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Meio febril |
Ela veio de Salvador,
daquela banca e saiu do aeroporto até que gelada. Porém, no dia seguinte, a fruta fervia de febre fermentativa. Tratamos, Silvinha, minha amiga baiana, e eu, de cozinha-la logo. A fermentação deu-lhe um leve ácido que equilibrou bastante o sabor já bem doce. Daria para fazer um creme para comer de sobremesa de tanta doçura.
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Os pedaços já descascados e desmiolados ficaram imersos em água até o momento de irem para o vapor |
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Nhoc, nhac! |
Mas o planejado era fazer nhoque, ideia que não descartamos mesmo diante da dificuldade de descascar a fruta. Só mudamos o método de cozinhar. Com a fruta mais verde e mais firme teríamos preferido a cocção em meio líquido - uma água levemente salgada que apenas cobrisse os pedaços descascados. Mas os pedaços muito macios foram cozidos no vapor por 15 minutos até que estivessem macios por igual - já que algumas partes não estavam totalmente moles. Passei pelo espremedor de batatas enquanto estava quente. Deixei esfriar e juntei 1 ovo e 1 colher de manteiga à quantidade de 850 g de polpa espremida - foi o que rendeu uma única fruta. Temperei com sal a gosto e uma colher (chá) de noz moscada ralada na hora. Aos poucos fui acrescentando farinha até que conseguisse uma consistência que pudesse manusear. Isto deu mais ou menos 1 xícara. Mais um pouco de farinha usei para polvilhar uma superfície e fazer rolinhos com 1 centímetro de diâmetro. Nisto, uma panela com bastante água já estava a ferver. Faça um teste pra ver se o ponto está bom. Faça uma bolinha e jogue na água quente. Se não se desmanchar, se subir e se manter a textura macia, está bom de farinha. Se não, junte um pouco mais. Silvinha foi cortando os nhoques com uns 2 centímetros de comprimento e eu fui cozinhando aos poucos na água borbulhante. Assim que os nhoques iam subindo à superfície eu fui retirando com escumadeira. Para acompanhá-los, já os esperava um molho de linguiça fresca com tomates - bem apimentado, que era pra combinar com adocicado da massa. Se ficou bom? Poxa, sou suspeita pra falar, mas não sobrou pra contar história. Ananda ainda levou pra comer no dia seguinte e disse que ele aqueceu bem sem se desformar. De 6 a 8 porções.
Falando um pouco da planta: o pé de fruta pão,
Artocarpus altilis, cresce no Sudeste Asiático e em várias ilhas do Pacífico. Por aqui, portanto, é fruta exótica que não teve problema algum de adaptação mas em compensação também não evoluiu muito gastronomicamente falando, com raras exceções. É uma grande pena esta precária evolução para um vegetal de tantos talentos. Pena também que fatores alheios à nossa vontade não permitam sua produção do Rio de Janeiro pra baixo (ou há produção em São Paulo?). Eu adoraria ter uma árvore com aquelas folhas pinadas do tamanho de um tronco humano, mas me contento em trazer a fruta de onde a encontro quando viajo. A vantagem é que pode ser cozida e congelada para usar depois.
Ela fermenta muito rapidamente e por isto é usada no Havaí do mesmo modo que usam o taro para fazer poi - um creme fermentado a partir do legume cozido e amassado. No caso da fruta pão, poi ulu, faz-se igual. Talvez por isto, para evitar super-amadurecimento e fermentação, que na Bahia seja costume deixá-la mergulhada em água fria assim que é comprada, até o momento de usar. Bem, a gente não tem muita tradição de uso da fruta pão além dela cozida ainda verdolenga e servida com manteiga, que é a coisa mais deliciosa do mundo. Porém, nos países onde ela cresce com mais abundância e é uma cultura mais antiga, os usos e as técnicas de preparo são tão diversos quanto nossa lida com a mandioca. A fruta verde se usa como legume, sempre cozida. A fruta madura, pouco explorada por aqui, é fruta normal que se usa crua ou cozida como sobremesa ou em cremes, sorvetes e uma infinidade de pratos doces e salgados. Na Jamaíca, por exemplo, come-se a fruta pão sapecada na boca do fogo, como se vê
aqui.