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Calabura, continuação

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Polpa macia e suculenta salpicada de sementes crocantes 
Continuando o post de ontem: http://come-se.blogspot.com.br/2014/02/calabura-e-o-que-e.html

Os frutos têm pouco mais de um centímetro 
Bem, como disse, fomos buscar as frutinhas na Alameda Lorena (antes de me perguntar a localização exata, veja o link acima). Pegamos as frutinhas do chão para semente e as do pé para comer. Devia também ter pegado alguns galhos, mas não sabia que a planta pode ser reproduzida também por estaquia.  Agora sei.

A planta Muntingia calabura é uma espécie exótica, originária do México, Bolívia, Caribe e sul do Peru. Foi introduzida no Brasil no começo da década de 1960 pelo Instituto Agronômico de Campinas e logo se tornou árvore de interesse para reflorestamento pois cresce rapidamente, produz flores que atraem abelhas e produz frutos que chamam muitos pássaros e morcegos frugívoros. E o bom é que é resiliente quanto aos tipos de solo. Solo ácido, alcalino, pobre, seco, degradado, não tem tempo ruim para o crescimento da calabura.

Os frutos ficam protegidos pelas folhas - aqui o fruto verde
Meu amigo Guilherme Ranieri me contou que as flores são viradas pra cima para atrair insetos e quando os frutos começam a se desenvolver os pedúnculos pendem para baixo, ficando sob as folhas. Segundo ele, bom para pessoas que os podem enxergar e alcançar. Mas devemos nos lembrar que os morcegos também podem chegar por baixo e se há alguma queixa sobre esta espécie nas cidades é a atração de morcegos.  Ela é boa para ser plantada ao redor de rios e lagos, pois os peixes adoram os frutos que caem na água.

Engraçado que lembrei de vários fatos que me fizeram ignorar até então a frutinha. Mesmo o leitor Stefano já havia me perguntado sobre ela no final do ano passado. Mandou foto e tudo. Respondi que não sabia, mas me lembrei do nome calabura, para esquecer novamente em seguida.  Agora, como disse ontem, desta frutinha não vou me esquecer nunca mais.

Ela é gostosa, tem casca fina e comestível e polpa na forma de uma massa cremosa salpicada de micro-sementes que conferem textura macia-crocante. É quase como comer gônadas de ouriço do mar, mas só na textura. O sabor doce é peculiar, mas na tentativa de associá-lo a algo que nos é familiar aparecem descrições estranhas. O leitor Stefano diz que tem gosto de doce de padaria antiga. Guilherme acha que tem gosto de pipoca doce, aquela do saquinho cor-de-rosa, de milho branco.  Há quem diga que tem gosto de algodão doce, de figo, de manga, de cacau. Pra mim, é um mini caqui macio salpicado de crocantes.

Na Alameda Lorena, em São Paulo 
Na Alameda Lorena a árvore é bem grande, deve ter uns 8 metros de altura, mas por sorte um galho cresceu debruçado sobre a calçada e as bolinhas vermelhas pendentes dão aspecto de árvore da natal.  Além de não ter roubado galho algum, também não dei atenção às folhas, que servem de chá aromático não só porque é gostoso mas também porque é medicinal. Da próxima vez elas não me escapam. Dizem que têm propriedades parecidas com as do chá verde. Experimente procurar no Pubmed pelo nome científico da planta e verá quantos estudos sérios há por aí tanto com os frutos quanto com as folhas.  Os frutos popularmente são considerados afrodisíacos. E tanto folhas, flores, cascas e raízes são usadas tradicionalmente como protetores gástricos e para curar úlceras. Pelo menos em ratos, com o estrato das folhas, o efeito gastroprotetor já foi comprovado.   As frutas apresentam muitos antioxidantes e vitaminas e parece que tem indicações para atletas porque combate inflamações dos músculos e previne lesões.

Hoje esta fruta está espalhada por vários países de clima tropical. Conforme artigo publicado no site do Department of Horticulture and Landscape Architecture at Purdue University (veja o link do artigo completo), aqui estão os nomes da fruta mundo afora: "In Mexico, local names for the latter are capolin, palman, bersilana, jonote and puan; in Guatemala and Costa Rica, Muntingia calabura is called capulin blanco; in El Salvador, capulin de comer; in Panama, pasitoor majagüillo; in Colombia, chitató, majagüito, chirriador, acuruco, tapabotija and nigua; in Venezuela, majagua, majaguillo, mahaujo, guácimo hembra, cedrillo, niguo, niguito; in Ecuador, nigüito; in Peru,bolina, iumanasa, yumanaza, guinda yunanasa, or mullacahuayo; in Brazil, calabura or pau de seda; in Argentina, cedrillo majagua; in Cuba, capulina, chapuli; in Haiti, bois d' orme; bois de soie marron; in the Dominican Republic, memiso or memizo; in Guadeloupe, bois ramier or bois de soie; in the Philippines, datiles, ratiles, latires, cereza or seresa; in Thailand, takop farang or ta kob farang; in Cambodia, kakhop; in Vietnam, cay trung ca; in Malaya, buah cheri; kerukup siam or Japanese cherry; in India, Chinese cherry or Japanese cherry; in Ceylon, jam fruit". In Morton, J. 1987. Jamaica Cherry. p. 65–69. In: Fruits of warm climates. Julia F. Morton, Miami, FL - publicado aqui.

E o que estamos esperando para sair à caça desta frutinha tão bem adaptada ao nosso clima e solo? Na Usp há algumas árvores e espalhadas pelas ruas de São Paulo também. O leitor David Ramos diz que em Indaiatuba há vários pés na praça, mas ninguém dá muita bola. Por que será que a gente só quer o que está longe?  As cerejas do Chile, o figo de Israel, a romã da Califórnia? Vamos dar uma olhada no que já temos adaptado por aqui?  E fazer geleias, doces, compotas, sorvetes, molhos para carne etc. 

As sementes possuem uma mucilagem. Para lavar, basta
juntar bastante água num vidro, chacoalhar e coar em tecido
fino. Seque e guarde para plantar. Veja na última foto o
tamanho minúsculo das sementes em comparação com outras
minúsculas, amaranto branco e amaranto vermelho 
O que fiz com minhas poucas frutinhas colhidas foi separar as sementes das que pretendo plantar e congelar as outras, já que não tive tempo de lidar com elas no dia da colheita. E, como desconfiava diante da extrema doçura, as frutas congeladas não endurecem e ficam como sorvetes mastigáveis com micro-pérolas friáveis. Mas não comi todas assim, não. Pensando num foie gras com molho de framboesas, resolvi aproveitar o fígado do pato recém chegado de Piracaia e fazer um molho para ele. Achei que combinaria e não errei.
 


Fígado de pato com molho de cebola e calabura. Temperei o fígado com sal e pimenta-do-reino e fritei um minuto de cada lado em manteiga misturada com azeite. Embrulhei em papel alumínio e deixei assim por 15 minutos para terminar de cozinhar. Enquanto isso, fiz o molho. Coloquei numa pequena frigideira uma colher (chá) de manteiga e 1/4 de cebola roxa média. Juntei meia colher (chá) de açúcar e deixei dourar. Acrescentei as calaburas (um punhado), umas folhinhas de manjerona, 1 colher (sopa) de licor de laranja e 1 colher (chá) de vinagre de Jerez. Polvilhei sal e deixei ferver um minuto. Despejei sobre o fígado morno, juntei um pedaço de pão torrado e nhac! em duas ou três mordidas. 

Nhac!









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