Sobre o Zé Pão, a Romilda e João Vitor, esta família de produtores de queijo em São Roque de Minas, na Serra da Canastra - MG, já falei um pouco ontem e dois anos atrás, nestes posts: http://come-se.blogspot.com.br/2014/01/serra-da-canastra-casa-dos-produtores.html e
http://come-se.blogspot.com.br/2012/01/na-casa-do-ze-pao-e-da-romilda.html
Mas sempre há um pouco mais a dizer. Zé Pão é uma figura quieta, gentil e trabalhadeira que quando a gente acorda já está no curral tirando leite, ainda escuro. Se vai a um compromisso à noite na cidade, uma reunião por exemplo, pede desculpas, se despede mais cedo que todo mundo e vai pra casa dormir porque no outro dia tem que acordar às 4 e meia, às vezes até antes, se não não dá conta de terminar a ordenha até a hora do almoço. Sorte que tem uma companheira que acompanha. A forma como trata a mulher Romilda - são casados há mais de 30 anos - deveria ser um exemplo a muitos marmanjos destemperados que se dizem educados na cidade grande. É Bem pra cá, Bem pra lá. Se ela pede qualquer coisa, mesmo que ele esteja no meio de um trabalho, reconhece na hora a urgência da empreita e se apressa na execução, com cara boa, sem reclamar, com gosto. Pode acender o fogo pra mim, Bem? É pra já, ele responde e sai em passo apressado. Acabou a água? Lá vai ele conferir as conexões do cano. A recíproca é igual. Zé Pão se senta num banco ao lado da mesinha onde ficam o filtro de água e o pequeno tonel de cachaça. Dá umas bicadas, mas só depois que terminou tudo, no fim da tarde, sem contudo perder a sobriedade. Se o menino faz qualquer comentário maldoso sobre o hábito, Romilda é a primeira a ralhar para defender o marido, "respeita seu pai, menino". Para o menino, ele faz todos os gostos.
De vez em quanto Romilda pega um copinho de café e vai até a janela enquanto bebe e pensa na vida olhando longe. Zé Pão se aproxima, a abraça acompanhando o olhar dela e fala "vai chover" ou "a serra tá bonita". Uma vez ela já ficou muito chateada com ele com a frase dita numa hora de irritação de um dos dois: "Vai cangar grilo" teria xingado Zé Pão como quem diz vá pentear macaco, catar coquinho na ladeira ou enfim não enche. Ela virou as costas ofendidíssima e o deixou só. Logo deram os dedinhos certamente. Ela diz que não moraria no Senegal porque não ia aceitar dividir seu homem com nenhuma mulher, não, como é a prática islâmica por lá. E que não gostaria de ter morado na cidade porque não encontraria em lugar algum homem como aquele seu Zé Pão da Canastra. Enfim, eles se amam de verdade e se tratam com carinho e respeito.
Quando dá oito e meia, nove horas, Romilda para o que está fazendo no curral, vai até a casa, coloca café doce até metade de uma caneca de alumínio areado, uns pedaços de bolo e pão de queijo numa vasilha e volta para junto do marido que completa a caneca com leite esguichado direto da teta da vaca. E ele sabe qual delas tem o melhor leite. Sai quente, espumoso, cheiroso, como nenhuma máquina ou estabilizante são capazes de produzir. Zé Pão se acocora sobre o banquinho de um só pé e vai despejando leite aos pouquinhos sobre a bocada de pão a ser mordida. Molhar o pão de queijo no leite seria o esperado, mas talvez não o faça para não comprometer a pureza. Da próxima vez pergunto.
Descobri que ele toma o lanche quando chegou à metade das vacas ordenhadas. São quarenta e tantas, na mão. Quando o recipiente de 60 litros está quase cheio ele para, coloca aquele peso todo no ombro e anda até a casa de queijos. No intervalo para o almoço, senta-se à mesa e se serve de arroz bem branco, ainda saindo vapor dos furinhos formados na superfície, feijão de caldo grosso perfumado a alho e cozido a baixa temperatura durante longas horas da manhã no fogão de lenha, carne de porco ou frango caipira na panela de ferro e legumes refogados (é disso que eu gosto, ele diz). Depois do almoço não dá pra parar muito, não. Logo é hora de voltar ao trabalho na casa de queijo. Os dois trabalham juntos e quietos e quando se falam é com sorriso no rosto. Reviram o queijo do dia anterior, separam o pingo, fazem novo queijo, higienizam tudo e deixam o ambiente em ordem para o outro dia.
E eu ali com meu braço espichado empunhando uma canequinha com pouco café para completar com leite. E como gostamos destes queijos canastras tão trabalhosos. Quem quiser provar o queijo do vizinho e parente Zé Mário, sobre o qual falo depois, tem lá na A Queijaria. Do Zé Pão, tem pra vender não.
Umas fotinhas de lá (e, por favor, autor do https://www.facebook.com/vendadaroca, não roube as fotos para postá-las sem crédito como se fossem suas, não, que é feio e eu posso ficar brava)
http://come-se.blogspot.com.br/2012/01/na-casa-do-ze-pao-e-da-romilda.html
Mas sempre há um pouco mais a dizer. Zé Pão é uma figura quieta, gentil e trabalhadeira que quando a gente acorda já está no curral tirando leite, ainda escuro. Se vai a um compromisso à noite na cidade, uma reunião por exemplo, pede desculpas, se despede mais cedo que todo mundo e vai pra casa dormir porque no outro dia tem que acordar às 4 e meia, às vezes até antes, se não não dá conta de terminar a ordenha até a hora do almoço. Sorte que tem uma companheira que acompanha. A forma como trata a mulher Romilda - são casados há mais de 30 anos - deveria ser um exemplo a muitos marmanjos destemperados que se dizem educados na cidade grande. É Bem pra cá, Bem pra lá. Se ela pede qualquer coisa, mesmo que ele esteja no meio de um trabalho, reconhece na hora a urgência da empreita e se apressa na execução, com cara boa, sem reclamar, com gosto. Pode acender o fogo pra mim, Bem? É pra já, ele responde e sai em passo apressado. Acabou a água? Lá vai ele conferir as conexões do cano. A recíproca é igual. Zé Pão se senta num banco ao lado da mesinha onde ficam o filtro de água e o pequeno tonel de cachaça. Dá umas bicadas, mas só depois que terminou tudo, no fim da tarde, sem contudo perder a sobriedade. Se o menino faz qualquer comentário maldoso sobre o hábito, Romilda é a primeira a ralhar para defender o marido, "respeita seu pai, menino". Para o menino, ele faz todos os gostos.
De vez em quanto Romilda pega um copinho de café e vai até a janela enquanto bebe e pensa na vida olhando longe. Zé Pão se aproxima, a abraça acompanhando o olhar dela e fala "vai chover" ou "a serra tá bonita". Uma vez ela já ficou muito chateada com ele com a frase dita numa hora de irritação de um dos dois: "Vai cangar grilo" teria xingado Zé Pão como quem diz vá pentear macaco, catar coquinho na ladeira ou enfim não enche. Ela virou as costas ofendidíssima e o deixou só. Logo deram os dedinhos certamente. Ela diz que não moraria no Senegal porque não ia aceitar dividir seu homem com nenhuma mulher, não, como é a prática islâmica por lá. E que não gostaria de ter morado na cidade porque não encontraria em lugar algum homem como aquele seu Zé Pão da Canastra. Enfim, eles se amam de verdade e se tratam com carinho e respeito.
Quando dá oito e meia, nove horas, Romilda para o que está fazendo no curral, vai até a casa, coloca café doce até metade de uma caneca de alumínio areado, uns pedaços de bolo e pão de queijo numa vasilha e volta para junto do marido que completa a caneca com leite esguichado direto da teta da vaca. E ele sabe qual delas tem o melhor leite. Sai quente, espumoso, cheiroso, como nenhuma máquina ou estabilizante são capazes de produzir. Zé Pão se acocora sobre o banquinho de um só pé e vai despejando leite aos pouquinhos sobre a bocada de pão a ser mordida. Molhar o pão de queijo no leite seria o esperado, mas talvez não o faça para não comprometer a pureza. Da próxima vez pergunto.
Descobri que ele toma o lanche quando chegou à metade das vacas ordenhadas. São quarenta e tantas, na mão. Quando o recipiente de 60 litros está quase cheio ele para, coloca aquele peso todo no ombro e anda até a casa de queijos. No intervalo para o almoço, senta-se à mesa e se serve de arroz bem branco, ainda saindo vapor dos furinhos formados na superfície, feijão de caldo grosso perfumado a alho e cozido a baixa temperatura durante longas horas da manhã no fogão de lenha, carne de porco ou frango caipira na panela de ferro e legumes refogados (é disso que eu gosto, ele diz). Depois do almoço não dá pra parar muito, não. Logo é hora de voltar ao trabalho na casa de queijo. Os dois trabalham juntos e quietos e quando se falam é com sorriso no rosto. Reviram o queijo do dia anterior, separam o pingo, fazem novo queijo, higienizam tudo e deixam o ambiente em ordem para o outro dia.
E eu ali com meu braço espichado empunhando uma canequinha com pouco café para completar com leite. E como gostamos destes queijos canastras tão trabalhosos. Quem quiser provar o queijo do vizinho e parente Zé Mário, sobre o qual falo depois, tem lá na A Queijaria. Do Zé Pão, tem pra vender não.
Umas fotinhas de lá (e, por favor, autor do https://www.facebook.com/vendadaroca, não roube as fotos para postá-las sem crédito como se fossem suas, não, que é feio e eu posso ficar brava)
Zé Pão tira leite |
Enche minha caneca e a dele |
Toma seu lanche molhando o pão de queijo com leite |
A casa de queijo |
Os panos usados para escorrer o soro lavados secando ao sol |
Minha bagagem da viagem: queijos do Zé Pão e do Zé Mário (o com pano branco é meu: fiz com pingo da Canastra e leite de Piracaia) maturando naquela queijeira improvisada feita pelo Zé Marcos aqui de casa |