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Alho do reino de Piracaia

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Você não pode imaginar a emoção que foi colher este alho. Não, não colhi. Cheguei e já estava colhido. Carlos e Silvana, os caseiros, já tinham feito o trabalho e vieram me mostrar o resultado.  Apesar de termos plantado tardiamente, não termos corrigido o ph da terra, as cabecinhas com dentes miúdos não decepcionaram. Era pra ter tirado o broto, assim as cabeças crescem mais - recomendei, mas não sei se tiraram, esqueci de perguntar. Não importa agora, a trança ficou linda. Eles me dizem que no próximo ano temos que plantar na sexta-feira santa. Replico que não vai dar porque será feriado e eles não vão trabalhar. A gente vem só pra plantar o alho, respondem.  Isto não deve ser pecado. 

Um lindo enfeite
A semente deste alho-do-reino é antiga, vem passando de mão em mão pela família da Silvana. Estes, vieram da irmã dela.  Já Ignês, irmã do Carlos, contou que a mãe cultivava mas tinha perdido a semente. Disse que para feijão não tem melhor. A comida fica cheirosa, o feijão, bem temperado, daquele de cutucar vizinho longe. Já usei na couve e no feijão e pude confirmar como é perfumado, como é diferente do alho grandão argentino ou chinês que a gente compra, quase sem perfume. 

Antes da colheita, já tinha usado o alho imaturo, inteiro, com pele e tudo.
 Uma delicadeza! (o demônio diria: já bastaio, inda cascaio)
Claro, não é tão fácil descascar os dentes do tamanho da unha do dedinho, mas eu já peguei a manha. Coloco alguns dentes dentro da água e esfrego com as mãos. Um ou outro fica com a película aderida. Os demais, assanhados, livram-se logo da roupagem. Aí basta colocar no pilão com um pouco de sal ou amassar só levemente, picar displicentemente ou ainda deixá-los inteiros - neste caso, ficam menos perfumados mas mais adocicados. 

Dentro do alho há uma substância, alicina,  e uma enzima em compartimentos separados. Só quando se encontram - por esmagamento, mais e por corte, menos,  é que produzem aquele sabor e perfume pungentes que conhecemos. Se cozinhamos os dentes inteiros, a enzima é inativada e do encontro não surge nada de diferente. Por isto alho cozido inteiro pode estar aos montes na comida sem estragá-la. Já os dentes esmagados devem ser usados com moderação. E ao esmagar os dentes para fazer temperos prontos também perdemos parte dos compostos voláteis e medicinais. O ideal é esmagar ou picar na hora de usar. Existe o ideal e o possível e a gente deve ter bom senso nas escolhas sem culpas (já me absolvendo caso resolva descascar algum e conservar no azeite ou deixar preparado algum tempero pronto para uma hora de aperto ... - que, por sua vez, será melhor que um caldo em cubos).

Carlos deixou pra trançar a réstia na minha frente para eu ver. Não é difícil, afinal o alho é colhido quando tem sua folhagem já seca e que termina de secar à sombra antes de ter a palha trançada. É como trança de raiz feita na cabeça da gente.  Uma volta da trança e mais uma cabeça de alho com sua palhagem se junta.  Mas fazer uma réstia bonita e equilibrada exige talento que ainda não tenho - a minha ficou toda retorcida.

Agora é só ir comendo, mas não tudo - uma parte será plantada na sexta-feira santa. Desta vez, duas leiras.

Carlos corta o resto de raiz seca pra ficar com boa aparência



 

Silvana admira a boniteza da réstia trançada pelo marido


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