Acertaram a charada aqueles que provavelmente já tiveram a sorte de colher de terra fofa um bom pé de caruru ou bredo, da família das amarantáceas, e observar sua raiz - avermelhada em algumas espécies (ou depende da acidez da terra?). Liliana, Rosi, Arthur, Matoso, parabéns! E aos demais palpiteiros, obrigada pela participação.
Quem nunca teve a oportunidade não iria mesmo adivinhar, afinal, se o caruru já é marginalizado, o que diremos de suas raízes? Cor de rabanete, formato de cenoura velha, cara de ruibarbo, e textura de ... barbante. Que pena. Não, não deu pra engolir. O sabor é realmente bom, um ligeiro amargo com um toque adocicado, lembrando alcachofras e talvez seja o caso de comê-las raspando nos dentes ao modo das próprias alcachofras, mas não é pra tanto no momento. Procurei referências sobre indicações ou contra-indicações de comê-las e não encontrei nada, nem contra nem a favor, portanto, fiquemos com suas folhas. A menos que algum leitor ou leitora me dê boa referência a respeito (de comer raízes de amaranto, pois todas as outras partes se comem).
Mastiguei mas não engoli |
Estas, colhi num monte de areia em Piracaia, na zona urbana. O caruru de grande porte e pintas roxas no meio das folhas chamava a atenção. Não resisti e colhi o que pude. Comi as folhas e replantei as raízes. Nunca as tinha visto tão avermelhadas. Outro dia mesmo minha amiga Juliana Valentini me disse que aprendeu num curso que o único caruru comestível era o de pinta roxa, que é classificado no livro do Harry Lorenzi como Amaranthus viridis. Não é o que autores especializados dizem - todas as espécies são comestíveis. Achei mudinha no quintal de Juliana, desta com pinta roxa, e trouxe para plantar aqui em casa. Não sei se ainda vai acontecer, mas as folhas que nasceram cá não têm mais as tais pintas roxas que definiriam a espécie como viridis.
Plantei caruru de mancha e nasceu sem mancha |
E na literatura internacional sobre a planta encontrei informações desencontradas a respeito da classificação botânica. Estudiosos especialistas dizem não ser tão fácil a classificação (é aquilo, quanto mais se sabe, menos certeza se tem). A espécie que já pelo nome teria a raíz vermelha, conhecida em inglês como rough pigweed, redroot pigweed, redroot amaranth, costuma ser classificada como Amaranthus retroflexus, mas vendo um banco de imagens desta espécie verifica-se que as folhas não trazem a mancha. Ou seja, o caruru que colhi, o da foto, tinha pintas nas folhas e raíz vermelha. Com certeza é do gênero Amaranthus, difícil de confundir, mas o nome da espécie, se fizer questão de saber, melhor perguntar para taxinomistas.
Flores e sementes secando |
Melhor comer as folhas sempre cozidas |
Em uma coisa parece não haver discordâncias: o gênero Amaranthus é originário de áreas tropicais (os amarantos que encontramos silvestres por aí são, dizem, todos originários das regiões tropicais do continente americano), mas hoje está espalhado pelo mundo todo.
Se você não conhece bem um amaranto, olhe no google imagens e verá que dificilmente vai confundir a planta com outra que não seja comestível. Todos os amarantos são comestíveis, alguns mais ou menos gostosos. O inconveniente é que alguns têm espinhos e são chatos no manuseio - no entanto, estes também são comestíveis. E também deve-se ficar atento às áreas onde crescem. Se estão em terras adubadas com fertilizantes químicos, podem acumular nitratos nas raízes e folhas e nitratos podem causar danos à saúde, provocar câncer etc, a depender da quantidade. Fora isto, se animais se alimentam de grande quantidade de Amaranthus spinosus (aquele com espinhos), numa dieta prolongada e restritiva, eles podem morrer por nefrotoxicidade. Mas isto nunca foi observado em seres humanos. Então, em dosagens normais, com bom senso, tudo bem.
Uma boa recomendação é sempre branquear a verdura em água fervente e jogar o líquido fora. Perde-se um pouco de nutriente, mas pelo menos terá uma verdura mais segura, especialmente quando não se tem informações sobre o solo – e também é recomendável no caso de a verdura ter sido colhida em local público.
As folhas de todas as espécies de caruru podem ser consumidas como verduras e são ricas em nutrientes, porém, do ponto de vista nutricional, o maior destaque é para as sementes, ricas em proteínas com alto teor de aminoácidos essenciais geralmente faltantes nos cereais – lisina, metionina e cisteína. Por isto as pequenas sementes de amaranto podem virar farinha e incrementar produtos amiláceos à base de trigo e outras farinhas mais pobres.
O problema das várias espécies de caruru é que são plantas rústicas, prolíferas, que se hibridizam facilmente e que se tornam resistentes a herbicidas. Comer mais seria uma boa solução. Outra coisa é que estas muitas espécies que crescem sem ser semeadas, injustamente são eclipsadas pelo amaranto sagrado dos aztecas (Amaranthus caudatus), do qual se comem as sementes. No Brasil, o grão ou é importado do México ou vem de pequenas plantações que já surgem por aqui. As folhas dele também são comestíveis.
Fora isto, as folhas são gostosas e podem fazer tudo o que o espinafre faz, por exemplo. Refogados, sopas, fritadas, recheios. Na África, na Ásia ou na Amazônia estas ervas estão presentes em vários pratos mas também crescem silvestres e nem sempre são valorizadas como verduras dignas de estarem nas boas mesas. No livro recém-lançado pela editora Bei, “Dona Brazi - Cozinha tradicional amazônica”, com texto de Maria da Paz Trefaut, a cozinheira dá uma receita de farofa de caruru em que a verdura é cozida, escorrida, picada e juntada a um refogado de alho e cebola ao qual se junta farinha de mandioca. Deve ser boa. Ainda não fiz, mas hei de.
O que fiz foi um caril seco indiano de caruru, Kuppacheera thoran, mas que juntei também folhas de moringa. Amanhã dou minha receita.