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Entre ervas e flores. Carla, horta, chás e infusões. Coluna do caderno Paladar. Edição de 04/02/2016

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Hoje tem coluna no Paladar, do Estadão. Você pode ler no próprio jornal impresso, no blog do caderno ou aqui no Come-se.  As ervas e flores do quadro são todas da horta comunitária City Lapa, aqui na minha rua, do meu quintal e do quintal da vizinha. 


Entre ervas e flores

Numa tarde bastante iluminada recebi a visita da Carla Saueressig, uma das maiores especialistas em chá de São Paulo,  para conhecer as ervas aromáticas que cultivamos na horta comunitária da minha rua e, entre manifestações de alegrias e de surpresa,  saiu com a ponta do nariz verde como sua roupa,  de tanto cheirar folhas. Às vezes espremida, esmigalhada ou só tocada, e Carla sabe o que é melhor, cada espécie provocava um tipo de reação.   

Dias antes Ana Luíza Trajano, do restaurante Brasil a Gosto, também esteve aqui para me trazer seu novo livro e conhecer o espaço, que é mais um jardim de utilidades que uma horta clássica, e só no final de visita, depois de já termos tomado chá em casa, é que percebi que a fragrância cítrica que nos acompanhava vinha de sua mão que não havia soltado as folhas de gerânio-de-cheiro e um galhinho de verbena que colheu momentos antes.  E foi embora segurando o arranjo.





Carla está, desde 1999, à frente d’ A Loja do Chá - Teegschwendner, no Shopping Iguatemi e desde então participa de provas e ajuda na criação de blends para a marca alemã.  A simpática loja cheia de caixinhas e gavetas etiquetadas não vende só os chás importados , mas também ervas, especiarias e flores nacionais, como o mate,  o chocochá à base de nibs de cacau e misturas criadas por ela como o “pão de mel”, que combina cacau, cardamomo e erva-doce.  E muitas outras opções para chás e infusões.

Para quem não sabe, chama-se cháa bebida preparada com folhas de Camellia sinensis, que podem ser tratadas de forma diferente conforme o resultado que se deseja.  Chá branco, preto ou verde são todos preparados com a mesma folha.  Bebidas feitas com outras espécies são chamadas de infusões, mas no Brasil costuma-se chamar todas de chá indistintamente.  Afora a questão semântica, o importante é saber o que se está tomando.  Entendemos que um chá de hortelã é feito apenas com esta erva, mas um chá com jasmim leva as folhas a C. sinensis mais as flores do jasmim.  Mais importante ainda é que deveríamos tomar mais chás e menos refrigerantes, por exemplo.

Uma das queixas de Carla é de que no Brasil há pouca produção de ervas aromáticas de qualidade. E quando há, são apenas aquelas mais comuns ou as medicinais.   Aliás, o que emperra o consumo de chá de ervas aromáticas é que muita gente pensa nele apenas como medicamento e não como fonte de prazer, como se dá com o café. Carla e eu sabemos que é comum a gente convidar alguém para tomar um chá de erva e a pessoa perguntar para que serve.   Emagrece, é bom para o fígado, é calmante, abaixa a pressão, colesterol?  Pouca gente terá uma reação do tipo:  Chá de verbena? Ah, que delícia!

Claro, todas ervas aromáticas e especiarias são medicinais,  embora nem todas as medicinais sejam aromáticas e gostosas, mas não precisamos ficar o tempo todo pensando em doença ou só lembrar dos chás quando ela chega.  Podemos pensar em chá como bebida que adoça a vida, revigora a alma e ainda por cima  acalma os nervos, hidrata o corpo, promove saúde e evita doenças.

Carquejas, cavalinhas, milfolhas e  outras ervas amargas, deixemos para quando realmente precisarmos, na doença. Na saúde, vamos levando com os chás gostosos.  Nem vamos ficar inventando problemas.   Não bastassem os problemas reais, vivemos a buscar alguns imaginários,  botando a culpa no que comemos ou no pobre do fígado, que raramente se faz sentir  – só pra lembrar, a  escritora americana Elisabeth Bishop, quando morou no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, ficava impressionada com a fixação do brasileiro em falar dos males do fígado.  Hoje, não seria muito diferente e haja boldo! Não à toa,  é a erva mais colhida na nossa horta.

A fitoterapia é uma opção terapêutica barata, eficaz e apropriada para a maior parte dos problemas de saúde,  porém as ervas aromáticas deveriam atrair primeiro pelo aroma e pelo sabor, que é uma forma de nos atrair para o consumo desinteressado e prazeroso.  Os benefícios para a saúde, e são vários, podem vir como mensagem subliminar.  Moradores da  Ilha de Icaria, na Grécia, plantam ervas como sálvia, hortelã e alecrim para preparar infusões que tomam no dia a dia,  porque fazem bem para a saúde e também porque apreciam.  E, dizem,  este pode ser o segredo da longevidade de que tanto se vangloriam.
No interior da Bahia, manjericão não é conhecido como tempero, mas como chá. Um chá gostoso que se dá a menino doente. Já o chá de flores e folhas de catingueira, que lembra um suave perfume de jasmim de coloração amarelada, é tomado por prazer, adoçado, no lugar do café.  O de flores de umbu lembra um pouco o chá de flor de sabugueiro, com ligeiro perfume de mel. Já o limãozinho(Pectis brevipedunculata), encontrado na época de chuva à beira do Rio São Francisco – e também na Amazônia,  lembra a verbena e pouca gente conhece, mas quem já provou do seu chá, sabe o potencial que tem.  Bobo de quem acha que estes chás são coisas de gente pobre que não tem café. E sorte de quem estas iguarias por perto, um verdadeiro luxo.

Mas Carla sabe que está longe o dia em que folhas e flores da Caatinga chegarão ao mercado de chás, assim como ervas como as que plantamos na horta comunitária: manjericão-anis , manjericão-cravo, gerânio cheiro-de-rosas, gerânio-limão, canelinha, flores de lírio-do-brejo, malvaviscos vermelhos, flores azuis de feijão-borboleta e tantas outras.
De nosso encontro, surgiu a ideia de um festival com chás brasileiros a começar pelos da Caatinga, com tanta preciosidade escondida. Depois viriam outros. Carla foi embora levando dois pacotes para estudar melhor, um de chá de flor de catingueira e outro de folhas de umbu, azedinho. 

Enquanto este dia não chega,  vamos nos divertindo com o que temos.  Podemos comprar ervas secas em lojas de chá, como a da Carla, encomendar as frescas mais raras na Fazenda Maria ou tê-las em casa a partir de mudas da Sabor de Fazenda ou feitas com galhos ou sementes que se ganham.   Aproveitar cascas secas de frutas como de cítricos e abacaxi também é uma boa ideia - Carla contou que a mãe sempre mantinha as cascas de laranja penduradas para secar e depois perfumar chás.  Algumas espécies quando secas ficam melhores para chás, é o caso da casca de laranja.  E podemos ainda colher folhas de pitanga e de goiaba, que também fazem chás perfumados, lembrando as frutas. Temos também as flores de jasmim, de murta, de laranjeira, as tagetes, os cravos, malvaviscos e tantas outras. Não será por falta de opções ou de dinheiro que vamos deixar de tomar chás.
O picolé que apresento tem sabor agradável de rosas dado pelas folhas do gerânio cheiroso e não pelas rosas, que só enfeitam, mas tome-o como uma partida para suas próprias criações. Você pode mudar as ervas e flores conforme sua disponibilidade. 

Ficam as dicas

Para preparar infusões de ervas, um litro de água quase fervente, um punhado de ervas, fogo desligado, chaleira tampada por 10 minutos e está pronto.  Se usar especiarias ou frutos, é bom ferver por 5 minutos antes de deixar em repouso.

Combine ervas de acordo com suas características. Por exemplo, há ervas que fornecem cor mas quase nada de sabor. Junte com outras que tenham sabor mas pouca cor, como exemplo: flores azuis de feijão-borboleta com manjericão-anis; perpétua-do-mato, que é vermelha, com folhas de gerânio cheiro-de-rosas, ou gerânio cheiro-de-rosas com pétalas de rosas ou flores de perpétua pink etc.

Com a infusão pronta, use-a adoçada ou não para preparar ponches, gelatinas, picolés, drinques, sorbets ou para cozinhar frutas.

Se for usar frutas, escolha aquelas que não se desfazem para não turvar a bebida. Maçãs, abacaxis e cascas de laranja são boas escolhas.


Chá de rosas em palitos. Ou Picolé de gerânio com rosa

Infusão transpartente com gerânio cheiro-de-rosas e verbena
2 xícaras de água
¼ de xícara de açúcar
1 xícara de folhas frescas de gerânio cheiro-de-rosas
½  xícara de folhas frescas de verbena (erva-luísa)
2 colheres (sopa) de suco de limão
Algumas  mini-rosinhas vermelhas orgânicas ou cultivadas por você
Folhinhas de verbena

Leve a água com o açúcar ao fogo. Quando começar a querer ferver, desligue o fogo, junte as folhas lavadas, tampe e espere 10 minutos.  Escorra, espere esfriar e junte o suco de limão.
Coloque o líquido em forma de gelo com formato bolinha. Espalhe entre elas pétalas de mini-rosa e folhinhas de verbena.  Deixe congelar.  Fazer assim é um jeito de prender no lugar as pétalas que sempre insistem boiar no líquido.

Infusão colorida com gerânio cheiro-de-rosas e  hibisco
2 xícaras de água
¼ de xícara de açúcar
1 xícara de folhas frescas de gerânio cheiro-de-rosas
2 sépalas de hibiscos secos ou frescos (os de fazer chá, da espécie Hibiscus sabdariffa) ou 2 malvaviscos vermelhos para colorir
2 colheres (sopa) de suco de limão

Leve a água com o açúcar e hibisco ou malvavisco ao fogo. Deixe ferver por 3 minutos, desligue o fogo, junte as folhas lavadas, tampe e espere 10 minutos.  Escorra, espere esfriar e junte o suco de limão.  Leve ao freezer por uma hora pra ficar bem gelado.

Monte o picolé: em forminhas de picolé, distribua as bolinhas de gelo com as pétalas de rosa e despeje por cima a infusão colorida bem gelada.

Se quiser, deixe um espaço nas forminhas e, com a mistura já congelada, despeje por cima uma infusão usando mais hibisco – feita da mesma forma que a infusão colorida, só que mais forte.


Rende:  6 a 8 picolés 

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