Peixe frito com farinha, açaí branco e açaí preto. No Ver-o-Peso |
As coisas vão acontecendo, mas não quero deixar de registrar pouco a pouco a viagem ao Pará. Façamos de conta que ainda estou em Belém. Logo vou pro Marajó, o que significa que os posts sobre a ilha começam amanhã.
Foto feita no final do jantar das Boieiras: Por Denise Araújo, do Blog Letras Saborosas |
Para quem não acompanhou os relatos, fui ao Festival Ver-o-Peso da Comida Paraense a convite da organização do festival e da Embrapa. Falei de mandioca num fórum técnico sobre o assunto e cozinhei junto com a Deiseane, no fechamento do evento que foi o Jantar das Boieiras - as pessoas pagam um ingresso e ganham bilhetes para comer nas diversas bancas comandadas por duplas, um chef e uma boieira, que neste dia cozinham juntas. Eu não sou chef, mas fui convidada para cozinhar também e não fugi ao desafio. Minha dupla, Deiseane Ferreira, fez um delicioso risoto com o coquinho pupunha e, para completar, fiz uns "peixinhos" de folhas de mandioca mansa - a folha inteira cozida, empanada em massa de trigo e polvilho de mandioca e frita, que fica com formato de um peixinho. Muita gente repetiu. Agora, a muvuca maior mesmo foi em frente à banca do Alex Atala, por acaso ao lado da nossa. Depois dou a receita do peixinho aqui.
Outros chefs presentes formaram uma equipe de peso que você pode conferir na foto acima, entre eles, Henrique Fogaça, Janaína e Jefferson Rueda e Juarez Campos, só para citar alguns. Por aí, você imagina o que foi este grande jantar. Como fiquei fritando e servindo, não tive tempo de experimentar tudo o que foi preparado pelos colegas, mas senti os perfumes e ouvi os bons comentários. Nem fotos consegui tirar, só uma. Por isto, recorro às fotos alheias.
A foto que consegui fazer do jantar: Deiseane servindo seu risoto. Alex Atala lá atrás causando. |
Pere Planagumà e eu |
Deiseana Ferreira e eu. Foto de Denise Araújo |
Aliás, a foto minha com a Deiseane, aí em cima, é de autoria da Denise Araújo. A anterior, com o chef Pere Planagumà, do restaurante Les Cols, que veio junto com o outro espanhol Pere, o cientista Pere Castells, da Fundação Alícia, foi ele quem pediu pra alguém tirar no seu celular e gentilmente me mandou (aliás, veja as belas fotos que ele fez da viagem no Instragram).
Mas, falando em boieiras - são estas mulheres que fazem e servem boia no Mercado Ver-o-Peso. E a boia pode ser apreciada logo no café da manhã. Tem comida mesmo: arroz, macarrão, salada, peixe, carne. Já bem cedo, a gente pode ver muitos trabalhadores batendo uma boia. O que sai bem é peixe frito com açaí. O pescado do dia, em grande tamanho e rosado, é frito na hora. Eu mesma não resisti e comi numa das bancas duas vezes, sendo que numa delas, com a amiga Janaína, em pleno nascer do sol, no lugar do café com pão, já que saímos do hotel às 6 da manhã sem comer, para visitar a feira do açaí.
Da primeira vez que estive em Belém, já tem anos, para cá, muita coisa mudou. Hoje as bancas são asseadas e os boieiros e boieiras, uniformizados e melhor treinados quanto à higiene. Claro, vi ali muita coisa a ser melhorada, mas pelo menos está tudo à mostra, diferente de muito restaurante que a gente acha um luxo bela viola da porta da cozinha para o salão, mas a parte escondida ou o fundo da geladeira é um verdadeiro pão bolorento. Ou seja, dá pra comer bem no Ver-o-Peso, apesar de o açaí ser ralo.
Não me animei a comer carnes, saladas, arroz ou macarrão (muita gente mistura arroz com macarrão, que eu acho meio bizarro, mas costume é costume) em outras barracas. Agora, aquelas porções fartas de peixe fresco frito são tentadoras. E o açaí tirado na hora também. No dia da volta, quando desci do navio vindo do Marajó, parei ali para almoçar e dei sorte de cair numa banca que tinha naquele dia o açaí branco - verde, na verdade -, que tem um sabor especial, mais adocicado. A primeira vez que se come açaí com peixe ou com farinha acha-se estranho, já que não se parece com nada a que estamos acostumados na parte mais ao sul do país - açaí com açúcar, granola, leite condensado etc não vale como comparação. Isto aconteceu comigo quando provei a polpa pura da fruta pela primeira vez. É como aquela sensação de tomar uma cerveja amarga na pré-adolescência quando se está ainda acostumado ao sabor infantil e doce. Porém, depois que as papilas se adaptam, ah, a gente não quer outra coisa. É como cobrir um peixe com um azeite de oliva denso, colorido e farto.
Açaí branco e preto (ou verde e vinho) |
Com farinha |
Junto com o peixe, vem uma tigelinha de alumínio bem areado cheia de açaí. Neste dia, podia escolher, açaí preto ou branco. Perguntei se podia ter os dois para provar e meu desejo foi atendido. Vem também uma tigela com gelo, outra com farinha e um copo de água bem gelado. A primeira coisa que fiz, foi colocar o açaí sobre o peixe. Depois fiquei reparando como os frequentadores faziam. A farinha e o açaí não vão para o prato. O jeito certo de comer é assim: leva-se à boca uma garfada de peixe e, em seguida, uma colherada de açaí, direto da tigela. O gelo é pra refrescar ainda mais o açaí, e a farinha pode ir só à boca, uma colherada seguida ao açaí, ou ser polvilhada sobre o açaí, onde incha e forma um pirão grosso. Depois de ter observado e perguntado, passei a comer como uma nativa e lamentei quando dei a última bocada. Repetir seria exagero.
E assim fui forrada e satisfeita para a viagem de volta, dispensando assim aquelas bobagens de comer do avião.