Está lá no blog no Paladar e no Estadão impresso de hoje, mas colei também aqui a coluna Nhac sobre o tamuatá, este soldadinho do mato que ainda carece de atenção de cozinheiros antenados.
Não tenha medo da armadura
- Com certas manhas e técnicas, o pequeno cascudo com cara de comida de dinossauro torna-se uma iguaria. FOTO: Neide Rigo/Estadão
Parece não ser privilégio das espécies vegetais terminadas tonicamente em “a” a sina do desprezo. A mesma sorte do gravatá, pacová ou jatobá tem o tamuatá, peixe com cara de comida de dinossauro. Quem sabe se o chamarmos por outro de seus nomes ele não terá mais sorte?
Conheci o pequeno cascudo (Hoplosternum littorale) no Pará e me afeiçoei ao bicho. No Mercado Ver-o-Peso, em Belém, as bancas exibem sua carne alaranjada escondida sob a armadura medieval de cor cinza. Foi isso que me fez comprá-lo mesmo sem saber o que me esperava. Perguntei como era a forma clássica de preparo e a resposta foi unânime: com tucupi. Levei os dois ingredientes e mais jambu, coentro-de-pasto e pimenta-de-cheiro para a casa dos meus anfitriões paraenses, que festejaram minha escolha acertada. Depois fiquei sabendo que arrisquei: não é todo paraense que aprecia o peixe. E os que não apreciam odeiam.
Em São Paulo. D. Jerônima Brito tem uma pousada em Soure, na Ilha do Marajó, e andando comigo pelo Mercado da Lapa ficou espantada ao ver no cando da vitrine da peixaria o mesmo tamuatá com o nome de caboge, mais barato que o de lá. Quando o prepara para hóspedes, os que mais gostam são os franceses, e os que mais o rejeitam são os próprios paraenses.
Se preparado corretamente, é um peixe gostoso, forte, com carne firme de fibras grossas. Jean de Léry, em sua obra Viagem à Terra do Brasil, no século 16, já se referia ao tamuatá ao falar dos peixes de rio comidos pelos tupinambás.
Também conhecido como caboge, caborja, tamoatá, tamutá, viramorro, soldado ou peixe-do-mato, pode ser encontrado em rios e lagos pantanosos. Um fato curioso é que respira tanto na água quanto no ar. Assim, consegue se deslocar de poça em poça, pulando pelo mato, quando os lagos secam.
Também conhecido como caboge, caborja, tamoatá, tamutá, viramorro, soldado ou peixe-do-mato, pode ser encontrado em rios e lagos pantanosos. Um fato curioso é que respira tanto na água quanto no ar. Assim, consegue se deslocar de poça em poça, pulando pelo mato, quando os lagos secam.
Ele não é o tipo de peixe que basta temperar e chapear. Mas é carnudo, fácil de separar da espinha e muito nutritivo. Antes de cozinhar, costuma-se deixá-lo de molho em água com limão ou vinagre. Mas não precisa, a menos que ele tenha muito pitiú, aquele cheiro de carpa que come lodo.
Para tirar a carapaça é preciso aferventá-lo antes do preparo. A cabeça e o rabo podem ser mantidos, assim como as vísceras – o fígado gordo e eventuais ovas são muito apreciados para o preparo do recheio para o próprio peixe. As carapaças também podem ser mantidas para ser retiradas no prato. Quem tem destreza para despir camarões não terá dificuldades para afastar a casca do peixe. Prefiro eviscerar e tirar carapaça, rabo e cabeça antes de servir.
A receita que apresento aqui fiz usando o sumo fresco da mandioca mansa em vez de tucupi, que é o caldo da mandioca brava fermentado. Mas pode ser feito com molho de tomate, de caril ou no leite de coco com coentro e limão. Só não são páreos para ele aqueles molhos fracotes como o de manteiga com amêndoas ou azeite de ervas.Tamuatá no sumo fresco de mandioca
Rendimento: 8 porções
Ingredientes
8 tamuatás
700 g de mandioca descascada
1 colher (sopa) de sal
2 limões-rosa
1 colher (sopa) de óleo
1 cebola média picada
2 dentes de alho socados
10 folhas de alfavaca rasgadas
2 pimentas-cumari-do-pará, partidas ao meio
4 pimentas-doces (murupi) picadas
1/2 colher (sopa) de colorau
4 folhas de coentro-de-pasto (chicória-do-pará) rasgadas
4 colheres (sopa) de coentro picado
sal, pimenta-do-reino, limão e coentro para finalizar
8 tamuatás
700 g de mandioca descascada
1 colher (sopa) de sal
2 limões-rosa
1 colher (sopa) de óleo
1 cebola média picada
2 dentes de alho socados
10 folhas de alfavaca rasgadas
2 pimentas-cumari-do-pará, partidas ao meio
4 pimentas-doces (murupi) picadas
1/2 colher (sopa) de colorau
4 folhas de coentro-de-pasto (chicória-do-pará) rasgadas
4 colheres (sopa) de coentro picado
sal, pimenta-do-reino, limão e coentro para finalizar
Preparo
1. Limpe bem os tamuatás, abrindo-os pela barriga e retirando todas as vísceras (separe fígados e eventuais ovas para usar em recheios). Deixe de molho por cerca de 1 hora em 2 litros de água e suco de um limão.
2. Corte a mandioca em pedaços, enquanto o peixe está de molho. Bata a mandioca no liquidificador com 1 litro de água (faça isso em duas vezes para não forçar o aparelho). Passe por pano e esprema bem para sair todo o caldo. Reserve o caldo numa tigela de vidro por 1 hora. Quando o fundo estiver branco e o caldo, límpido, é porque está pronto. No fundo, estará o amido, que, com o resíduo no pano, pode ser usado para fazer beijus. Reserve o caldo.
3. Escorra os peixes e enxágue. Numa panela grande, afervente 2 litros de água com o sal e o suco do outro limão. Tempere com ervas de cheiro a gosto. Deixe cozinhar até que, espetando a carapaça, ela se solte facilmente. Espere esfriar e tire o rabo, a cabeça e a carapaça, empurrando-a com a ponta de uma faca ou com os dedos. Reserve.
4. Aqueça o óleo numa panela e refogue tudo junto, a cebola, o alho, a alfavaca, as pimentas, o coentro e o colorau, só até esquentar. Junte o sumo da mandioca e cozinhe, mexendo sempre, até ferver e a cebola amolecer. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto. Junte o peixe e cubra-o com um pouco do molho. Deixe cozinhar por 15 minutos ou até o peixe ficar macio. Confira o sal e corrija, se necessário. Junte umas gotas de limão e folhas frescas de coentro. Sirva com mandioca cozida ou farinha d’água.
Rende: 8 porções