Mara Salles ajuda a servir |
Para celebrar este novo grupo fizemos ontem um almoço coletivo no sítio. Entre piracaienses e piracaianos (nós, os forasteiros), éramos cinquenta. A ideia era destacar o prato que poderia ser símbolo da cidade. Afinal, piracaia é peixe assado, moqueado, feito ali na beira do rio ou da praia, embrulhado na folha de caeté, na sororoquinha, na folha de bananeira. Ou só assado na grade do moquém feito de galhos, sobre braseiro lento, sem folha nem nada. Temperado com pimenta, sal e pimenta, só sal. Com limão, sem limão, com içá, tucupi, saúvas. Servido com mandioca, farinha de mandioca, bananas assadas, pirão ou o que tiver à mão. No fogo ou na brasa da lenha, é o que importa. É prato pra comer ao ar livre, junto de amigos. Pelo menos na Amazônia, a piracaia ainda sobrevive assim.
Índios da Amazônia quando chamam "Vamos a uma piracaia?" é como convidar "vamos a um churrasco", só que com peixe. O melhor seria na beira das águas, mas em Piracaia o rio virou represa, os peixes viraram todos tilápias e os pescadores artesanais desiludiram. Mas ainda hemos de pescar, bagres, que sejam. Por enquanto, o moquém virou uma grande churrasqueira de ferro e fizemos uma piracaia ao nosso modo, respeitando ao menos o fogo de lenha, o ar livre e a vista pra água. Quem sabe não atraímos para nosso lado pescadores que nos ensinem a pescar, que nos mostre qual o melhor momento de cada peixe para que procriem e não despareçam. Quem sabe não descobrimos onde estes pescadores se escondem (e os peixes também). Quem sabe não voltam a se animar se nos dispusermos a comprar e comer peixinhos mesmo que magros e com espinhos e não só a carnuda tilápia exótica engordada com ração. Quem sabe restaurantes de Piracaia não se animam a preparar sua própria versão de piracaia? Quem sabe uma moqueca caiçara feita com filezinhos de peixe miúdo ou uma poqueca de peixe gordo na folha de caetê? Cada restaurante poderia ter seu Prato Piracaia - "Prato Piracaia: peixe no dia na folha de caetê assado na chapa do fogão de lenha"; ou "Prato Piracaia: bagre em moqueca assado na folha de bananeira", por exemplo. Não custa sonhar - e investir.
Mas voltando ao nosso almoço, Sonia trouxe da casa dela folhas de bananeira, que limpamos e sapecamos no sábado. Trouxe também mandioca e o peixe, que encomendou de um criador dali mesmo, do bairro do Pião. Na falta de peixes nativos, tivemos truta, bem gostosa. Mara Salles, restaurante do Tordesilhas, queria ir pro sítio pra descansar um pouco da loucura de São Paulo e acabou na cozinha, claro. O que para todos nós foi um grande presente. Na mala ela ainda trouxe tucupi reduzido com formigas, que ganhou da dona Brazi, de São Gabriel da Cachoeira - AM e farinha de Uarini tipo ovinha, que usamos para rechear o peixe. E falar em tucupi, Mara Salles, Tordesilhas, comida amazônica, tem tacacá na Tietê nesta próxima quinta.
Os caseiros coletaram na semana passada içás criadas ali mesmo na nossa chácara e elas viraram farofa que foi servida com o peixe. Bananas da farofa vieram do sítio do caseiro. Outra causa defendida pelo Slow Food é o queijo de leite cru e ele estava presente na mesa em várias versões, que trouxemos de uma degustação no Mesa-Tendências/ Senac do GT de queijo de leite cru do Slow Food. Carlo Petrini, fundador do Slow Food estava lá e mandou auguri!. Havia também queijo de leite cru fresco do vizinho Fernando. Milena e Artur trouxeram jabuticabas grandes e doces. A melancia, compramos no supermercado da cidade. Verduras e flores vieram da cesta do Piracaia Orgânica e da minha horta. Algumas mesas e cadeiras foram emprestadas da casa paroquial da cidade (os luxos de cidades pequenas, poder emprestar mesas e cadeiras da igreja) A prefeita Terezinha, que não pode vir mas mandou representante, o Lopez, da casa de Agricultura, mandou dizer que apoia o movimento e que coloca à nossa disposição um local com fogão de lenha no portal da cidade para fazermos eventos (outro luxo de cidade pequena). Eba!
As colaborações foram muitas, acho que nem vou me lembrar de todas. Ana Luíza Trajano, do Brasil a Gosto doou para nosso convívio a peça de cerâmica com madeira, um mini moquém, onde é servido em seu restaurante o peixe na folha de bananeira. Os embutidos artesanais eram da Adriana Lopez de São Bento do Sapucaí. Cênia, do Slow São Paulo, mandou folhetos e outros objetos com logo Slow. Virgínia, do Slow Gonçalves-MG e bananacombina.com, doou antepastos de coração de banana. Ricardo, da Wheat mandou pães. Eliana e Uriel trouxeram projetor pra passarmos um vídeo do Slow. Na linha de montagem dos peixes, Fábio, Eduardo, Nícolas, Tainá, Suzana. Na limonada de limão rosa com caldo de cana e na caipirinha, Ivo. Na grelha, abanando, Ruy. Voz e pandeiro, Darly, no violão, Edu. Na aquarela, Dalton. Na organização, Denise. Na catança de içás, Carlos e Silvana (aliás, outra tradição escondida de Piracaia). Na limpeza delas, Ignês, Renato e Marina. E na disposição, todos nós todos de lá pra cá.
Bem, este foi só o começo. No dia 10 o Slow Food comemora o Terra Madre Day. Junte-se a nós!
Veja algumas fotos:
Embutidos da Adriana Lopez, de São Bento de Sapucaí |
Pães da Wheat e queijos de leite cru de todo o Brasil, incluindo Piracaia |
Limonada, suco de frutas, água |
Uriel estando o projetor |
Edu e Fábio na linha de montagem da piracaia |
Foram amarradas com fios de fórmio (Phormium tenax), útil planta para se ter por perto |
Já assadas |
Dez minutinhos de cada lado |
A água não está tão longe |
A folha ajuda a manter o peixe suculento |
O prato piracaia doado pela Ana Luíza Trajano |
Com molho de tomatinho da horta ou com tucupi reduzido com formiga |
O pratinho entre mim e Sonia |
Maluh Barciotte, do Slow São Paulo |
Içás do quintal |
Renato, Marina e Ignês limpando içás |
Farofa de içá |
Eu, Sônia, Maluh e Regina |
Quanta gente! Mas tudo deu certo |
No final, sempre alguém pega o violão e começa a cantar |
Carlo Petrini manda auguri ao novo convívio! Sônia, a representante do Convívio Piracaia e eu. |