Ontem ultrapassamos fronteiras e nos embrenhamos por outros rincões do Sertão de São Francisco. Estivemos em Curaçá, município vizinho de Uauá e visitamos uma escola rural, um pequeno criador de frangos e uma horta comunitária.
Chegamos à escola bem na hora da merenda e os alunos comiam um prato de macarrão branquelo e mole com umas lascas de sardinha em lata. Fiquei impressionada de ver a dispensa: mistura pronta pra arroz doce, mistura pronta pra risoto, mistura pronta pra curau, sacos de leite em pó, açúcar, sardinha, massa de tomate, macarrão, biscoito, mistura para cuscuz. As misturas, todas elas com acréscimo de gordura vegetal hidrogenada, corantes, conservantes, acidulantes e aromatizantes. O cardápio pregado na parede já é pobre nutricionalmente, mas o que se pratica é ainda pior, é feito do que é possível. Diretoras e merendeiras têm que fazer das tripas coração para conseguir fazer alguma comida com aqueles produtos da dispensa. Para ganhar algum ar de comida, trazem alho, coentro e cebola de casa. As merendeiras não têm capacitação e trabalham sem uniforme, com unhas grandes e pintadas, com cabelo solto, em cozinhas precárias, com geladeira doméstica, quando tem. Algumas trabalham em várias funções. Algumas tratam os alunos com delicadeza, outras, servem a comida como quem dá comida aos porcos. Com as mãos, uma merendeira de uma escola que visitei pega um lanche seco e entrega displicentemente aos alunos - vi um pão aberto, seco, recheado com uma única fatia de mortadela, por exemplo. Em muitas escolas, nem mesa de preparo na cozinha tem. Refeitório, a maioria não tem. Os alunos pegam os lanches e saem pelo pátio árido e nada acolhedor para abocanhar sua ração. E tratam aquilo não como comida mas apenas como combustível - ou munição -, por isto não é raro ver guerra de cream cracker, maçãs ou melancia nos páteos.
Nas escolas rurais não chegam produtos da agricultura familiar, pois o município prefere gastar os 30% que lhe cabe nas escolas urbanas, por questão logística. É mais fácil a distribuição de bananas, por exemplo, nas escolas da cidade, pois são todas perto umas das outras. Já as escolas rurais sofrem todos os tipos de castigo e lhes restam estes alimentos pré-prontos. E justo estes alunos são os que moram longe, em fazendas precárias, sem plantações, com menos acesso a frutas e verduras, e saem bem cedo de casa, enfrentando longas distâncias de estradas esburacadas. Às 10 horas eles estão morrendo de fome e o que tem é biscoito com leite diluído com café ou um cuscuz seco com soja (a proteína preferida pois vem seca e não precisa de refrigeração) que é servido com água. Então, aquela história de que a merenda deve suprir 30% das recomendações nutricionais do dia, esqueça. É inconcebível pensar numa escola rural sem uma horta sequer, sem uma fruta fresca ou um legume ou uma folha, sem um recanto agradável com sombra e mesas para os alunos comerem com dignidade. Mas elas existem e estão espalhadas por todo o Brasil, como aquela de
Acrelândia. E depois queremos um mundo melhor, com adultos recheados de valores éticos e morais. Como, se nossas crianças são tratadas e alimentadas desta forma?
Mas, tudo bem, ontem teve bons exemplos também. Conhecemos, na comunidade Cachoeira, em Curaçá, uma horta comunitária tocada por dez famílias com muita gente jovem. O terreno, as sementes e a assistência são doações de uma mineradora da região, não porque ela é caridosa, mas como forma de minimizar os estragos ambientais que fiz por ali. Mas vou falar das coisas boas. Cada família cuida do seu pequeno espaço de 75 por 9 metros e ali produz, irrigando direto na terra, ou molhando a terra com regador, berinjelas, coentro, repolhos, couves, repolho, mamão, entre outros itens. Berinjela é como se fosse uma panc (planta alimentícia não convencional), porque não tem saída, ninguém sabe o que se faz com ela, e assim amadurece no pé. Jiló e manjericão, a mesma coisa. O manjericão é plantado só para as abelhas.
Visitamos ainda uma pequena granja onde as galinhas recebem não só milho, soja e complementos minerais e vitamínicos, mas também folhas de leucena e mamões plantados só pra elas ali na propriedade, que se vira sem energia elétrica. Algumas fotos.
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Pedras abundantes do sertão, craibeira florida e jeguinho. E coisa rara por aqui: céu de chuva |
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Delma e seus repolhos |
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Antônio ensinando a usar as folhas da cenoura pra rechear peixe |
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Repolhão |
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Escola rural |
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Hilário, outro jovem que produz em outra comunidade, Antônio, marido de Delma, e João, da equipe da Coopercuc |
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Todo mundo tira lasquinha da amburana de cheiro. Medicinal e perfume. |
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Os umbuzeiros estão floridos |
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A flor é perfumadíssima e linda |
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O manjericão daqui é super perfumado, mas ninguém usa na comida. É mais uma panc |
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Berinjelas amadurecem no pé. Ninguém sabe como comer |
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Mesmo o quiabo não tem boa saída |
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A granja quase artesanal. A porta do galpão é aberta e elas podem ciscar no terreno. |