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Docinhos de batata doce bem coloridos

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Se você desconfia já ter visto docinhos parecidos por aqui, tenha certeza disto Afinal, depois de quase dez anos de blog (daqui a dois meses teremos aniversário), é justo que eu me repita.

E se você não aguenta mais me ler falando de batata doce roxa ou de qualquer outra cor, saiba que provavelmente este é o último post da temporada. Os próximos, só quando colhermos na horta comunitária. Aliás, as ramas estão bonitas apesar da seca.

Bem, os docinhos já apareceram aqui. Como eu nunca sigo receitas, nem mesmo as minhas, fiz aqui pequenas modificações. Para os docinhos ficarem mais firmes, usei partes iguais de batata-doce e açúcar. Comprei no Ceagesp batatas de cores diferentes, incluindo a laranja e a roxa (tinha um pouco da horta, mas comprei mais para plantar). Cozinhei partindo da água fria, cortadas em pedaços grandes e separadas umas das outras, até que ficassem bem macias. Juntei o açúcar, fiz um purê usando o mixer e levei ao fogo, mexendo sempre, até virar uma massa firme que se soltava do fundo da panela. Esperei esfriar e fiz os docinhos.

Passei pelo bico de confeiteiro, sem saco (não achei o meu de pano e os plásticos que tentei estouraram todos - imagine a meleca!). Como fiz só com o bico? Ué, fui empurrando com o dedo. Um trabalhão e os docinhos não ficaram perfeitos como aqueles do velho post. Mas, tudo bem, foram assim mesmo para o sol. Um dia de um lado, outro dia do outro. Para os docinhos verdes juntei um pouco de folhas de batata cozidas e espremidas ao purê de batata branca e triturei tudo junto. É mesmo só para dar cor, coisa pouca.
Se quiser, use açúcar onde deixou repousar umas favas de baunilha. Se tiver baunilha do Cerrado, melhor ainda.  Pode usar também amburana ou cumaru na massa enquanto ela cozinha. Depois precisa tirar as sementes, claro.

E é isto. Adeus, batatas doces! Ou até mais!
Nesta época do ano, bate sol na janela do quarto durante toda a manhã

À tarde é no quintal. Aqui, já no outro dia, virados para
secar a parte de baixo


Pratos biodegradáveis

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Dando o formato com pedras sobre pratos
Estou indo  pra Uauá, para o festival do Umbu! Até mais!

Depois de secos
Como os pratos de bainha de palmeira fizeram sucesso lá no instagram e é capaz que chegue alguém aqui procurando como fazer, já deixo o link do velho post onde eu ensino a fazer, passo-a-passo,  pra facilitar o trabalho. 

Claro, como todo mundo já sabe, as coisas por aqui não tem só um jeito de acontecer. Cada vez que faço descubro que posso fazer um pouco diferente, de modo que nunca vou chegar à perfeição, mas também não tenho nenhuma pretensão em relação a isto. O importante é ter resiliência. 

Por isto, mostro aqui novas fotos dos que fiz em Piracaia com bainhas de jerivá e fotos de outras feitas aqui com bainhas de palmeiras ornamentais que encontrei caídas na calçada da minha vizinha - a mesma do link. 

E, abaixo, o texto que publiquei hoje no Instagram. Aliás, tenho publicado muita coisa em tempo real no Instagram - porque é mais rápido, prático, com legendas curtas. Então, se você não tem conta no instagram ou não tem celular com internet, entre no blog e acompanhe aí do lado. Ou entre diretamente no site do instagram e procure neiderigo. Qualquer um pode acompanhar assim. São muitas postagens ao longo do dia. Algumas interessantes, outras, por pura distração.  

Legenda copiada do meu instagram: Pratos biodegradáveis, ótimos para mise en place, especialmente em oficinas, pra deixar tudo bonito; pra menu degustação porque dá dor no coração sujar dez pratões por pessoa para apoiar às vezes uma comida do tamanho de um limão; e para oferendas, pois canso de tirar da horta alguidares de barro com água acumulada - terreiros deveriam abolir plásticos, vidros, louças e outros elementos que não sejam biodegradáveis quando deixam oferendas na natureza, cuja preservação interessa a todas as religiões, crentes e ateus. Estes foram feitos por mim com bainhas de palmeiras que achei na rua (da sua calçada, viu, @roseleivolpe !). É só deixar de molho em água para amolecer e ficar flexível como couro, cortar no formato que quer, com tesoura, lavar com escova de cerdas duras,  deixar de novo de molho em água com água sanitária para desinfetar, e deixar secando sobre um molde. Pode ser lavado mas deve ser seco rapidamente. Veja como fiz lá no blog. Procure 'pratos biodegradáveis'. Tem post de anos atrás. #kitcheneide #pratoecológico #pratobiodegradavel #biodegradableplate


O prato sozinho é meio leve, por isto coloquei as pedras 

A natureza tudo nos dá e eu tô indo pra Uauá!

Coração de bananeira, mangará. Coluna do caderno Paladar. Edição de 05 de maio de 2016

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Hoje estou voltando de Uauá e já tem coluna Nhac no caderno Paladar. Veja lá no blog do caderno, no Estadão impresso e também aqui. 


CORAÇÃO DE BANANEIRA

Lá em Itabirito, na venda do Roninho, sempre tem um punhado de mangará fresco apanhado há pouco envolvido em seu manto roxo descansando num caixote. É que mineiros daquela região ao redor de Belo Horizonte ainda tem apreço pela iguaria. É consumido em outras partes do país, como comida ou remédio, mas em pontos esparsos.

Para quem sabe lidar com ele, é um prato cheio que sustenta a família e imita o palmito além de dar um prazer danado aquele amarguinho de guariroba que ele tem.  É o que dizem as cozinheiras que têm intimidade com os assuntos do coração. Aliás, dizem por aí que pobre o chama de imbigo com orgulho e o rico, de coração com soberba. Já umbigo é pra quem se mete a querer falar como gente chique.   Mas, não importa a parte anatômica animal que o nomeia popularmente nem o nível econômico de quem o aprecia, o que vale é que a estrutura floral cordiforme que também responde por bogó é democrática, acessível e deliciosa.

Todo mundo já deve ter visto ao menos em foto este lustre de pétalas cor púrpura por fora e o avesso vermelho brilhante, às vezes revelando as florezinhas amarelas como pingentes enfileirados,  e que continua umbilicalmente ligado ao cacho-mãe a menos que seja extirpado. Portanto, não estou falando de nenhum ingrediente desconhecido, mas apenas negligenciado pela maioria das pessoas na república das bananas, sem nenhum tom pejorativo aqui – ao contrário, sortudos nós que, yes, temos banana e coração.  

Os frutos, a gente nasce comendo, mas o coração só experimentei depois de adulta e os preparos são sempre meio mineiros, bem temperados com alho, cebola, pimenta, pimentão, cheiro verde, como recheio de pastel de angu ou de buraco-quente - colocado no meio do pão francês, e ainda combinado com  costelinha de porco, carne moída, frango, peixe. De certa forma, quase os mesmos usos que o palmito, especialmente o guariroba.  

Depois conheci receitas de curries, com temperos asiáticos como leite de coco, pimentas, coentros.  No Sudeste Asiático  há inúmeros pratos com o ingrediente e  ainda separam o coração das flores masculinas que são limpas e preparadas à parte.  No Brasil o coração é limpo e fatiado inteiro incluindo estas flores.  As camadas externas e mais firmes protegem as pequenas pencas de flores masculinas, que são como miniaturas de bananas.  Livres dos pistilos e das sépalas ficam menos amargas e textura delicada.  

Foi, porém, um olhar estrangeiro não viciado e sem a menor familiaridade com o ingrediente que me fez levantar os olhos para além do meu próprio umbigo.  A amiga italiana Alessandra Sposetti se encantou com o formato do coração que conheceu em minha casa e levou para o Rio, onde ensina cozinha italiana. Disse que iria preparar como alcachofras já que a referência que ela tem é diferente da nossa, comedores de palmitos.   

Foi influenciada por alguma similaridade, o  roxo das brácteas duras, a ponta do cone fechada em pétalas e o nome coração. Mal sabia ela que além dessas características coincidentes,  havia ainda o amargor presente nas duas, mas muito mais discreta na alcachofra.  Claro, foi só preparar no azeite com vinho e alho para descobrir que o sabor estava mais para cardo, vegetal do mesmo gênero Cynara que a alcachofra, do qual se comem os talos bem mais amargos, mas deliciosos também.  

E aí foi minha a vez de experimentar. Ela me passou a receita de gobbi alla parmigiana tal qual a mama italiana Ada Guzzini faz na cidade de Maceratana, região de Marche, no centro da Itália, onde o cardo é conhecido como gobbo. Foi de Alessandra a ideia de usar queijo da Canastra duro em vez de parmesão.  Se você tiver oportunidade de preparar este prato, verá como a italiana foi certeira na intuição. O leite e o queijo trazem equilíbrio ao sabor final fazendo do amargor um item suave e desejável como o de alcachofra.

Antes disso, porém, é bom observar a sabedoria mineira: embora todos os mangarás de bananeiras sejam comestíveis, os menos amargos são os de banana-prata;  o coração deve ser retirado do cacho enquanto as bananas ainda estão verdes, pois à medida que os frutos amadurecem o coração vai endurecendo -  neste caso não há como endurecer sem perder a ternura. 
A retirada do coração é a conduta recomendada aos produtores de banana para que o cacho se desenvolva melhor.  Quando todas as flores femininas foram fecundadas e se viraram para cima, basta esperar de 15 a 20 dias para tirar e aproveitar o coração - é só torcer o pedúndulo perto dele para quebrá-lo .

As flores que restam entre as primeiras camadas roxas do coração são apenas as masculinas que não se desenvolvem em frutos, mas são deliciosas para comer.  As camadas externas mais duras são descartadas até chegar a um miolo claro e tenro. Aí, sim, corta-se em fatias diretamente sobre a bacia de água acidificada (4 colheres de sopa para cada litro de água). Aferventa-se duas vezes em água limpa, escorre-se e está pronto para ser usado como se fosse palmito ou alcachofras em conserva.

Aqui vale uma consideração. Enquanto brasileiros às vezes cortam o vegetal e o deixam imerso numa solução de bicarbonato e limão para evitar que escureça, asiáticos usam apenas limão.  O bicarbonato é usado para palmitos e brotos de bambu para eliminar o amargor e o limão ajuda a evitar o escurecimento da oxidação, mas um é alcalino e o outro, ácido. Sendo assim, penso que um anula o efeito do outro e, por isto, prefiro usar só o limão, para não escurecer, e aferventar duas vezes para eliminar o amargor. Funciona.

E,  se aproveitando da técnica asiática, podemos separar as flores em vez de picar tudo junto como se costuma fazer por aqui. E, mais ainda, podemos limpar uma a uma as flores, tirando pistilos e sépatas para que fique só a pétala, menos amarga. Refoga-se na manteiga ou azeite com gotas de limão e tem-se algo como cogumelos.

Então,  se você frequenta feira de produtores, peça o coração ao vendedor. Certamente não custará quase nada. E mesmo espalhados pela cidade há vários cachos de banana esperando uma alma boa que lhes arranque fora o umbigo que será devorado.  


Coração de banana gratinado com queijo

Meia xícara de suco de limão
2 corações de banana
2 xícaras de leite integral – ou mais, se precisar
Sal e pimenta-do-reino a gosto
4 colheres (sopa) de queijo duro ralado (pode ser Canastra, Serro, Salitre etc)

Prepare uma bacia com 2 litros de água e o suco de limão. Lave bem o coração, tire as camadas externas (descarte-as ou use como pratos), até chegar a um miolo claro. Separe as flores que for encontrando entre as camadas e jogue-as na água com limão. Se quiser usá-las separadamente, tire sépalas e pistilos (ficarão menos amargas) e reserve.

Corte o coração em fatias diretamente sobre a água. Deixe repousar por 2 horas ou mais e descarte a água. Escorra em peneira de plástico. Coloque o coração e as flores numa panela,  de preferência de barro ou aço inoxidável, cubra com água limpa e leve ao fogo para ferver. Ao lado deixe mais água aquecendo. Deixe ferver dois minutos, escorra e coloque mais água quente. Repita a fervura e escorra. Se achar que ainda está muito amargo, ferva mais uma vez. Escorra bem e passe tudo para uma frigideira que possa depois ir ao forno. Cubra com o leite,  tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e deixe cozinhar em fogo baixo até o leite começar a secar e o coração ficar macio. Se for preciso, junte mais leite quente.  Cubra com o queijo ralado e leve ao forno bem quente para gratinar.  Sirva quente com pão ou como acompanhamento.

Rende: 4 porções


A mala de volta de Uauá

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Algumas coisinhas incluindo uns matinhos comestíveis pra replantar
Os últimos dias foram de correria, só pra variar. Cheguei de Uauá e já tive que preparar o passeio Pancnacity de sábado e de segunda. Parece fácil, mas dá trabalho. Sorte que eu adoro fazer este foraging tour pelo meu bairro. Amanhã mostro como foram os últimos. 

Dia a dia publiquei fotos da viagem a Uauá no Instagram - se quiser ver, é só clicar nas fotos aí do lado direito. Desta vez fui com a Ana Luiza Trajado e Renata, que trabalha com ela. Foi gostoso, divertido, interessante. A gente sempre aprende muito com o povo de lá. Ana ficou fascinada com tudo, especialmente com o bode. Compramos uma manta inteira que dividimos aqui depois de ela ter terminado de secar a carne no varal da varanda.
Joaninha do Sertão ficou um bocado chateada comigo porque não tivemos tempo de ficarmos sozinhas e andarmos pela caatinga - é quando parece que encarna um personagem e diz as coisas e as fantasias mais lindas que já ouvi de uma criança. Há dois ou três posts sobre ela aqui no Come-se, o que muito a envaidece e a motiva a continuar a brincadeira.
O que fiz muito por lá também foi treinar ainda mais o olhar para as plantas alimentícias não convencionais que nascem nas frestas das calçadas no espaço urbano. Achei pancs interessantes - isto merece um post à parte.
Fui ainda visitar uma padaria nova e levei um pouco de levain ao padeiro e este também merece um  post.
Então, por enquanto, fique com as fotos. Se quiser saber mais sobre Uauá e as coisas do Sertão da Bahia, veja aí no campo de busca quantos posts há sobre o assunto: Joana, Joaninha do Sertão, Uauá, Coopercuc (aliás, obrigada pelo Convite, Jussara e Adilson!). 

Quanto às carnes, tudo muito higiênico, sem moscas 

No Mercado de bode, é tudo muito limpo 

Ana fotografa tudo. Parece alguém que conheço. 

Pietro e dona Joana (que causou o maior ciume na neta Joaninha) com as
melancias meio pálidas mas muito doces e perfumadas

Joaninha meio amuada falando da coroa de frade - e mostrando como comer
o frutinho. 

Na feira,  umbu maduro, umbu inchado, maracujá da caatinga, pinha

Do licuri, o coquinho e as fibras na forma de vassoura

Vendedor de bode

Cada quem vem vender seu bode sequinho, desossado primorosamente


Comedores de panc: Juan e Jonas comem flor de chanana que nasce em
qualquer canto. É comestível e adocicada. 


Claro, tinha que trazer mudas de matos comestíveis achados na rua (aqui,
só pra hidratar antes de metê-las em saco plástico - todas resistiram)

Meles comprados durante a exposição no Festival do umbu. E as abelhas
também. Mandaçaia. 


Pancnacity de 07 de maio de 2016

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Colhendo cúrcuma - quando as folhas caem assim, é hora! 
Peço desculpas aos leitores que começam a se aborrecer com o tanto de foto que vou publicando dos passeios para reconhecimento e coleta de plantas alimentícias não convencionais (panc) pelo meu bairro, o City Lapa. É que sei que vai chegar um dia que vou estar menos animada para andar, menos inspirada para cozinhar e meio esquecida dos rostos, das falas e das gentilezas que estas pessoas me trazem. Elas entram em minha casa, se sentem à vontade na minha cozinha, ajudam no preparo, observam minhas bagunças, então é justo que eu tenha delas as melhores recordações que são estes momentos de andanças e de conversas à mesa.  Sem delongas, aqui, as fotos do Pancnacity do último sábado.

Os  preparos do almoço começam um dia antes

O tempo está seco, mas dente-de-leão, serralha, beldroega, sempre há
Estava no alto e não colhemos o coração da banana roxa

Vizinho explicando porque cortou o pé de tamarindo

Não é só manjericão que tem sua graça. Aqui, bredo manchado

Do cacho, colhemos o coração 
A pequena colheita

Teve pão ganhado e pão da casa. Acompanhados de kombucha 
Salada com carambolas ganhadas da Patricia Jean, folhas de vinagreira da
horta e flores de malvavisco da calçada



Teve caxi, melancia forrageira, maxixe, quiabo com ora-pro-nobis

No caminho, um pé carregado de caferana
Caferana que  enfeitou o chapéu da Arcelia, expert em chocolates, da Mission
(aliás, ela escreveu sobre o passeio no blog e mostrou várias espécies)



Pancnacity de 09 de maio de 2016

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Embaixo de um pé de aroeira pimenteira 
Continuando o post de ontem, mais fotos da outra turma de Pancnacity de maio:




Mentruz rasteiro fora de época. Agora é que começa a ter. 
Malvavisco com azeite, alho e flor de sal 

O pão foi com arroz vermelho e abóbora cabochá


Por fim, o malvavisco recebeu gotas de limão e queijo ralado e ficou muito bom

Jiló sapecado com alho e azeite, pasta de amendoim cozido com pariparoba,
caferana pra passar no pão feito manteiga de amendoim 

Coração de banana grelhado

Salada de mamão verde, quiabo com talo de taioba, polenta branca com
taioba e ora-pro-nobis, arroz com feijão guandu, fava branca, salada de
tomate de árbore com abacate e epazote, kombuchá etc 

No final, todo mundo ajuda a montar a mesa.

Padaria Estrela em Uauá

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Sente o cheiro?

Acho que é normal, né?, quando a gente gosta de alguma coisa, quer compartilhar. Por isto aonde quer que eu vá, levo meu levain. Vai que...  Pois para Uauá foi a segunda vez que levei meu potinho de fermento natural. Só um pouquinho para multiplicar se for o caso. Na primeira vez combinei com o padeiro de uma pequena padaria. Despertei a curiosidade nele que ficou todo interessado em aprender sobre este tal de fermento natural. Como era possível? Comecei na pousada um outro levain a partir do zero, com a bolinha dentro da água (já mostrei aqui no Come-se). Queria mostrar que a farinha podia fermentar só com as leveduras do ambiente. Quando estava com os fermentos crescidos e levedados, voltei à padaria dele que nada mais era que um forno a lenha no fundo da casa e ele me recebeu na porta lateral com cara triste dizendo que fechou o negócio. Disseram-me que foi problema com álcool. Voltei pra São Paulo com dois fermentos.

Levei levain e ganhei este instrumento de corte de pestanas
Pois nem esta experiência triste me desanimou de levar de novo meu levain. Desta vez fui em outra padaria também no mesmo esquema. Padarias em Uauá são todas com forno a lenha, fazem um só tipo de pão (ou também um doce e a xeba, como se fosse uma focaccia doce)  e não usam nada de mistura pré-pronta. As confeitarias são diferentes. Estas, sim, usam mistura e fazem outros pães. Os pães simples, do dia-a-dia, em nada se parecem com os nossos pães franceses estofados de bromato. Eles são mais finos, mais densos, deliciosos, talvez porque  usem pouco fermento (180 g do fermento fresco para 50, 60 kg de farinha), quase uma fermentação natural que dura a noite toda. Também convenci o padeiro Daniel e o dono da padaria, Ari Magayver, a pelo menos experimentarem o tal do fermento natural. Daniel tem apenas 21 anos e trabalha de domingo a domingo ganhando 30 reais por dia. É o que tem, diz ele. Chega na padaria às 18 horas, sova na mão cerca de 60 kg de farinha, vai embora lá pelas 20, 21 horas, dorme um pouco e volta às 2 da manhã pra começar a moldar os pães, acender o forno e começar a assar. Vai até à 9, 10 horas. O trabalho é árduo, o ambiente é quente e o rapaz vai tirando a roupa pra se refrescar. Na hora de amassar, vai enxugando o suor com a camiseta que tirou. Não é fácil, não.

Daniel, o funcionário

Ari Magayver, o patrão
Bem, consegui mostrar como reformar o fermento e deixei ali uma massa feita para que moldassem junto com os outros. Às duas da manhã ele moldaria e assaria.  Fiquei de voltar no outro dia e cheguei bem cedo. Já tinham feito o pão e assado, mas a massa tinha crescido muito e estava pouco assado. Foi um começo, viram que pode dar certo, que podem controlar melhor a fermentação, mas a catequese teria que ser contínua. Sei que não vão continuar. Sei que o dono da padaria não vai querer trocar o certo pelo duvidoso, mas pelo menos eles sabem que podem fazer o pão só com farinha e sal.

O levain reformado
Prometi ao Daniel que, se ele vier a São Paulo, vou mostrar umas padarias artesanais por aqui. Quem sabe ele não se sinta mais animado para fazer umas experiências?

Enquanto isto, os padeiros de Uauá estão de parabéns. Os pãezinhos de lá são insuperáveis. Imagine com levain!


Depois dos pães terem sido assados, Ari ajeitou numa assadeira uns pedaços de bode e colocou pra assar aproveitando o calor do forno. Era o lanche deles. Quis que eu provasse e eu provei. Aprovado!

O filão com levain junto dos outros. Dá pra ver que cresceu demais. 
Muito a ser corrigido ainda


Este é o pãozinho deles, uma tentação quando quentinho

E mesmo frio, delicioso e muito melhor que lanche de avião 



Flores de moringa em Uauá e em São Paulo. E outras panc de Uauá

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A cidade de Uauá é em grande parte pavimentada sem uma fresta sequer nas calçadas estreitas. Mas há ruas ainda por asfaltar e uma rachadurinha aqui e ali junto às paredes. Se num primeiro momento não há plantas alimentícias não convencionais dando sopa no espaço urbano, você vai andando e reconhecendo um cariru ali, um bredo acolá, um . E algumas árvores de Moringa oleifera (já falei dela aqui) com profusão de flores e frutos comestíveis. Mas ninguém sabe e as vagens vão secando ali mesmo.  

Não colhi flores ou vagens para trazer porque a mala já estava cheia demais. Mas, veja só a coincidência, chegando aqui, minha vizinha de bairro, a indiana Shakuntala, me convidou para um tchai em sua casa. Sempre experimento comidas diferentes ali e aprendo um bocado. Só o tchai é que nunca consegui fazer um tão bom quando o dela.  Desta vez serviu um curry de carneiro para comer com pão chamado  bunny chow, como se costuma servir na África do Sul, onde morou. Mas o que mais gostei foi de experimentar as flores de moringa num refogado apimentado.  Há uma árvore de moringa numa pequena praça em frente à casa dela - vou colocar no roteiro no próximo Pancnacity. Então, vira e mexe ela está ali colhendo folhas, flores e vagens.  

Flores de moringa apimentadas 

Não repeti ainda a receita, mas ela disse que é basicamente assim:  Refoga em óleo alho, cebola e pimenta seca. Junta as flores lavadas de moringa e vai mexendo em fogo baixo para murchar. Acrescenta sal e gotas de água quente só para deixar a mistura úmida. Uns cinco minutinhos e está pronto. Sirva com arroz, pão, sozinho.  É muito bom!  Se tiver oportunidade, experimente. 

E, a seguir, a moringa e outras panc que encontrei em Uauá. 





Bredo rajado, encontrei na rua. Trouxe muda. 

O pé de moringa, em Uuauá, carregado de vagens e flores 

Bredo, vagens de moringa, beldroega, flores de moringa, xanana e
tagete huakatay - tudo achado nas ruas de Uauá


Renata e Ana Luiza Trajano participaram do Pancnacity versão Uauá

Espinafre africano ou celósia - Celosia argentea  (comem-se as folhas jovens
cozidas), onze-horas (flores) e xanana (flores e folhas)


Melão-de-São Caetano. Verde, como legume. Maduro, pra chupar a semente


Fruto de mandacaru 


Cariru, também conhecido como bredo (Tallinum triangulare). Mas gostoso
que o parente que encontramos em São Paulo - T.paniculatum ou major-gomes,
lobrobó,  língua de vaca, beldroega de folha grande 


Maxixe. Coluna do Paladar de 02 de junho de 2016

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Não morri, não, minha gente. É sempre culpa dele, o tempo. Era pra ter postado ontem a coluna do Paladar. Não deu, mas antes tarde que nunca. Pra quem não vê no jornal, aqui está: Tem também no blog do caderno




Outro dia um grupo de amigas que gostam de cozinhar e trabalham falando e escrevendo sobre comida esteve em casa para algumas horas felizes fazendo nada muito diferente disso tudo, a não ser pela etapa do comer e por estarmos de folga do trabalho. Nossa convidada especial era a amiga comum Ana Rita Dantas Suassuna, autora do livro Gastronomia Sertaneja, que chega sempre cheia de ânimo com histórias do Sertão. Desta vez a comida emblemática estava na panela já cozida com temperos, só faltando o leite de coco que veio no vidrinho, comprado pronto, pra colocar na hora de esquentar e servir. 

Entre cachimbos e malassadas, a maxixada brilhou. Lembrando que cachimbo é de beber e malassada não vai ao forno. O primeiro é uma bebida feita de cachaça, mel e frutas que, segundo Ana, a moça grávida já começa a receber quando anuncia o pãozinho no forno, para servir às visitas quando vem o rebento. E malassada é a tortilha do sertão feita na frigideira com ovos batidos em neve, farinha de mandioca e temperos. Mas, voltemos à maxixada.

No almoço do outro dia todas nós queríamos repetir a maxixada do jantar de tanto que gostamos. Quem já comeu a maxixada do restaurante Mocotó ou já fez a receita que Ana traz em seu livro ou simplesmente faz deste prato uma mistura do dia a dia sabe do que estou falando. Maxixe é um ingrediente incrível: rústico, nutritivo e, a quem possa interessar, não tem quase nada de calorias embora possa ter o tamanho de uma batata média – o que ajuda a nos iludir quando é colocado no prato. 

Em Salvador comi na casa de amigos a maxixada da Geo, Geralda Oliveira Silva, que comanda a cozinha há anos e incorporou a técnica da família ao seu jeito de temperar.  O leite de coco é pouco, mas leva extrato de tomate, camarão seco e ovos no final.  A técnica da família consiste em aferventar as rodelas do maxixe antes e espremer um pouco para tirar o excesso de sementes. Já Eliana Santiago, também  baiana, mas do Sertão, e que trabalhou  um tempo comigo, cozinhava sua maxixada na panela de pressão com temperos comuns que incluía tomate, pimentão e coentro, mas refogava tudo com um pouco de toucinho e colorau. E também ficava divino.

Ana Rita fica radiante ao contar que o maxixe é o primeiro verde que surge na seca tão logo vem a época das trovoadas. A chegada das águas no Sertão é cercada de reverências. Um amigo de Uauá, no interior da Bahia, me conta que o pai não deixava ninguém continuar deitado se por acaso a chuva chegasse no meio da noite. É falta de respeito. Todos se sentavam e rezavam em agradecimento ao milagre da vida.  Pela manhã os filhos saiam a plantar os grãos, o milho, o feijão, mas o maxixe brotava sozinho, por bondade, de sementes de outras safras. Em pouco tempo já podiam colher os primeiros frutos. Os primeiros verdes da temporada a irem pra panela que andava meio pobre.


A planta Cucumis anguriaé originária da África e foi uma das preciosas contribuições dos escravos à nossa dieta, nos impondo além de pedidos de desculpas também o eterno agradecimento. Logo se transformou numa espécie quase espontânea por todas as áreas tropicais, não só no Brasil.  Do Sudeste brasileiro até o Sul dos Estados Unidos o maxixe nasce à toa, sem muitas exigências a não ser o calor. Na Flórida, numa extensão limitada há cultivo para a fabricação de picles.  Por aqui, ele é mais apreciado fresco, na maxixada, na feijoada, nos escaldados e cozidos. E até em saladas, sucos, drinques – Ana Luíza Trajano, do restaurante Brasil a Gosto, inventou o seu “dry maxixe”, que fez sucesso.  O perfume do legume lembra o de pepino e deixa um aroma bom na bebida.

Aliás, o maxixe é do mesmo gênero do pepino e mesma família do melão, da melancia, da abóbora e do chuchu. Como todas estas plantas, o maxixeiro é planta rasteira ou trepadeira e tem gavinhas para o caso de encontrar suportes.  As primeiras folhinhas lembram as de melancia, mas tão logo os frutos ganham tamanho de uma noz já podem ser colhidos. Nas feiras e mercados de cidades do Nordeste onde podem ser encontrados, costuma-se encontrá-los amarrados pelo “rabo”, um fio fibroso que faz parte do fruto e que é retirado  quando vai ser preparado. Em São Paulo os frutos normalmente já vêm sem o apêndice.

Há variedades lisas, mas a maioria tem casca fina com muitas pontas na forma de espinhos macios.  São comestíveis, mas podem ser raspados antes do preparo. Não precisa tirar toda a casca, que fica bem macia depois do cozimento e as sementes achatadas tampouco incomodam. Pelo contrário, conferem crocância ao prato.

Não é em todo supermercado que você vai encontrar o legume, mas em mercados municipais e principalmente ao redor deles, em barraquinhas, é certeza se separar com maxixe o ano todo - em locais quentes ele tem produção ininterrupta com irrigação quando não há chuva.   Em frente ao Mercado da Lapa, por exemplo,  há uma feira informal onde sempre vai encontrar maxixe e de tudo o que mais precisar  para sua maxixada: coentro, tomate, pimentão, cebola, cebolinha.  Além de macaxeira, abóbora madura, feijão de corda, coco e quiabo para completar a mesa.   

Quando for comprar, escolha os menores, mais firmes. Conforme vão amadurecendo vão ficando amarelados, as sementes vão endurecendo e o sabor ganha um tico de amargor. Quando estiverem totalmente maduros, melhor usá-los para espalhar as sementes pelos quintais.  

A maxixada que fiz é parecida com a da Ana Rita, mas gosto de cozinhar os legumes em metades e juntar um pouco dos temperos frescos também no final para me aproveitar das cores. De resto, é igual. No livro dela há muitas outras preciosidades do Sertão que não podem ficar esquecidas por aí. 

Maxixada

1 cebola roxa
1/4 de cada pimentão: do verde, do amarelo e do vermelho
4 ramos de coentro
1 ramo de cebolinha
20 maxixes lavados, raspados e cortados ao meio, de comprido
3 dentes de alho amassados
Sal e pimenta-do-reino a gosto
1 xícara de leite de coco

Pique a cebola, o pimentão, o coentro e a cebolinha e guarde um pouco para usar no final. Numa panela coloque o restante dos temperos, os maxixes, o alho e água suficiente para cobrir. Tempere com o alho, sal e pimenta-do-reino. Tampe e deixe cozinhar por cerca de 20 minutos ou até o legume amaciar e a água secar. Se for preciso, junte mais água quente. Cubra com leite de coco, junte a cebola e o pimentão reservado (pique mais fino), abaixe o fogo e espere aquecer. Prove o sal e corrija, se necessário.  Espalhe por cima o coentro reservado e a cebolinha e sirva. Pode ser prato único ou acompanhado de arroz, farinha, peixe, carne.


Rende: 8 porções

Pancnacity de 04 de junho de 2016

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O que colhemos: teve até cogumelo orelha-de-judeu! 


No começo do mês tivemos dois encontros do Pancnacity. E, para eu mesma não esquecer o que servi e das pessoas que conheci, deixo ao menos as fotos. Quem quiser participar, é só me escrever no neide.rigo@gmail.com que eu passo as informações. Se quiser ver fotos dos encontros anteriores, é só digitar na caixa de busca "pancnacity".


A cada passeio, além de conhecer pessoalmente vários leitores antigos do Come-se, ainda aprendo muito com eles e sou apresentada a pessoas que só me conhecem de instagram. Em comum todos chegam sedentos de aprender. E a cada dia, espécies novas vamos descobrindo pelas ruas da City Lapa. No almoço entram outras pancs vindas de outras paragens, como por exemplo as vagens de nabo forrageiro, de Piracaia, e até bancs, como costumo chamar os bichos alimentícios não convencionais. Teve tanajura ou içá torradinha no arroz. Colhidas em Piracaia e congeladas para ocasiões como esta.

Todo mundo cheirando, experimentado, na Horta Comunitária City Lapa 

As vagens do nabo forrageiro. Já falei delas aqui no Come-se. 

Foto da Horta City Lapa para a posteridade, com  pessoas queridas.

Kefir drenado, manteiga de folha de alho, manteiga com ervas do quintal

Um brinde com kombucha de hibisco

Caferana e uva japonesa no fim de safra 

Arroz com formigas (tanajura, içá)


O nabo forrageiro entrou no arroz sem formiga para os que não quiseram
provar. Fora isto, caxi no leite de coco, vagem de feijão espada com vagem
de orelha-de-padre, salada de repolho roxo com guasca, beterraba com
carambola, cogumelo orelha-de-judeu (da horta) com cebolinha, missô e
gergelim e salada de mamão verde com amendoim. 

A sobremesa: creme de abacate com cacau e cumaru 

Pão de abóbora com beterraba 

Repolho roxo com natas

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Pra não dizerem que agora só falo de panc, aqui está um prato bem normalzinho. Se não normal no preparo, ao menos no ingrediente. A receita não existe, inventei na hora porque tinha nata dura na superfície da caneca onde foi fervido o leite que trago cru de Piracaia. E  tinha repolho roxo de lá pra cá dentro da geladeira, sem destino certo.

Cortei uma rodela de repolho de baixo  pra cima, de modo a manter o talo como o tronco de uma árvore. Coloquei numa panela, cobri com leite e temperei com sal e noz moscada. Tampei a panela e deixei cozinhar em fogo baixo até amolecer. Tirei da panela com cuidado para não desmanchar a rodela e passei para um prato refratário junto com o resto do leite. Senti que estava meio azulado e pinguei umas gotas de limão que o fez avermelhar novamente  (o pigmento do repolho, a antocianina,  reage com o ph do meio - quando mais ácido, mais avermelhado; no outro extremo, azulado). Cobri com uns  pedaços de nata e levei ao forno bem quente só pra dourar a nata. E nhac!

Berinjela na waffle maker

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Tenho muita coisa pra postar aqui no blog, mas não sobra tempo pra baixar fotos, escolher, escrever. Vou voltar a fazer tudo isto cotidianamente, acredite, por favor.

Por enquanto, pílulas que sequer enchem linguiças mas podem ser úteis pra quem tem pressa, não tem tempo ou sofre de preguiça.

Tudo isto vou postando no instagram, mas sei que não é todo leitor que me acompanha lá - quando eu estiver muito desaparecida, entre aqui no blog e clique nas fotinhas do instagram aqui do lado direito. Vai ver que não estou morta.

Bem, então vim aqui só para lhe dizer que se você tem uma maquininha de fazer waffle encostada, faça como fiz hoje na hora do almoço por pura preguiça. Cortei as rodelas de berinjela, ajeitei na waffle maker e fechei - sem untar nem temperar. Depois de uns cinco minutos, as fatias estavam bem macias. Foi só temperar com azeite e manjerião-zathar (que temos na horta comunitária e lembra o pó de zathar - ou mais especificamente um orégano temperado), polvilhar flor de sal e nhac!  Puro ou com pão, ficou uma delícia!

Por hoje é só. Teremos daqui a pouco aula da Marisa Ono, do blog Delícia,  lá no Sesc Belenzinho sobre Fermentados. Fique ligado na programação gratuita até o final do ano do Comer é Mais, projeto do qual sou curadora, lá no Sesc. Tem muita oficina interessante para acontecer até o final do ano.

Nhac!




Pancnacity de 6 de junho de 2016. Comemos até formigas!

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Para quem está chegando aqui agora, Pancnacity é um passeio de reconhecimento de plantas alimentícias não convencionais no bairro City Lapa, em São Paulo organizado por mim duas vezes por mês - sempre no primeiro sábado e primeira segunda-feira. Quem tiver interesse, não deixe comentário aqui, mas escreva diretamente para o meu email: neide.rigo@gmail.com. Na caixa de busca aí do lado, se digitar pancnacity, vai encontrar vários posts sobre as andanças anteriores.

Por ora, antes que chegue o próximo passeio, deixo aqui a fotos do último, com presenças amigas como Ana Luíza Trajano, Neka Mena Barreto, e Marle Alvarenga. Amigos ou não, todos acabam se aproximando - já que minha casa é pequena e o andar a pé tem dessas coisas, as pessoas vão se conhecendo.

As fotos estão todas misturadas. Tem aqui fotos minhas, da Ana Luíza Trajano e da Marle Alvarenga. Muito agradecida, meninas! E é interessante notar como outros olhares capturam momentos, objetos e movimentos diferentes.  Misturados também são os ingredientes pancs do almoço. Espécies colhidas se juntam às pancs de casa, ganhadas, congeladas, colhidas no quintal ou no sítio. E até banc (bicho alimentício não convencional ..) teve. As formigas içás ou tanajuras que vieram do sítio e estavam congeladas deram mais crocância à farofa e muito assunto entre a turma. Foi divertido.

Castanha-do-maranhão e amendoim de árvore. As castanhas são deliciosas
mesmo cruas. E germinam facilmente


Uvarana da praça - dá um palmito comestível 
Dente-de-leão
Mentruz rasteiro 

Sob o pé de caferana 
Tem alguém guardando sementes...  Neka adorou a castanha-do-maranhão
Na horta comunitária
Por sorte havia chovido e colhemos cogumelos
orelha-de-judeu
Monstera deliciosa - pena que ainda verde
Um pé cortado de tamarindo. Sorte que as folhas são
comestíveis
Feijão espada colhido no sítio. As vagens e os feijões foram pra panela
Endro silvestre. Substitui até a salsa 
A turma 
Pancs de casa 
A colheita 
Lili, grande amiga e ajudante
Água aromatizada com huacatay e chá com a mesma erva e capim santo
Nada como uma banqueteira pra ajudar

Caxi no leite de coco 

O feijão espada 
Vagem verde de feijão espada com cúrcuma e coentro

Manoela com a formiga. Nhac!
Pão de abóbora com beterraba 
Bora comer! 
Cogumelo orelha-de-judeu com misso, limão, sal, açúcar e gergelim 
Salada de rúcula com folhas de hibisco e pétalas de malvavisco 
Flores do coração da banana no leite e gratinadas 
Tipos de folhas de batata doce, todas comestíveis 

Detalhe da minha cozinha. Foto da Marle 
No fim, todos levam mães de kombuchá, grãos de tibico, kefir e isca de levain



Oficinas de culinária no Vale do Ribeira

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Na semana passada estive dando oficina de culinária no Vale do Ribeira, uma atividade promovida pela Sof - Sempreviva Organização Feminista com mulheres agricultoras atendidas pelo programa de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). O  programa foi criado pela organização em 2015 para apoiar a cadeia de produção e consumo de alimentos. E aí entra minha parte: o autoconsumo.

A Quitandoca, que vende aqui em São Paulo, no bairro de Pinheiros, produtos  agroecológicos da agricultura familiar do Vale do Ribeira, também estava presente com Gabriela e Janaína que ajudaram bastante na oficina desde o momento em que colhemos flores de mamão na estrada. Vivian, agrônoma que foi minha professora numa curso de horticultura orgânica e virou amiga, e trabalha para a Sof na parte de agricultura do programa, era quem estava à frente e conhecia os caminhos para chegar ao Quilombo Cangume e ao bairro rural do Caraças, ambos no município de Itaoca. 



A casa de pau-a-pique onde aconteceu a roda de conversa. 


Dona Antônia colocando o feijão no fogo pra janta. 

Ao Quilombo chegamos já de tardinha. O lugar é lindo e fica no alto de uma região bem montanhosa.  Nos alojamos numa casinha de pau-a-pique onde Dona Antônia cozinhava o feijão no fogão de lenha. Aos poucos foram chegando as mulheres e se abancando onde havia espaço. O pilão centenário virado de ponta cabeça era um dos bancos. A roda de conversa girou em torno do tema comida, é claro. Mas o que eu queria provocar era uma discussão sobre o que comíamos no passado e não comemos mais. Porque na época da necessidade havia cará, inhame, mamão verde, batata doce e agora, segundo eles próprios, a criançada e os mais jovens não querem mais comer estas coisas?  E elas mesmas foram refletindo sobre isso. Uma das mulheres resumiu: "Antigamente a gente tinha de tudo nas roças e achava que não tinha nada. Mas indo pra cidade e olhando pra trás a gente vê que havia fartura. A gente só não tinha aquilo que o povo da cidade tinha".  Pois é, alimentos industrializados estão por toda parte modificando hábitos. 

Vista do Quilombo Cangume ao longe 

O campinho do Quilombo
Uma particularidade neste lugar é que os porcos são criados soltos como galinhas e as roças precisam estar longe - algumas estão a uma hora de caminhada. Perguntei se não era mais fácil manter os  porcos presos e a resposta foi gourmet: se ficam confinados a carne não fica boa, não. 

Cada um arrumou um cantinho pra sentar. E dona Antônia contou histórias

Como do Pilão que o pai fez pra mãe na época do casamento 

Apesar do frio que castiga plantas, havia uma hortinha cercada com alguns temperos e remédios. Cordão de frade pra febre, cataflam (boldinho) pra gripe etc. Do mato chegam casca d´anta pra ficar forte e temperar sopa de mandioca.   Ao pilão de temperos, casca d´anta, pimenta, sal, alho e ... sazon. Mamão verde que comiam antes, dizem que parece batata, mas os mais jovens já não comem d iguaria.  Enfim, este papo iria longe se a noite e o frio não chegassem tão cedo. No outro dia, oficina no bairro rural de Caraças. 

Gabriela e Janaína ajudando na colheita de flores de mamão

Urucum 

Logo na estrada chegando a Caraças já fomos vendo muitas culturas comestíveis. Urucum, mamão verde. Aliás, paramos o carro e lá fomos colher flores de mamão macho que ficam gostosas (e amargas!) em refogados. 

A estradinha por onde andamos para colher nossos ingredientes

Caminhada de aprendizado 
Duda escolhendo feijão
Na entrada do bairro, uma igreja, o salão, as casas todas perto umas das outras assim como são as relações de parentesco e amizade por ali. As mulheres foram chegando. Irmã de uma, comadre da  outra, prima do marido, madrinha da filha, afilhada da mãe e assim são aquelas mulheres que, antes de correr pra oficina, dão comida aos filhos que vão a escola, deixam o feijão escolhido, adiantam a farinhada de amanhã e deixam a marmita pronta pro marido.  Ainda sobra tempo para andar pela estradinha de terra pra nos mostrar o que nasce ali espontaneamente de comida e remédio e também o que cultivam. 

As bananas da casa da Regina

Nossa colheita 

Procurando pimenta cumari

Colhendo mandioca 
Fomos colhendo corações de banana, mamão verde,  pimentinhas, mandioca, folhas de batata doce, beldroegas, temperos. E ainda fomos ver o rio de águas frias e limpas. Voltamos para a casa da Regina onde um tucano que come banana amarrada ao mamoeiro carregado nem se intimidou com nossa presença e em cuja cozinha o fogão de lenha já crepitava a espera das panelas. 

Nossa colheita do dia para a oficina 


Pimentas 

Flores do coração da bananeira 
Depois de uma conversa, não precisei dar atividade pra ninguém. Elas mesmas já escoladas na arte de se ajudar (no bairro há muitas atividades coletivas) foram adiantando o que já sabiam - descascando cebolas, ralando mamão verde, separando as flores do coração de banana. Logo estava tudo pronto à mesa. Elas estavam falantes, alegres, confiantes.  Eu nem sabia o que faria e o que encontraria para a oficina mas acabou como um momento de trocas e aprendizado dos dois lados - espero. 
Bastava dizer bijajica pra todo mundo cair na gargalhada 

Elas gostaram do meu livro - que fiz pra Coopercuc

Tanto no Cangume como no Caraças deixei também um pouco de levain (a isca do fermento natural) e já fiquei sabendo que pelo menos no Caraças já sairam duas fornadas de pão ao levain. 

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Mesa posta 
Flores de mamão - eu adorei, mas é um prato amargo 


 

Artigo da Ana Sachs

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Castanha do Maranhão. Foto: Ana Sachs

Lindo artigo da Ana Sachs no site da São Paulo Saudável.  Clique aqui.


Meu livro chegou! Mesa Farta no Semiárido

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Não sei se já sabe, mas agora tenho um livro pra chamar de meu. Não é exatamente um livro autoral porque foi encomendado e fiz de acordo com os objetivos de quem me contratou, a Coopercuc, cooperativa de Uauá-BA a quem devo muita gratidão pela oportunidade de mostrar um pouco do meu trabalho para merendeiras, nutricionistas e produtoras rurais. O projeto teve apoio do Programa Semear com financiamento de órgãos internacionais (FIDA/IICA/AECID). A maioria das receitas do livro são do blog, mas tem também aquelas que fiz especialmente para as oficinas com as merendeiras usando os produtos locais. A ideia é mostrar como os produtos cultivados atualmente no Semiárido podem ser preparados,  incentivando assim o uso deles na merenda escolar e na casa dos agricultores.  São receitas simples, saudáveis, com o mínimo de ingredientes processados que atendam não só adultos mas crianças pequenas e em idade escolar. 

Infelizmente não está à venda - foi feito para ser distribuído gratuitamente para o público alvo, escolas, instituições, mas a Coopercuc estuda a possibilidade de venda. Quem sabe se houver bastante demanda, a segunda edição para venda não aconteça mais rapidamente. Então, se tiver vontade de ter o livro, escreva para a Cooperativa manifestando seu interesse: 
Coopercuc: jussara@coopercuc.com.br

Independente disso, logo teremos link para baixar o livro em pdf no site da cooperativa: www.coopercuc.com.br/

As mulheres da oficina em Caraças, Itaoca, no Vale do Ribeira gostaram do
livro pois muitos produtos da agricultura familiar são os mesmos no Brasil
inteiro e o gosto pela cozinha, idem. 






Aquela sua waffle maker ...

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Waffle de verdade gosto de fazer na lenha. Faz um tempão que não uso minhas formas de ferro que se encaixam na bola do fogão de lenha. Mas tenho também uma forma elétrica que paguei 10 pilas num brechó e ultimamente tenho feito bom  proveito dela. Tudo ali, menos waffle. Outro dia mostrei rodelas de berinjela. As de hoje, cortei de comprido e o tempero, a gosto.

Mostro aqui outros vegetais e até o beiju de massa de mandioca que ficou delicioso - com coco fresco, um pouco de açúcar e erva-doce, como comi no Marajó.

Os quiabos e as berinjelas são meus preferidos e as pimentas também ficam lindas. Quando tiver algo úmido, pegajoso, doce, é só isolar as chapas com folhas de bananeira ou de amendoeira. E nhac!



Tortillas de banana verde

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Claro, tortillas deliciosas são aquelas feitas com milho nixtamalizado, especialmente quando você mesmo planta o grão, colhe, nixtamaliza e tritura. Eu já fiz tudo isto e o resultado já mostrei aqui anos atrás. Essencial ler os dois: aqui e ali.  Perfeição seria mesmo comê-las no México.

Mas por enquanto ficamos por aqui  e com o que temos de mais farto - bananas. Bananas verdes não servem apenas para fazer polpa de banana a que chamam biomassa.  Há uma infinidade de pratos a serem feitos com bananas verdes amassadas ou picadas e cozidas.  As tortillas foram feitas com a polpa cozida e passada no espremedor de batatas de modo a não ficar tão homogênea. Por isto, não é bom bater no processador. Neste caso a polpa ficaria mais mole, difícil de amassar pra tortillas.

Tortillas de banana verde. O que você tem a fazer é colocar as bananas verdes com casca bem fechadas (sem cortes ou machucados), bem lavadas, numa panela de pressão, cobrir com água fria, fechar e levar ao fogo. Quando a válvula começar a apitar, desligue o foto e espere acabar a pressão. Deverá estar bem macia, com a casca partida. Se não, cozinhe mais.  Descasque, passe por espremedor de batatas enquanto ainda está quente, tempere com sal a gosto e espere esfriar.  Retire bolas da massa e prense entre duas folhas de plástico até a massa ficar fina para tortillas. Use duas tábuas para fazer isto ou uma prensa para tortillas. Retire a folha de cima, segure a parte sem plástico com a palma da mão, tire o outro plástico e passe a massa para uma frigideira antiaderente já quente. Deixe dourar de um lado, vire com uma espátula e doure do outro. Simples assim.

Sirva com abacate, guacamole, peixe, carne, o que quiser.  Fica com sabor bem neutro e é boa opção para crianças com intolerâncias, para celíacos, para quem não quer comer trigo, gordura, leite, ovo. É isto. Nhac!




Feijoada do aikido em Piracaia

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Eu aqui representada pelos meus pés na cadeira 


Como todos já sabem, não vendemos o sítio e estamos aproveitando cada vez mais - e, sim, continuamos trabalhando muito também, mas estamos curtindo ver as mudanças.  Cada vez que mostrávamos para os interessados, mais interessados ficávamos nós pelo espaço. Então este processo foi bom e necessário.

Neste último fim de semana tivemos novamente encontro com o pessoal de Aikido do Marcos - o Aikido da Vila fica na Vila Madalena (tem facebook) e a comida foi feijoada. Quando todos chegaram para o Dojo do Doc, como é chamado de brincadeira o espaço que temos lá para os tatames, já havia uma mesa montada para a diretoria - também de brincadeira, pois depois desarrumamos a mesa e todos se serviram igualmente. A comida já estava pronta, fiz quase tudo de véspera, mas ainda sobrou muito trabalho na cozinha e todos ajudaram na finalização.

Aqui, algumas fotos.  Outras mais estão aí do lado direito, no instagram neiderigo.

Muitas mãos pra ajudar
3 kg de feijões, 10 quilos de carnes 
Havia mais duas panelas de feijoada! 
E ainda teve fogueira e cantoria
Beto, o pequeno estudioso de pancs (adorou conhecer as plantas comestíveis)





Festival de umbu de Uauá. Coluna do Paladar, edição de 30 de junho de 2016

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Jussara, da Coopercuc, e seus pimpolhos que adoram umbu 
Já falei um pouco da viagem deste ano para Uauá - aqui. Mas hoje saiu o texto sobre o Festival do Umbu para os leitores do Estadão, na minha coluna do caderno Paladar.  Veja lá no blog do Caderno ou no jornal impresso.

E aqui deixo o texto integral:

Umbu de fim de safra
Festival do umbu no Sertão do São Francisco

O propósito da viagem era o festival,  mas não nos limitemos. Para um turista à procura de aventuras gastronômicas envolvendo a fruta símbolo da Caatinga, o  Festival de Umbu que costuma acontecer no começo do ano em Uauá, interior da Bahia, pode não corresponder à expectativa da exploração fácil. Você não vai encontrar ali fartura de umbu e seus produtos, cozinheiros em barracas com pratos à base de umbu nem muito assunto sobre a fruta.  Pelo menos  do jeito que a gente costuma ver em festivais que homenageiam um produto.  Não se engane. É que para quem vive ali tudo parece tão óbvio, nem precisa mostrar.  Mas o umbu que dá nome ao grande encontro  está nas entrelinhas ou impregnado nas pessoas, nos animais e nas coisas. A pequena cidade, em todos os tempos, na safra ou na entressafra  do umbu, é o próprio festival.

Neste ano foi no final de abril a oitava edição e desde a primeira quem está à frente da organização é a Coopercuc – Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá, que começou com um grupo de mulheres arretadas em busca de independência financeira no final da década de 1990. Hoje,  vende geleia de umbu e maracujá-da-caatinga até para a Europa,  e no repertório de produtos locais tem até cerveja artesanal feita com a fruta por cervejeiro jovem da comunidade que foi estudar fora bancado pela cooperativa.
Para a cidade, o evento representa a oportunidade de se discutir políticas públicas, questões agrárias, merenda escolar,  território e tantas outras demandas que vão se acumulando.  Sem deixar de lado os concursos de poesia, de pintura, as apresentações de teatro  e de cantoria. 

Normalmente acontece em plena safra de umbu, mas neste ano, além de a produção ter sido fraca por causa da seca,  atendeu-se a um pedido de religiosos para que a festa fosse depois da quaresma , afinal os estandes de produtos da agricultura familiar da região, as barracas para venda de comida à noite na praça e o grande palco para shows de forró são muito animados, ficam bem juntos da igreja e não cai bem tanta alegria nesta época de recolhimento.  Então o umbu foi mesmo a raspa do aribé neste ano, só para citar o grande tacho de barro onde na temporada se cozinhavam os umbus para o doce ou o vinagre quando não havia alumínio. 

Agora, por que ir a um festival em plena terra do bode, a mais de quatrocentos quilômetros de Salvador,  a mais de cem do Vale do São Francisco, em pleno sertão de céu azul que nos distrai de tudo?  Exatamente por tudo isto. 

A distância da capital contribui para a preservação dos hábitos, das lendas, da cultura. Por ali passou o cangaceiro Lampião e seu bando, aconteceu ali a primeira batalha da Guerra de Canudos e foi na região que Glauber Rocha gravou Deus e Diabo na Terra do Sol chapando o céu de branco que era pra quem visse não se perder nele esquecendo do resto. Agora, andar pela Caatinga com gente do lugar tendo o sol quente sobre a cabeça e espinhos de toda natureza sob os pés é um presente que ninguém há de esquecer ainda que esta situação não pareça confortável.   E esta gente, pode apostar, está toda na cidade quando rola o festival.  É ali que você vai encontrar seus melhores guias, homens, mulheres ou crianças que vivem na roça,  e sabem tudo da flora, da fauna, das comidas, dos remédios e das lendas da Caatinga.  É como ter a companhia de vários Riobaldos saídos do Grande Sertão de Guimarães Rosa.  É gente que vem de vilarejos e cidades próximas. Um é de Bendengó, outro de Caititu, ou de Cocorobó, Caratacá, Creitu, Marruá, Macururê, Curundundum,  Patamuté, Quinjingue, Quembrenguenhem, ou ali de pertinho, do Sítio do Tomás, da Serra da Besta.

Dificilmente os dias amanhecem pesarosos e cinzas em Uauá.  Pelo contrário, o céu é de um azul extravagante e as núvens são tão brancas, fofas e próximas que parecem bolas de algodão grudadas nos galhos secos das catingueiras.  Geralmente são assim os dias na época do festival. E um chuvisquinho de nada de um dia para outro faz da paisagem esbranquiçada um tapete dourado com as folhas clarinhas e flores amarelas  da catingueira, também conhecida como pau-de-rato. 

Aliás,  não vai ser no café da manhã do hotel em Uauá que você vai tomar um delicioso chá de flores de catingueira, mas quem sabe na casa de alguém no Caratacá ou em Bendengó, cidade vizinha onde caiu há 110 mil anos o maior meteorito de que se tem notícias no Brasil e onde se pode tomar num bar sem alarde a bebida  servida direto da garrafa térmica em copo de plástico, sem nenhuma pompa.  Tampouco o chá de amburana, tão perfumado, usado mais como remédio pra dor de barriga, ou o chá de flores branquinhas de umbuzeiro cheirando a mel e servido por prazer aos mais íntimos às vezes para substituir o café e acompanhar o o autêntico manuê. Assim é chamado o bolo de milho duro demolhado e triturado que leva, além do grão, apenas  água e açúcar e é assado no forno de lenha. Dona Joana Maria de Souza vendia o bolo até o ano passado em Caratacá, um povoado de Uauá, mas já deixou de fazer e ninguém a substituiu.   

A gente jovem da cidade está mais ligada a assuntos urbanos e, com algumas exceções, há pouco interesse em explorar o conhecimento dos pais que, por força das circunstâncias, aprenderam a tirar o melhor proveito dos recursos naturais da caatinga – que por muito tempo foi tida como um bioma a ser combatido.  Hoje mesmo os jovens da cidade já sabem da importância de sua preservação e dali pode se tirar o que comer, o remédio para se tratar e fibras para o gobó de carregar umbu.

Se você conseguir companhia para um dia de caminhada pelas roças, vai descobrir o verdadeiro festival do umbu. Pessoas como Dona Joana, Dona Juvita e Seu Isaias, por exemplo,  te levam para o léxico fantástico do sertão onde reina o umbuzeiro, hoje tão reverenciado e bem tratado,  em parte pelo trabalho de conscientização da cooperativa.

É o umbuzeiro que mantém suas folhas verdes quando todas as árvores já se despiram. Isto, graças à grande quantidade de água que reserva em suas batatas subterrâneas que são comparadas às cacimbas para armazenar água da chuva a ser usada na estiagem.  Mas quando a seca é muito intensa, de um dia para outro o umbuzeiro despeja toda a carga de folhas no chão para evitar perder mais água. 

Os bodes se viram bem na caatinga e com suas pontas conseguem até abrir o cacto cabeça-de-frade para comer seu miolo. Porém,  a natureza se defende como pode. Os amontoados de macambira, uma bromélia espinhenta, e de cansanção, a urtiga do sertão, ajudam a proteger dos bichos as plantas pequenas que vão germinando até que ganhem força para resistir ao assédio.  Ninguém queira levar uma surra de cansanção,  diz Dona Joana.  Nem precisa ser uma surra. Um simples encosto no cansanção ou na faveleira leva à descoberta do que seria estar nu sobre o  inferno de um formigueiro raivoso.  Pior que isto só mesmo se apoiar num pé de amburana-de-cheiro e encontrar em suas forquilhas uma casa de caboclo, marimbondos destemidos que picam doído sem piedade.  Ou cair sobre os espinhos da palmatória, do xique-xique, do mandacaru, da palma de ema.  Ou ainda ficar ariado e se perder na caatinga enganado pela Caipora.  Tudo é possível, mas os bodes com seus cascos fortes, estes andam bem por aqueles terrenos pedregosos e espinhentos e você pode ir atrás deles, seguindo a veredinha que vão deixando. E,  claro, sempre de sapatos.

Dona Joana diz que bode come cansanção quando não há outra coisa, mas,  embora possa até engordar,  é bicho que não dura muito quando entra nesta dieta.  Já folha de umbu deixa o bode esperto, com o pelo bonito, lisinho, logo ganha peso, logo a fêmea  está  parindo.  Estas folhas são gostosas pra gente também, ácidas como vinagreira, podem ser comidas até cruas na salada, embora não seja muito do hábito na cidade nestes dias atuais. Tampouco é comum encontrar quem ainda coma a batata do caroá, um tipo de gravatá, ou mocó de macambira, que é o broto docinho, macio e crocante da bromélia espinhuda.  Ou o miolo do cacto xique-xique assado, ou a cabeça-de-frade assada recheada com carne de caça. Mesmo porque há muitas destas plantas já em extinção e a caça, ninguém se atreve a comer, pelo menos publicamente.

Considerada a capital do bode naquele Sertão do São Francisco, Uauá tem a melhor carne porque ela já vêm temperada, dizem os criadores.  A dieta seleta composta de frutos e folhas de umbu, macambira, quebra-facão, carqueja, favela,  é complementada ainda com velame, uma erva aromática abundante na região. Os entendidos na carne sabem quando o bicho se alimentou com esta erva que serve também para intercalar as mantas embaladas para transporte.  Vai mandar bode para o filho em São Paulo?  Coloca galhos de velame no meio, que é pra não estragar.

Além do velame, há outras ervas aromáticas na Caatinga, como o alecrim-do-campo que em Uauá tem um perfume e em Canudos já é outro. Ana Luiza Trajano, do restaurante Brasil a Gosto também esteve no festival e ficou fascinada com o perfume do alecrim de Canudos que tem folhas muito miúdas, ramagem seca e sabe à lavanda.  Quando tem oportunidade, o bode se tempera também com ela.

Acontece que quase toda a carne consumida em Uauá é de bode de sol. Ou de galinha de capoeira.   De vaca, quase não há. O bode  é abatido, limpo e aberto com o primor de um cirurgião a dissecar para que fique como um tapete pintado em branco e vermelho.  O sal é pouco, que é só pra suar. Com o tempo seco, em cerca de 24 horas a carne já está desidratada, pronta para ser vendida no galpão coberto que é a grande atração na segunda-feira,  dia de feira de rua, outro acontecimento na cidade.  Que raça é, pergunto ao vendedor de bode. Pé duro, responde. Tudo ali é pé duro. Porco pé-duro, bode pé-duro, gado pé-duro e galinha de capoeira, o que quer dizer que é tudo animal sem raça definida, rústico, mestiço.  

E aí está o segredo daquele bode criado sem ração, só com a comida e o tempero que a Caatinga lhe dá.  Pra não dizer que o bode se vira sozinho, às vezes corta-se raquete de palma ou sapeca-se mandacaru pra tirar o espinho e alimentam-se assim os bichos. Há quem cultive mandacaru só pra servir de ração aos bodes. É o caso do Seu Afonso Almeida da Silva, que tem em sua casa um banco de sementes comunitário invejável e produz, além de maracujá-da-caatinga, uma roça de mandacarus sem espinhos desenvolvidos pela Embrapa.  
Pelo menos bode a gente encontra em todos os restaurantes e é sempre muito bom.  Pode ser carne em molho ou assada, mas saiba que assada quer dizer frita em óleo até ficar sequinha.  Dá pra ir comendo em lascas, deliciosa, com farinha.  Só falta mesmo para acompanhar o vinagre de umbu, que quase ninguém mais faz. Lembrando que  vinagre de  umbu não é límpido como aquele ácido acético que gente conhece com tal, mas um fermentado de umbu, reduzido no fogo de lenha até ficar preto, ácido e doce sem ter levado açúcar. Pode ser comido puro com carne ou feijão, usado fazer refresco e até umbuzada,  o nosso iogurte do Sertão feito também com o fruto fresco maduro e cru ou inchado e cozido.
Carne de bode também pode ser a refeição dos padeiros quando acabam de assar a fornada de pãozinho depois de uma jornada exaustiva. Com o forno quente, aproveitam para assar, e aí sim é assar, pedaços de carne que comem como aperitivo ainda pela manhã. As padarias artesanais têm lindos fornos de lenha e valem uma visita. Os padeiros geralmente desconhecem fermentação natural mas usam uma quantidade mínima de fermento comprado, deixam a massa trabalhada manualmente fermentando a noite toda e assam em grandes fornos de barro de madrugada.  Padarias fazem apenas pão, um ou dois tipos, além da xeba, um pão chato feito com a mesma massa do pão salgado, só que coberto com açúcar, quase como um focaccia doce. E favor não confundir padaria com confeitaria, esta sim com vários tipos de pães, bolos, doces e outros confeitos. 

Então o festival do umbu é assim,  bem  grande, a perder de vista naquele tapete amarelo de catingueiras. Pra ficar perfeito, só falta ter produtos de umbu nas confeitarias, nos restaurantes,  nas lanchonetes e na merenda escolar.  E cerveja de umbu nos bares, que ninguém é casco duro como bode. 

E aqui, algumas fotos: 


Alecrim de Canudos e flores de catingueira - duas aromáticas do Sertão

Sabores do Sertão na cachaça

Carne de bode, lanche dos padeiros

Juan e dona Júlia fazendo umbuzada

Pietro e Joaninha do Sertão






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