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Fuba não é fubá. Coluna do Paladar, de hoje

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Milhos tostando na panela de barro. Estas duas fotos: Neide Rigo

Publicado no jornal O Estado de São Paulo de hoje e no blog do caderno Paladar

Tem tico-tico nessa fuba


Por Neide Rigo
Diferente da mandioca, que só pode ser conservada na forma de farinha, o milho pode ser guardado inteiro para transformações diversas na entressafra, versatilidade que se mostrou conveniente ao modo de vida do sertanejo. Alguns produtos foram sendo substituídos por versões modernas, outros resistem, ao menos na lembrança. É o caso da fuba, farinha gostosa e muito fácil de fazer quando se tem um moinho, um pilão ou processador, mas raramente encontrada à venda.
Fui apresentada à fuba pela Ana Rita Dantas Suassuna, autora do livro Gastronomia Sertaneja. A fuba foi a estrela de uma aula dividida por Ana Rita e Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó, no Paladar Cozinha do Brasil de 2011. Mas minha familiaridade com a farinha só começou mesmo quando ela me trouxe do Recife uma amostra e, faz pouco tempo, sua sobrinha me mandou de lá um quilo de fuba.
Senti primeiro o gosto de pipoca, mas também um sabor de tempos ancestrais. Tive o privilégio de nascer numa periferia de São Paulo com muitos vizinhos migrantes. Uma das minhas primeiras experiências de cozinha foi como ajudante de uma menina mais nova e mais ousada que eu. Brincando de casinha, ela pegou o liquidificador da minha mãe e disse que inventaria uma farinha surpresa com os milhos não estourados que sobraram na bacia de pipoca. Fiquei maravilhada com a pipoca em pó, que comemos com açúcar e era polvilhada na cara da outra a cada gargalhada com a boca cheia. Nunca mais vivi aquela sensação até o dia em que provei da fuba e percebi que talvez não tenha sido invencionice da menina, a não ser pelo uso do aparelho elétrico. Afinal, ela era filha de sertanejos nordestinos.

Amarelinho | É possível comprar fuba de produtores artesanais nas regiões onde o produto ainda sobrevive, mas se não conseguir, faça em casa, e terá um sabor de tostado ainda mais acentuado quando bem fresco. Comece com milho maduro e seco.

Piruá | Em uma panela de barro bem quente, torre um tanto de milho que ocupe o fundo, formando uma camada fina. Quando estiver dourado – e uns meio estourados – tire do fogo.

Pronto | Triture o milho ainda quente em processador, liquidificador, moinho elétrico ou moedor de cereais manual. Passe por peneira. Espere esfriar e guarde em vidros.

O cru e o torrado. Ana reforça que fuba não é fubá. Mas certamente que uma coisa tem a ver com a outra. Fuba, palavra que vem do quimbundo, quer dizer farinha. O fubá de milho é milho maduro, seco, cru e moído. Já a fuba é o milho maduro, seco, torrado e moído.
O milho tratado assim não é exclusividade do sertanejo brasileiro. Lourdes Hernández, cozinheira mexicana que vive no Brasil, me contou que no México há uma farinha conhecida como pinole, Qualquer milho pode ser usado para fazer pinole, menos o chamado palomero – o milho de pipoca. Ela conta que se torra o milho e logo se tritura e se adiciona açúcar e canela, para se comer às colheradas.
A fuba é leve e tem sabor tostado de piruá dos bons, daqueles mastigáveis e crocantes. Por isso, embora faça deliciosos bolos, o bom mesmo é comer pura com açúcar. Ela é adocicada naturalmente e, no melhor modelo de reação exotérmica, libera calor em contato com a saliva, parecendo sempre morna, mesmo quando misturada ao leite frio.
Come-se com carnes, leite gelado, café quente, favas e feijões. Mas dá para se divertir com ela na cozinha. Fiz bolo, paçoca, comi com carne e café com leite. E ainda dá para inventar muito.

Mururu cessado na urupema

Por Neide Rigo
“Bota lá, menino, o caco no fogo e faz mais mururu pra farinha”. Era assim que o pai de Eliana Santiago, que é da caatinga da Bahia, dizia quando a farinha de pipoca não era suficiente para todos.
O milho vai para o caco bem quente para ser torrado e triturado até virar um pó fino, que ainda é cessado na urupema – ou passado por peneira – para ficar ainda mais leve. Eliana me conta que na Bahia a fuba é conhecida como farinha de pipoca e feita com milho comum, plantado no São José e colhido no São João.
Lá, eles chamam de caco a panela de barro rasa usada para torrar. O nome é porque antigamente usavam panelas quebradas, que não serviam mais para conter alimentos úmidos. Mururu é o nome que dão ao milho torrado, inchado, marronzinho. E o certo é torrar o milho e pisar no pilão ou passar por moinho ainda quente, crocante. Depois fica chocho, absorve umidade talvez, fica difícil de triturar.
 De Uauá, também na Bahia, a amiga Jussara Dantas, diz que conhece a farinha como fubá mesmo. E que o milho pode ser torrado no aribé de barro (caco), junto com areia fina para aumentar a eficiência do calor. Depois, é separado da areia e vai para o pilão. “Ela é feita do milho torrado (alguns grãos viram pipoca e outros não) e pisado no pilão. Vira uma farinha muito gostosa, e come pura mesmo. Quando criança, comia com açúcar ou feijão.”
Se os nomes para a fuba são variados, as boas lembranças de um produto que está desaparecendo uniformiza o sertanejo. Seu Misael de Carvalho, pedreiro pernambucano, quando provou um pouco da fuba que eu preparei em casa ficou emocionado. Disse que conhece por fubá e contou que comia puro com açúcar. Perguntei se queria levar um pouco e ele aceitou: “Só umas três colheres pra eu mostrar aos meus meninos, que só conhecem de ouvir falar”. >> Veja todos os textos publicados na edição de 6/12/12 do ‘Paladar’

NA XÍCARA

Café, leite, café com leite | O primeiro jeito de comer fuba é pura e seca, só com açúcar. Também é bem comum tomar com leite gelado. Em contato com a saliva, ela libera calor, em uma reação exotérmica, parecendo sempre morna. Ou ainda basta adicionar uma colherada de fuba ao café adoçado, puro ou com um pingo de leite.

NO PRATO

Com carne e feijão | O segundo jeito mais comum de comer fuba é com feijão, como se faz com outros tipos de farofa. Faça uma carne de panela e polvilhe a farinha por cima. Eu fiz acém de panela, preparado em um pedaço único, empanei a carne com a fuba, fatiei e servi acompanhada de feijão verde temperado e cuscuz.

PAÇOCADA

Pancada seca | Misture partes iguais de fuba, amendoim torrado e açúcar e triture até que todos os ingredientes se transformem em uma farofa úmida e bem fina. Junte uma pitada de sal. Molde em forminhas. Basta apertar bem na forma e depois emborcar com uma batida seca sobre a tábua, com cuidado para não desmontar.

EM BOLINHOS

Cremoso por dentro | Bata no liquidificador 1 xícara de fuba, 2 colheres (sopa) de farinha de trigo, 2 ovos, 2 xícaras de leite, 1 xícara de açúcar, 100g de requeijão de manteiga (baiano), 1 pedaço de casca de limão e 1 colher (sobremesa) de fermento em pó. Coloque em forminhas e leve ao forno médio. Asse até dourar. Ficam cremosos por dentro.


FOTOS: Felipe Rau/Estadão

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