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Dente-de-leão. Coluna do Paladar, edição de 23 de maio de 2013

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FOTO: Tiago Queiroz/Estadão
Hoje tem Nhac lá no Paladar. Falo do dente-de-leão, esta erva que já apareceu por aqui tantas vezes e não cessa de aparecer nas calçadas. Bem, você pode ir direto ao blog do Paladar, mas trago também aqui a versão integral.
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Temos muitos nomes para este matinho nativo da Europa e Ásia, sendo o mais popular, dente-de-leão. Mas responde também por taraxaco, amargosa ou chicória silvestre. 

Não me lembro de tê-lo visto sendo vendido em feiras livres ou supermercados, mas é daquelas ervas ditas daninhas que vão aos poucos tingindo de verde das folhas e amarelo das flores as calçadas e jardins abandonados sem que ninguém as perceba. Até que a pouco chamativa flor que cresce na ponta de uma haste amadureça em forma de uma bolinha de pompom de seda.  Aí vem o vento ou uma criança que sopra por brincadeira. E, pronto, a espécie está disseminada. Perto de minha casa sempre há uma pequena plantação esquecida e nunca estou desabastecida. Na pressa, faço um angu, refogo umas folhinhas com bacon e nhac.

Esta família botânica a que pertence o dente-de-leão agrupa outras espécies que a gente conhece melhor – a  margarida, a alcachofra, a camomila e o girassol, por exemplo. As flores vivem frequentadas por abelhas e como as outras citadas   não são comuns, mas em capítulos, agrupamentos de flores pequenas assentadas num mesmo receptáculo, normalmente plano. Nas bordas, as pequenas flores podem ter uma parte prolongada simulando pétalas. E ao redor de tudo, folhas modificadas dando o desenho de flor.  Se as flores tem estas particularidades, com os frutos não seria diferente. São em forma de aquênios, ou frutos secos, finos, ínfimos, com um chumacinho de pelos na extremidade. Todos juntos eriçados sobre a base dão a forma da bolinha de seda que se desmancha em voo ao menor sinal de instabilidade. É assim que se dispersam.  

Mas toda esta descrição é para que,  da próxima vez que estiver andando pela cidade de São Paulo ou de Lisboa, ou de qualquer outra capital mundo afora, você pare e observe que a disposição das próprias folhas serrilhadas como dentes (de leão, é claro) e verde escuras,  assentadas na mesma altura em volta de uma base, faz da verdura uma roseta basal difícil de esquecer ou de confundir com qualquer outra. E se acaso colher por engano alguma erva parecida, saiba que todas as assimiladas ao dente-de-leão, serralhas ou serralhinhas, são comestíveis.  

Na zona rural as folhas são encontradas facilmente nos cultivos de roça, nem sempre benquistas, mas apreciadas junto com outras ervas espontâneas como alimento principalmente nos  tempos em que alfaces não eram tão abundantes e dispersas nos mercados.  Mesmo na Europa, com uso ancestral na cozinha e na farmácia, já foi muito mais comum.  Sorte que tanto lá quanto aqui ainda há agricultores interessados em preservar a biodiversidade alimentar que cultivam a erva para vender em feiras de produtores. Já vi algumas vezes na feira de orgânicos do Parque da Água Branca, aqui em São Paulo.

No romance A Ciociara, de Alberto Moravia, que conta as dificuldades de duas mulheres que voltam ao vilarejo natal durante a segunda guerra mundial, a erva é mencionada junto com outras que cresciam espontaneamente nas montanhas,  chamadas todas indistintamente de chicórias,  e serviram para matar a fome em tempo de penúria. A personagem descreve estas ervas assim: “Luísa, a mulher de Paride, acompanhou-me a primeira vez para me ensinar e bem depressa me tornei tão hábil como os camponeses, conhecendo as várias espécies uma por uma, pelo nome e pela forma. Lembro algumas: o mastruço, que na cidade se chama agrião, com as folhas e os pés tenros e doces, de um verde-escuro; o dente-de-leão, que se encontra entre as pedras dos socalcos, de um verde quase azul, com folhas finas, compridas e carnudas ..”

Não são exatamente carnudas como as folhas de beldroegas ou espinafres, mas são folhas consistentes quando adultas e melhor apreciadas se cortadas em fatias finas como nossa couve para a feijoada. Folhas jovens são tenras e podem ir inteiras para as saladas. Nos dois casos, porém, não deixam de ser amargas, não posso mentir. Mas são deliciosas para quem tem apreço por este sabor que combina com bacon, abacates e alhos.

Pelo nome científico, Taraxacum officinale,  já conseguimos ter sobre a planta a certeza de utilidade, afinal espécies nomeadas officinale são sempre aquelas com aplicações na fitomedicina. Além de serem ricas em antioxidantes, vitaminas, minerais e, como qualquer verdura, clorofila, as folhas, raízes e flores são diuréticas e também indicadas para problemas biliares e estomacais. Mas, para isto, é melhor procurar um médico fitoterapeuta que sabe fórmulas e dosagens adequadas. Nosso negócio é comida.

O que interessa aqui é saber que as folhinhas são gostosas como o almeirão e apetecem justamente por terem um amargo bom, conferida pelos princípios amargos como a taraxina. As flores em botão fazem as vezes de alcaparras, as abertas são aproveitadas em licores e geleias e a raiz, torrada, vira bebida como café.

Quem ainda não está acostumado com a verdura deve começar com algo de fácil aceitação, como este macarrão. Acrescentei alho negro no final, mas alho fresco pode ser usado no lugar, fritando antes com o bacon. Uma salada com folhas jovens regadas com vinagre e gordura quente em que se fritou bacon também pode seduzir. E as flores em broto podem estar juntas.  Para quem gosta de amargos, um bom refogado sobre um angu mole pode ser visto lá no blog do Paladar.

FOTO: Tiago Queiroz/Estadão


Macarrão com dente-de-leão e bacon

2 litros de água salgada com meia colher (sopa) de sal
150 g de macarrão de massa curta
2 colheres (sopa) de azeite
40 g de bacon picado em cubinhos
Meia pimenta dedo-de-moça madura sem sementes picada
100 g de folhas de dente-de-leão
4 dentes de alho negro*

Numa panela, coloque a água salgada e leve ao fogo. Quando ferver, junte o macarrão e cozinhe pelo tempo indicado na embalagem (cerca de 8 minutos ou até ficar al dente). Enquanto isso, numa frigideira, coloque o azeite e o bacon na frigideira e frite até o bacon dourar. Junte primeiro a pimenta e depois o dente-de-leão picado e refogue até murchar. Tempere com sal a gosto (cuidado porque o bacon já tem sal) e junte o alho negro fatiado no final. Escorra o macarrão, coloque na frigideira e incorpore à verdura, chacoalhando a frigideira. Sirva bem quente com lascas de queijo da Canastra curado, se quiser.

Rende 2 porções

*Se não tiver alho negro, acrescente junto ao bacon umas fatias de alho fresco, comum. Vai ficar bom do mesmo jeito.


FOTO: Tiago Queiroz/Estadão

Refogado de dente-de-leão para comer com angu

5 pés de dente-de-leão
2 colheres (sopa) de gordura de porco ou óleo
2 dentes de alho grandes bem picados
Meia xícara de água quente
1/4 colher (chá) de sal

Lave bem as folhas,  escorra e pique em fatias de meio centímetro. Reserve.
Numa panela, coloque a gordura e o alho picado. Deixe começar a dourar e junte a água e o sal. Coloque na água as folhas e deixe cozinhar para que fiquem bem macias (cerca de 3 minutos). Se precisar, junte um pouco mais de água aos poucos. Prove o sal e corrija, se necessário. Sirva com angu ou polenta mole.

Rende de 2 a 3 porções

Para o angu, misture 1/2 xícara de fubá fino de milho com 3 xícaras de água. Leve ao fogo, mexendo sempre,  até começar a espessar. Tampe a panela, abaixe o fogo e cozinhe por meia hora ou até que esteja soltando do fundo da panela e com consistência cremosa. Não precisa ficar mexendo. Se quiser, junte uma pitada de sal.  Rende: 2 a 3 porções

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