Voltando estou, mas aos poucos. Este ano anda preguiçosa e calorosamente. Estive em Curitiba, fui a Morretes tirar uma teima com o Barreado de lá, mas conto tudo depois. Por enquanto, ainda o resíduo do assunto Canastra, neste texto publicado no caderno Paladar da última quinta-feira. Está lá no blog do caderno: http://blogs.estadao.com.br/paladar/receita-que-comeca-no-cultivo/. E aqui também.
Não sei se há lobozó para além daquelas montanhas da Serra da Canastra, onde nasce o rio São Francisco. O leitor é quem poderá me dizer caso conheça. O que sei é que nunca vi ou comi lobozó em outro lugar que não ali. Faz lembrar a farofa de jiló goiana ou, se fosse moldado, lembraria o cuscuz de panela paulista, mas não goza da mesma popularidade dos dois. É tão gostoso quanto ignorado.
Estive em São Roque de Minas, naquela região, nos primeiros dias do ano, pela terceira vez. Partimos, a chefe Mara Salles e eu, rumo à gameleira, árvore de sombra que, numa curva ascendente, marca a proximidade de nosso pouso junto aos produtores Zé Pão e Romilda no alto da serra. Queríamos entender mais sobre a comida local e os usos do famoso queijo que se faz ali na cozinha do dia a dia. No vale, a alguns quilômetros, estão os produtores Zé Mário e Waldete. As duas famílias aparecem no documentário O Mineiro e o Queijo, de Helvécio Ratton, e fazem pratos muito parecidos.
Rendimento: 4 porções
Não sei se há lobozó para além daquelas montanhas da Serra da Canastra, onde nasce o rio São Francisco. O leitor é quem poderá me dizer caso conheça. O que sei é que nunca vi ou comi lobozó em outro lugar que não ali. Faz lembrar a farofa de jiló goiana ou, se fosse moldado, lembraria o cuscuz de panela paulista, mas não goza da mesma popularidade dos dois. É tão gostoso quanto ignorado.
Estive em São Roque de Minas, naquela região, nos primeiros dias do ano, pela terceira vez. Partimos, a chefe Mara Salles e eu, rumo à gameleira, árvore de sombra que, numa curva ascendente, marca a proximidade de nosso pouso junto aos produtores Zé Pão e Romilda no alto da serra. Queríamos entender mais sobre a comida local e os usos do famoso queijo que se faz ali na cozinha do dia a dia. No vale, a alguns quilômetros, estão os produtores Zé Mário e Waldete. As duas famílias aparecem no documentário O Mineiro e o Queijo, de Helvécio Ratton, e fazem pratos muito parecidos.
Estão protegidos pelas montanhas de vegetação baixa incrustadas de cachoeiras e córregos de águas cristalinas não só a técnica do preparo de um dos melhores queijos de leite cru do Brasil, mas também uma tradição rural pouco comprometida pelos avanços da indústria alimentar. Nunca se falou tanto do queijo da Canastra e de outros tantos exemplares artesanais feitos com leite cru como nos últimos anos, e ainda há muita discussão pela frente sobre legislação e comercialização, mas queríamos saber o que há sobre o fogão de lenha nos intervalos entre a ordenha e a lida na casa de queijo.
Nas fazendas dos pequenos produtores, em geral, o feitio do queijo envolve toda a família durante o dia, de modo que sobra pouco tempo para a mulher se envolver largamente com o preparo da comida. E é aí que vive o encanto da comida que apenas parece simples e rápida. O preparo, no entanto, começa na horta, na roça, na criação. Envolve o uso de técnicas caseiras tradicionais que em outro cenário poderia ganhar nomes contemporâneos como “cozimento a baixa temperatura”, afinal o feijão é colocado sobre o fogo fraco da lenha ainda de madrugada, antes da ordenha, e deixado a cozinhar devagar por longas horas para ficar pronto na hora do almoço, quando é temperado com banha, sal e alho. Puro pragmatismo, mas o resultado você já pode adivinhar.
Basta jogar um pedaço de queijo canastra fresco ao caldo grosso deste feijão, completar com arroz recém-feito bem branco, um legume da horta refogado e um punhado aquecido na hora de carne na manteiga - nome que se dá à carne de porco confitada na própria banha -, e tem-se aí um prato requintado e substancioso. Mas há outros pratos rápidos cujo preparo começa com o cultivo.
A horta é uma extensão da cozinha, que funciona como uma despensa verde, com vegetais tenros sempre à mão. Couve, taioba, almeirão roxo, cebolinha, quiabo, chuchu, jiló e abobrinha parecem ser unanimidade. Às vezes aparecem sozinhos, temperados apenas com gordura, alho e cebolinha. Pode acontecer de não ter jiló ou abobrinha em quantidade suficiente para um prato familiar. Neste caso, a solução é juntar um pouco de diferentes legumes na panela e e completar com ovo, queijo, farinha de milho. Surge assim o lobozó, feito atualmente não apenas por conveniência mas por gosto mesmo.
Ele nada mais é que um mexido para se comer quente como mistura ou prato único ou mesmo frio, de tira-gosto, acompanhado de cachaça. É um prato rústico que aparentemente não tem segredo nem receita, mas toda boa cozinheira da Canastra sabe a hora certa de juntar o ovo, o gesto exato de mexê-lo, o ponto para acrescentar a farinha e a proporção ideal de cada ingrediente, que pode variar conforme a preferência ou conveniência: com ou sem queijo, quiabo e chuchu incluídos ou não, e até com carne moída, se tiver sobrando. Apesar da aparência, ele não é apenas um prato de improviso, é sim um resumo do sistema alimentar da zona rural deste pedaço de Minas: a banha extraída em casa, os ovos da galinha do quintal de gemas avermelhadas, a provisão verde da horta, a farinha de milho artesanal sempre presente, o alho miúdo conservado sobre a fumaça do fogão de lenha, e, afinal, o queijo canastra que, ainda que prescindível, nunca falha.
Receita de Lobozó. Baseada no modo de fazer de Waldete Aparecida Alves da Silva, de São Roque de Minas
1 colher (sopa) de banha de porco
3 dentes de alho socados
1 abobrinha brasileira pequena picada e 4 jilós com casca picados (ou aproximadamente 650 g desses legumes misturados)
1 colher (chá) de sal ou a gosto
1 colher (sopa) de banha de porco
3 dentes de alho socados
1 abobrinha brasileira pequena picada e 4 jilós com casca picados (ou aproximadamente 650 g desses legumes misturados)
1 colher (chá) de sal ou a gosto
1 xícara de água quente
3 ovos
1 xícara de farinha de milho
80 g de queijo da Canastra picado em cubos pequenos
5 unidades de cebolinha verde picada
Coloque a banha numa frigideira ou panela, leve ao fogo, junte o alho e deixe até começar a dourar. Junte a abobrinha, o jiló e o sal e vá refogando, mexendo de vez em quando, juntando um pouco da água quente sempre que necessário, até os legumes ficarem bem molinhos, sem caldo na panela (cerca de 10 minutos). Prove o sal e corrija, se necessário, lembrando que ainda vão entrar os ovos e a farinha. Coloque os ovos inteiros por cima e espere um minuto antes de mexer devagar para que se incorporem aos legumes e cozinhem em pedaços. Acrescente a farinha aos poucos, mexendo com delicadeza. Quando a mistura estiver homogênea e bem quente, tire do fogo e acrescente o queijo e a cebolinha. Misture com cuidado e sirva como acompanhamento ou prato único.
3 ovos
1 xícara de farinha de milho
80 g de queijo da Canastra picado em cubos pequenos
5 unidades de cebolinha verde picada
Coloque a banha numa frigideira ou panela, leve ao fogo, junte o alho e deixe até começar a dourar. Junte a abobrinha, o jiló e o sal e vá refogando, mexendo de vez em quando, juntando um pouco da água quente sempre que necessário, até os legumes ficarem bem molinhos, sem caldo na panela (cerca de 10 minutos). Prove o sal e corrija, se necessário, lembrando que ainda vão entrar os ovos e a farinha. Coloque os ovos inteiros por cima e espere um minuto antes de mexer devagar para que se incorporem aos legumes e cozinhem em pedaços. Acrescente a farinha aos poucos, mexendo com delicadeza. Quando a mistura estiver homogênea e bem quente, tire do fogo e acrescente o queijo e a cebolinha. Misture com cuidado e sirva como acompanhamento ou prato único.
Rendimento: 4 porções
E nhac! Este é o da Waldete, na Serra da Canastra |