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Coluna do Paladar. Edição 06 de agosto de 2015. Bertalha-coração

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A coluna Nhac está no caderno Paladar, do jornal Estadão de hoje, no blog do Caderno e também aqui. 

Se quiser ver mais receitas vá ao campo de busca aí do lado e procure como bertalha-coração ou caruru-do-reino. Há várias receitas espalhadas por aí ao longo destes anos. 




BERTALHA CORAÇÃO

Há certas coisas deselegantes de se dizer sobre espécies vegetais e animais que apreciamos,  mas que precisam ser ditas antes de colocar para tocar o lado A, mesmo contrariando todo o nosso amor pelo ser vivo em questão: a bertalha-coração é considerada por aí uma verdadeira praga.

Mas, calma lá, tudo pode ser mais fácil se passarmos a devorá-la, como fazem as larvas de certos besouros – aliás, eles são a esperança de cientistas como arma biológica para duelar com a trepadeira. Vários estudos mundo afora buscam uma saída para conter o crescimento desembestado da planta quando ela escapa da vista.

A planta Anredera cordifoliaé nativa da América do Sul, naturalizada em vários países como planta ornamental e alimentícia mas considerada uma praga exótica quando pula o muro dos jardins e canteiros. Na Austrália, África do Sul, Havaí, Nova Zelândia  e outras ilhas do Pacífico ela representa um problema ambiental sério pois domina florestas, áreas costeiras e ribeirinhas encobrindo todas as árvores como uma capa verde invencível.

Agora, além de ser uma trepadeira linda, com floração exuberante em cachos brancos, delicados e perfumados, suas folhas verdes são espessas e têm um bonito formato de coração, nem sempre no desenho clássico. Lembram o espinafre, porém, sem aquela picância desagradável e algo tóxica dada pelo ácido oxálico quando esta verdura está crua. Cruas ou cozidas, as folhas da bertalha-coração são sempre suaves, sem amargor nem pungência e a textura é muito macia, quase cremosa. E tudo o que você faria com o espinafre, pode fazer com as folhas da bertalha-coração.

O exemplar que mantenho hoje no quintal e na horta comunitária veio de uma amiga chinesa há muitos anos. Disse que era comestível, que a mãe cultivava, mas não sabia o nome em português. Fui mantendo a espécie por perto até descobrir um de seus nomes, caruru-do-reino,  e seus usos em Minas Gerais como verdura.  Mesmo mantida à rédea curta, às vezes a gente acorda e a encontra uma braçada mais alta se apoiando no telhado do vizinho e por isto foi logo apelidada por aqui de “terror-do-reino”.

Mas vamos ao lado lado bom desta selvageria toda. Que outra hortaliça produz folhas nutritivas e gostosas tão abundantemente, durante o ano todo e sem exigir cuidados?  O ora-pro-nobis, talvez, que tem folhas assemelhadas. Mas ainda não chega aos seus pés. E que outra verdura dispõe de tantos sortilégios para perpetuar a espécie? A bertalha-coração tem túberas aéreas e subterrâneas, chamadas também de bulbilhos, que resistem a intempéries e quando expostas a qualquer sinal de umidade já começam a lançar raízes para formar novas plantas que, mesmo sem gavinhas, vão estendendo seus galhos flexíveis que se arrastam e escalam o que estiver no caminho.  Ela prefere umidade e local sombreado mas resiste à seca e geadas com garra. É, portanto, e desculpe-me o pessimismo de um lado, uma planta alimentícia para o futuro – otimista, aqui -  se pensarmos na escassez de água e as consequências trágicas para a olericultura tradicional centrada em verduras frágeis e sazonais como espinafres, brócolis, alfaces e rúculas, por exemplo.

Quer mais vantagens da planta? As flores são melíferas, atraem muitas abelhas nativas,  e as túberas, tanto as aéreas quanto as subterrâneas, maiores, também são comestíveis e gostosas. As aéreas são mais fartas, com claro sabor de batatas e tamanho de nhoque  - comparação induzida, claro.   Elas crescem em aglomerados que saem diretamente dos galhos e cada túbera pode gerar uma ou mais planta se não a comermos.  Para usar, basta soltar umas das outras. Quando cruas,  têm mucilagem como o quiabo, mas podem ser cozidas inteiras e servidas com casca. São como umas pequenas batatas de superfície rugosa, que atraem e seguram molhos mais densos ou vinagretes  - para fazer como aquelas batatinhas de aperitivo.

Se o problema dela é a produção farta, um bom controle biológico seria o consumo das folhas e bulbilhos como alimento, como se faz na China, um dos poucos países com cultivo comercial da planta. E não é só para alimento que cultivam,  mas também para medicamento que, desidratado, é vendido em cápsulas sob o nome de “binahong”.  Atribui-se à planta poderes milagrosos de normalizar a circulação e pressão arterial, restaurar o sistema imunológico, curar ferimentos entre outras funções.  Um pouco disto tudo parece ser verdade. Há vários trabalhos publicados sobre seus benefícios para a saúde.

Em locais públicos, canteiros e terrenos abandonados, não é difícil encontrá-la como planta espontânea. Já fotografei moitas dela em várias capitais do Brasil e pequenas mudas até em jardins como o do Museu da Casa Brasileira junto de tansagens e serralhas.  

Provavelmente não será fácil encontrar a verdura em feiras livres, mas tenho certeza que reconhecerá as folhas trepadeiras em forma de coração quando as vir por aí. E se frequenta uma feira de produtores, aposto que saberão do que está falando quando disser que compraria as folhas e bulbos se eles trouxessem para vender. Muitos destes produtores devem ter a dita praga nos canteiros e amaldiçoá-la todos os dias.   

As folhas podem ser consumidas cruas, refogadas ou cozidas, em sopas, massas, suflês, fritadas e cremes. E os bulbos, use-os como batatas, inteiros, cozidos por 10 minutos.

Bulbilhos de bertalha-coração com suas folhas na manteiga

2 xícaras de bulbilhos de bertalha-coração
2 colheres (sopa) de manteiga
1 colher (sopa) de azeite
2 dentes de alho picado em cubinhos
1 xícara de folhas de bertalha-coração
Sal e pimenta-calabresa a gosto

Para a cobertura e farofa de pão
4 fatias bacon
1 colher (sopa) de manteiga
4 colheres (sopa) de pão duro ralado grosso (usei pão de abóbora)
Sal a gosto
Raspas de meio limão siciliano

Lave bem os bulbilhos e cozinhe por 10 minutos em meio litro de água temperada com 1 colher (chá) de sal.  Enquanto isto, prepare a cobertura: coloque as fatias de bacon numa frigideira, leve ao fogo e deixe fritar em sua própria gordura até ficar crocante. Tire da frigideira e reserve.  Aqueça a manteiga na mesma frigideira,  junte o pão e mexa bem para formar uma farofa e o pão começar a dourar. Desligue o fogo, tempere com o sal a gosto e as raspas do limão. Reserve.
Escorra os bulbilhos e reserve. Coloque em uma frigideira a manteiga e o azeite com o alho. Deixe começar a dourar. Junte os bulbilhos e as folhas e refogue até que as folhas murchem. Desligue o fogo e tempere com sal e a pimenta-calabresa a gosto. Sirva como nhoque, com o pão ralado e o bacon quebrado por cima.

Rende: 4 porções



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