tempero vem da própria semente que não é descartada – nem engolida, claro, é só tirar da boca de modo não muito elegante.  É que, como outras frutas da família das Rosáceas, as sementes do pêssego têm a mesma substância aromática que dá sabor às amêndoas amargas, às cerejas e às sementes da nêspera, por exemplo. E é aí que está a grande atração deste doce.  

Então, agora é só ir atrás de produtores  a quem possa encomendar frutas ainda verdes - a polpa deve estar bem verde e dura.  Com o doce pronto,  basta servir puro com a calda ou com uma colherada de sorvete, nata, creme batido, iogurte ou usar para fazer receitas que faria com a compota de pêssego maduro.  E nhac!

COMPOTA DE PÊSSEGO VERDE

1 kg de pêssego verde
1 colher (chá) de sal amoníaco (opcional, para tirar a pele)
500 g de açúcar

Lave bem os pêssegos e coloque numa panela. Cubra com água e junte o sal amoníaco. Assim quer ferver, escorra, espere esfriar e guarde no freezer. No dia seguinte, com os pêssegos ainda congelados, vá puxando a pele debaixo da água e ela sairá facilmente. Se não quiser fazer isto, descasque as frutas uma a uma com faca de legumes bem afiada, mantendo os biquinhos – vá deixando as frutas numa bacia com água para não escurecer.  

Coloque as frutas sem pele numa panela de aço inoxidável, cubra com água e cozinhe por cerca de 25 minutos ou até que fiquem macios mas não moles. Descarte uma parte da água, mantendo cerca de meio litro. Junte o açúcar e deixe cozinhar até que ele derreta e forme uma calda como xarope. Se quiser cobrir com mais calda, junte mais açúcar e mantenha quantidade maior do líquido de cozimento.  Depois de frio, conserve na geladeira.

Não coloque nem cravo nem canela que podem mascarar o sabor amendoado das sementes.

Rende: 12 porções




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