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Fruta-pão. Coluna Nhac do caderno Paladar. Edição de 12 de abril de 2018

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Hoje tem coluna minha no caderno Paladar do jornal O Estadão. Está no site do caderno e também aqui: 

Já começando a amadurecer e

FRUTA-PÃO


Ela sempre vem comigo na mala, não da Malásia, um dos prováveis lugares de origem, mas das viagens em tempo de sorte por aqui mesmo, terra onde tão bem se adaptou, especialmente na costa litorânea quente e úmida que vai do litoral norte de São Paulo até o Pará.  Considero-me sortuda quando nossos momentos coincidem, ainda que ela frutifique durante quase todo o ano, com dois picos de safras. A bagagem de ida tem que ir com pelo menos três quilos de folga para caber ao menos uma fruta na volta. Sim, elas podem atingir 3 quilos ou até mais.


No último mês fui duas vezes para a Bahia e na feira de São Joaquim, em Salvador, pude escolher sem pressa já que havia para todo o gosto – verdes, maduras, mais cilíndricas, mais compridas. As boas para cozinhar são as verdes claras, de pele esticada, firmes ao toque – mas vale lembrar que são comestíveis em qualquer estágio. Já em Gandu, no Baixo Sul da Bahia, fiquei impressionada com a beleza e a abundância de frutos muito frescos dispostos sobre papelões espalhados pelo chão nos limites da feira da cidade, compondo quadros tropicais com bananas-da-terra, jacas, araticuns, cocos e inhames.


Como a banana, o mamão e a jaca, por exemplo, a fruta-pão, Artocarpus altilis,  pode ser preparada e consumida como legume quando verde ou como fruta doce e macia que se come crua. Porém, diferente das primeiras, seu estágio mais convencional é o verde e o uso mais comum é como legume cozido.  Pelo menos entre nós. É só cortar em pedaços, tirar o miolo e cozinhar em água levemente salgada até amaciar. Cerca de 15 minutos bastam.  Vapor, forno  e brasa também funcionam.


Como a consistência amilácea e sabor neutro da polpa da fruta verde depois de cozida faz lembrar aipim ou macaxeira, é um ótimo substituto para o pão, como presume o nome e também era mesmo de esperar seu emprego em nhoques, escondidinhos, sopas, purês, bolos e bolinhos, como de fato acontece. Mas na cidade de Gandu são preparados outros pratos com ele, como a paçoca e o  Lelê. Originalmente, o lelê é feito com canjiquinha de milho, leite de coco, açúcar e cravo. Cozido como um manjar, deixa-se firmar e corta-se em pedaços. Com a fruta-pão se faz igual, porém no lugar do milho entra sua polpa.  A paçoca doce também é tradição  - feita com a polpa da fruta verde cozida e machucada à qual se junta coco ralado fresco e açúcar.  Além destes, há vários pratos baianos adaptados para a fruta-pão. Vatapá, moqueca, sopa e bolinhos fritos são exemplos salgados. 




Se por aqui adaptações não faltam, imagine a imensidão de técnicas de preparo e receitas que encontramos em seus locais de origem (Indomalásia e Malásia) ou em outros países para onde a planta foi levada. A  busca da espécie pelos ingleses para levar às colônias recém conquistadas nas Antilhas, no século XVIII, como comida barata e nutritiva para alimentar escravos, foi uma epopeia que virou filme – O Grande Motim, 1962.  Na Jamaica, onde estas mudas foram plantadas e adaptadas, as frutas costumam ser sapecadas sobre brasas para cozinhar e abrandar a polpa, como se faz também no Taiti.  Além de ganhar maciez, adquire sabor defumado muito bom – foi este o destino de uma das que vieram na minha bagagem, de Gandu. Basta colocar a fruta inteira sobre brasas e ir virando até que a pele fique queimada. Depois, só precisa descascar, cortar em pedaços e servir como acompanhamento de carnes e peixes, como ingrediente de outros pratos ou simplesmente regada com manteiga.

No Brasil, a planta foi introduzida a partir do Pará e Maranhão com o apelo de ser uma boa fonte energética embalando boas doses de vitaminas e minerais. A planta é rústica e produz rápido, em cerca de 3 anos ou até antes a depender da técnica de enxerto. Sendo que um só fruto pode alimentar uma família de cinco pessoas. Ou seja, este sim é um super alimento.   


Atualmente é bem adaptada em regiões tropicais quentes e úmidas. É uma planta rústica, com pouco problema de pragas e chega a tolerar climas frios, mas não suporta geadas. Em São Paulo,  nunca vi a planta produzindo. Mas, pelo menos agora, e só descobri isto nesta semana, encontrei a fruta pra comprar em camelôs nos fundos do Mercado da Lapa.  


Vivo a me lamentar de não ter esta fruta por perto porque não basta substituí-la por mandioca ou qualquer outro ingrediente rico em carboidratos – daí o nome fruta-pão. Ela tem um sabor único e muito agradável que, em combinação com manteiga a derreter sobre seus pedaços recém-cozidos, parece transcender a um outro patamar de gostosura.  Outra razão para se querer ter a espécie por perto é que a árvore é ornamental com lindas folhas recortadas que chegam a ter o tamanho do tronco humano e são medicinais -  usadas para acalmar dores reumáticas quando colocadas aquecidas sobre o local dolorido. Com elas podemos ainda embrulhar peixes para assar, à moda das folhas de bananeira, ainda que sejam menos flexíveis.


Apesar de ser mais comum as frutas sem sementes – ou com sementes atrofiadas, conhecidas como frutas de massa, produzidas a partir de estacas, há plantas que dão frutos com muitos caroços, oriundas de germinação de sementes. Destas, não se come a polpa, que não tem. Em compensação, as sementes que carregam são como castanhas e, cozidas, são mais apreciadas que as sementes de jaca, sua parente da família das Moráceas. Elas são nutritivas, ricas em proteínas e podem virar farinha para substituir parte do trigo em bolos e pães ou usada pura em mingaus.


E falando em farinha, a polpa da fruta-pão verde também pode ser seca e transformada em pó.  Esta farinha fina pode ser usada em vários preparos sem glúten ou para substituir parte do trigo em pães.  E as próprias fatias de fruta-pão podem ser fatiadas bem finas e fritas. Fazem, assim, as vezes de tacos flexíveis e firmes o suficiente para conter vários tipos de recheios.


A fruta se conserva verde e bonita quando fresca – pode ser deixada dentro de uma bacia com água fria, para se conservar assim por mais tempo. Escurece a casca ao ser refrigerada, mas não perde a qualidade da polpa, e é um jeito de conservá-la por mais tempo se não quiser que amadureça. Se amadurecer, não se preocupe, pois a fruta ganha outras características como mais sabor, maciez e doçura. E assim pode ser consumida ao natural ou usada para fazer sobremesas com sabor que sabe a abacate  – cremes, bolos, pudins ou sorvetes.  Se, no entanto, ela for esquecida fora da geladeira e amadurecer demais, poderá fermentar e até aumentar a temperatura interna. Ainda assim poderá ser usada para receitas doces com o acréscimo de uma leve acidez. A tendência à rápida fermentação faz dela um excelente ingrediente para uma versão de poi no Havaí. O mais comum é fazer poi de inhame-japonês (taro) – trata-se de um creme feito unicamente do inhame cozido, transformado em pasta e deixado a fermentar. O poi de fruta-pão se faz da mesma forma. Como a mandioca, rica em amido, também é um ingrediente promissor para bebidas fermentadas,  como as cervejas que já são feitas no Havaí.


Para os bolinhos, fiz uma combinação de dois ingredientes que costumam frequentar os mesmos ambientes, com um chutney também bastante tropical. 





Bolinho de fruta-pão com banana-da-terra com chutney de coentro


Para os bolinhos

350 g de polpa de fruta-pão cozida (na água, no vapor ou na brasa)

150 g de banana-da-terra cozida

1 colher (chá) rasa de sal

4 colheres (sopa) de salsinha picada

4 colheres (sopa) de cebola roxa picada

1 pimenta dedo-de-moça sem sementes picada

1 pitada de grãos de cominho tostado

Óleo de girassol para dourar


Para o chutney de coentro

1 e ½ xícara de coentro

1/3 de xícara de óleo de girassol

2 dentes de alho

1 pimenta dedo-de-moça sem sementes picada

1/3 de xícara de amendoim torrado, sem pele

½ colher (chá) de sal ou a gosto

1 colher (sopa) de suco de limão


Faça os bolinhos: coloque no processador a fruta-pão e a banana e processe até ficar uma massa homogênea. Se preferir, passe por espremedor de batatas. Acrescente o sal, a salsinha, a cebola e a pimenta e misture bem. Faça 20 bolinhas e achate-as. Doure-as em um fio de óleo em frigideira antiaderente, fogo médio, 3 ou 4 de cada vez. Apenas deixe dourar dos dois lados, lembrando que a massa já está cozida.

Para fazer o chutney: bata tudo no processador e sirva com os bolinhos.


Rende: 20 bolinhos



No próximo post, pão de fruta-pão


Pão de fruta-pão

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Continuação do post anterior

PÃO DE FRUTA-PÃO 


200 g de levain reformado e borbulhante*

200 g de fruta-pão cozida 

200 ml de água – corrija na hora de fazer de acordo com a umidade do legume e a marca da farinha usada 

½ colher (sopa) ou 10 g de sal

500 g de farinha branca (prefira Paullinia ou Biorgânica - procure no Instituto Feira Livre ou Instituto Chão)**


**variação – 300 g de farinha branca + 200 g de farinha integral ou de centeio. Corrigir a água. Se quiser, acrescente nozes etc



Bata no liquidificador o levain e a fruta-pão com a água. Passe para uma tigela e junte a farinha de trigo de uma só vez. Vá acrescentando mais água se for preciso para fazer uma massa homogênea e um pouco pegajosa como massa de pão de queijo.

Passe para uma tigela de vidro ou plástico limpa e untada com azeite, feche bem e espere 30 minutos.

Faça dobras na massa, espichando e dobrando para cima como se fosse um embrulho.  Espere meia hora.  Neste momento, se quiser, pode sovar por 10 min, na batedeira com gancho.

Repita as dobras. Cubra e espere 30 minutos. 

Repita as dobras. Cubra e espere 30 minutos. 

Modele e coloque numa cestinha com pano enfarinhado. Cubra com plástico e espere crescer por cerca de 2 horas ou até que ao enfiar o dedo a massa retorne rapidamente à posição inicial.

Preaqueça o forno a 250 ºC (e, dentro dele, uma panela de ferro / barro e sua tampa, se for usar)

Coloque a massa na panela (só enfarinhada), tampe e deixe assar por 20 minutos.

Destampe, abaixe a temperatura para 230 ºC e deixe assar mais 20 ou 30 minutos.


A depender da temperatura ambiente - em dias mais quentes, pode fazer mais dobras e com intervalo menor – no mínimo de 10 minutos. 

Para responder às suas dúvidas sobre o levain e a técnica de assar com vapor, com ou sem panela, veja a postagem sobre o levain do zero ao pão rústico:

Para ver a postagem sobre o pão de forma - para quem não tenha um forno que aqueça a 250 ºChttps://come-se.blogspot.com.br/2017/05/pao-de-forma-integral-com-fermentacao.html


E aqui, outros pães de forma com legumes:


 Para reformar o levain - de 6 a 24 horas antes de fazer o pão 


50 g de isca que estava na geladeira
100 ml de água

150 g de farinha de trigo branca, de preferência orgânica  

Usar 200 g e guardar o restante na geladeira de isca 

Tire a isca da geladeira, dilua com a água em temperatura ambiente, acrescente a farinha, misture bem pra ficar uma massa pastosa. Se precisar, junte mais água ou mais farinha. Feche com plástico e espere fermentar em temperatura ambiente até ficar borbulhante.  Use a quantidade que precisa e guarde o restante em pote fechado na geladeira (deixe sempre pelo menos 50 g).  
Caso precise de mais levain (para um pão maior), basta aumentar farinha e água da reforma e esperar fermentar. Espere ficar bem aerado (em tempo de calor, deve demorar umas 6 horas)  e use em até 24 horas (com o passar do tempo aumentam as chances de estragar fora da geladeira).   
Mesmo que o fermento cresça e abaixe, em até 24 horas depois de reformado, ainda estará bom para usar, sem precisar reformar. Guarde a  isca sempre na geladeira, em vidro fechado com plástico e elástico  ou com tampa de rosca mas sem rosquear  totalmente.

Bucha verde é Panc

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Ultimamente não temos produzido muita coisa no sítio, mas pelo alimentados e limpos estaremos por um bom tempo, pois nosso pé de bucha, depois que encontrou um alambrado pra subir, desembestou a frutificar e assim vamos comendo enquanto elas não ficam fibrosas a ponto de virar buchas de banho.

Já falei delas como alimento aqui neste post de 2010, antes que fosse agrupada no rol das Panc - Plantas Alimentícias Não Convencionais.

Bem, elas são suaves como abobrinhas e hoje resolvi empaná-las e fritá-las como tal. Aproveitei para usar um pouco do cogumelo yanomami Sonöma em pó - estão à venda no Box Amazônia, no Mercado de Pinheiros, em São Paulo/SP - Rua Pedro Cristi, 89, Pinheiros. Tel.: 11 3032.0875.  Ninguém diz que não é abobrinha frita.

Neste fim de semana, no sítio, fiz as fatias refogadas com molho de soja e cebolinha e também ficaram bem gostosas.

Bem novinhas, refogadas com um pouco de shoyu e cebolinha, no final. 
Aqui vai a receita:



Fatias de bucha-verde empanadas em farinha de grão de bico com cogumelos Yanomami

3 buchas verdes e tenras
1/4 de xícara de farinha de grão de bico
2 colheres (sopa) de cogumelos Yanomami em pó
Água o quanto baste
Óleo para fritar
1 colher (chá) de sal
1 pitada de pimenta jiquitaia (pimenta seca em pó)

Lave as buchas, seque bem e corte-as em fatias finas. À parte, misture a farinha, o cogumelo e água gelada aos poucos até formar uma massa fina como a de panqueca. Aqueça óleo numa panela e faça fritura de imersão. Vá passando as fatias na massa e colocando no óleo quente. Retire assim que dourar e deixe escorrer numa cesta de arame. Na hora de servir polvilhe sal e pimenta jiquitaia. Se quiser, acrescente um pouco de cogumelo em pó.

Rende: 4 porções

Lá no sítio, em Piracaia 

Pancnacity na Aldeia Guarani

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Cúrcuma numa horta ainda vazia 

Tão perto de nós há sempre uma aldeia. Mas sempre insistimos em fantasiar uma ideia. A realidade bem crua de uma aldeia Guarani confinada em apenas 3 hectares aos pés do Pico do Jaraguá mora bem perto dos bairros nobres da Zona Oeste de São Paulo. E foi com alegria que aceitei do convite da nutricionista Rose,  da Unidade Básica de Saúde, para fazer uma atividade com as mães no sentido de incentivá-las a usar mais os alimentos que crescem por ali, sejam espontâneos ou plantados. Taioba, mamão verde, ora-pro-nobis, língua-de-vaca, chuchu, broto de chuchu, caruru etc. 

Há mães muito jovens com 15, 16 anos, que esperam conseguir criar as crianças de forma mais saudável, ainda que tenham se distanciado da alimentação tradicional Guarani, à base de milho, batata-doce, mandioca, peixes e carnes de caça, por exemplo. Não há terra suficiente para consigam prescindir dos alimentos industrializados que na cultura deles são "alimentos mortos", em contraposição aos alimentos vivos que são os que vêm direto da terra ou da água. 

Foi uma atividade curta, simples, mas acompanhada com interesse pelas mães presentes. Não ensinei nada, apenas mostrei e esperei que me contassem se usavam, se não usavam, como usavam. Fiquei sabendo, por exemplo, que a folha de cúrcuma é usada no lugar das folhas de caetés para fazer Mbyta - bolo de milho com folha por baixo e folha por cima, assado na brasa. Para a massa, apenas milho ralado. Já tinha comido em folha de caeté, mas na de cúrcuma também fica muito bom e perfumado - fiz assim que cheguei em casa, mas assei na torradeira. 

Um pequeno espaço para horta 

Algumas espécies colhidas 

Caruru ou bredo

Língua de vaca 

Pico do Jaraguá ao fundo 

Vendedor de pão francês 

Mamão 
Rose, onde fizemos a atividade - ao lado do posto da UBS

No final, elas quiseram levara algumas espécies para experimentar 


Pão de taioba com cúrcuma

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Só para constar, já que por aqui há outro pão de taioba. Este, fiz igualzinho ao pão de fruta-pão, só que em vez de colocar fruta-pão coloquei taioba cozida e espremida. Cerca de 200 g. A água, fui corrigindo até ficar uma massa maleável, macia. 

Aqui, então, os ingredientes. O modo de preparo, você vê lá no link acima mencionado. 

Pão de taioba com cúrcuma 

200 g de levain reformado (para quem não tem, agora pode ir buscar o seu no Instituto Feira Livre, no Centro - é só levar um potinho para pegar uma porção) 
200 g de taioba cozida e espremida 
10 g de sal 
1 pitada de cúrcuma 
Água o quanto baste - certamente mais que 200 ml - comece com esta quantidade e vá aumentando até chegar ao ponto (massa macia, grudenta como a de pão de queijo) 
500 g de farinha de trigo (eu uso orgânica da Paullinia ou Biorgânica - que tem também no Instituto Feira Livre) 


Antes de colocar para assar na panela super quente, fiz
um cortes com lâmina para formar desenhos 
E nhac!



Assa-peixe no leite de coco ou lambari-do-mato Panc

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Por acaso nasceu espontaneamente um pé de assa-peixe (Vernonia polyanthes provavelmente ou outra do gênero) em frente à saída dos fundos da minha casa. Por coincidência, peguei uma gripe que me atacou a garganta, com muita tosse. Ou seja, por obra do destino, o remédio bateu à minha porta.



Minhas gripes nunca me derrubam, nunca me dão febre. Geralmente é só tosse que pode durar mais de um mês.  Passei uma noite sem dormir de tanto tossir e pela manhã resolvi fazer um chá com as folhas, já sabendo que são ótimas para resfriados, gripes, problemas pulmonares e tosses em geral.  Fiz o chá com folhas de manjericão-cravo pra ficar gostoso e ficou. Tomei uns 2 litros durante o dia e foi como tirar com as mãos, como dizem. Na segunda-noite não tossi quase nada. E na terceira, depois de continuar tomando mais chá (no segundo dia já acrescentei outras ervas por minha conta e risco: perpétua do mato, folha de canela, guaco e manjericão-cravo), dormi como anjo. O fato é que foi a primeira vez que vi uma tosse minha ser trucidada em poucos dias.

Fiquei tão encantada com as folhas que resolvi comê-las também. Não é invenção minha, claro. Só resolvi porque já vi muitas referências. Em Minas as folhas novinhas, passadas no ovo como fubá e fritas são chamadas de "lambari-do-mato". Não confundir com a folha folhinha chamada de peixinho e preparada do mesmo modo. Elas não têm sabor de peixe, mas o aspecto do preparo é sugestivo. As folhas fritas lembram mesmo peixinhos fritos.


Resolvi, no entanto, preparar de outra forma. Como no sítio temos vários pés de assa-peixe, não foi difícil reunir um maço de folhas bem jovens. . Refoguei com cebola antes de acrescentar o arroz para cozinhar. Um arroz bem molinho, com tomate picado e azeite no final, ficou com cara de arroz malandrinho, com as folhas bem macias e sabor suave.

Hoje encontrei um pé com folhas tenras na praça - como os jardineiros estão sempre passando, a planta é sempre podada e, portanto, sempre tem folhas novas. Colhi um tanto e preparei com leite de coco, sem receita sem nada. Achei que ficaria bom e ficou.

Assa-peixe no leite de coco 

Refogue alho, cebola e pimenta em azeite. Acrescente folhas jovens sem os galhos de assa-peixe e tomate picado. Misture bem, junte um pouco de batata picada, sal a gosto e uma pitada de cúrcuma. Acrescente água quente suficiente para cobrir. Abaixe o fogo e deixe cozinhar por uns 20 minutos, acrescentando mais água se necessário, até folhas e batatas estarem macias. Junte um pouco de leite de coco no final. Espere ferver, prove, corrija o tempero se necessário e, antes de servir, espalhe umas gotas de suco de limão. Sirva com arroz e nhac!


Bucha verde. Coluna Nhac do Paladar. Edição de 03 de maio de 2018

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Com uns dias de atraso, está aqui a coluna sobre a bucha verde publicada no último Paladar. 


UMA BOA BUCHADA




Não tem muito tempo, cerca de 8 anos, e minha reação foi a mesma que a sua. Comer bucha?  E não se trata de se limpar por dentro, não.  Meu primeiro contato com este modo de se apresentar foi numa mercearia chinesa no Bairro da Liberdade.  Se estamos abertos a novidades, aquelas bancas de vegetais são um prato cheio para experimentarmos o inimaginável. Quando bati os olhos no vegetal com cara de pepino mais afilado, logo reconheci o fruto que sempre vi crescer em cercas de sítios, mas sempre com destino certo:  esperava-se amadurecer até ficar bem fibroso e com casca seca pra ser usado, depois de preparo específico, como esponja de banho ou para lavar louça.  Como bucha tem a vantagem de ser biodegradável e fácil de cuidar – diferente das sintéticas.  E, apesar de estudos que mostram que elas podem reter bactérias nocivas, podem ser fervidas,  lavadas na máquina com as roupas e secas ao sol ou na secadora para manter a segurança.  Quando ficam velhas, basta picar e colocar no minhocário ou colocar inteira no fundo dos vasos.


Agora vamos falar do que nos interessa aqui. É fato que desconhecemos as faces da maioria dos vegetais que consumimos.  Ninguém vê por aí pepino maduro, mas ele é delicioso em sopas e cozidos.  Das flores amarelas do brócolis o mercado não quer saber,  embora possam decorar pratos lindamente junto com outras flores comestíveis. Quem acha pra comprar frutas verdes que podem ser consumidas como legume: manga, banana, jaca, mamão?  Às vezes é necessário nos debruçarmos sobre outras culturas para sabermos que o que temos por perto e em abundância também é comida e das boas e assim acabarmos com o desperdício de alimento, assunto tão debatido atualmente.


A bucha pode ser uma espécie emblemática no combate à fome, pois da planta tudo se aproveita sem perdas.  E na fase da vida em que outros vegetais apodreceriam no pé, ela simplesmente se transforma em outro produto.  Isto é o que chamo de envelhecer com dignidade invejável.  


Tão adaptada em nossa terra, é asiática e pelo jeito chegou sem manual de instruções ou saberíamos desde sempre sobre a comestibilidade da planta inteira.  Trepadeira como várias outras da mesma família das Cucurbitáceas – abóboras e chuchus, por exemplo - como estas, tem flores comestíveis que podem ser empanadas e fritas ou servidas cruas em saladas. Brotos jovens e gavinhas são tenros e substituem a cambuquira. Frutos bem jovens podem ser preparados crus em saladas ou conservas fermentadas e frutos verdes, ainda não fibrosos, podem ser preparados como qualquer abobrinha: recheada, em cozidos, sopas, ensopados , recheios, empanada e frita, só para citar alguns usos.  Pra completar, as sementes torradas com sal são deliciosas como petisco.


Na China,  Filipinas e em vários países asiáticos, é legume como qualquer outro e o preparo pode levar pasta de soja, carne de porco, camarão, cebolinha, a depender dos recursos e hábitos locais.


Há duas espécies principais com pouca diferença de sabor. A bucha lisa ou bucha-dos-paulistas, Luffa aegyptiaca, é a que tenho plantada. Para minha alegria, ela teve um desenvolvimento ultra-rápido e não para de produzir. Da planta,  que se agarrou ao alambrado e ganhou copa das árvores, pendem frutos em todos os estágios, a cerca colorida aqui e ali por lindas flores amarelas.  A Luffa acutangula ou bucha-de-costela tem os mesmos hábitos e usos, porém tem desenho angulado e mais afinado.  Quando machucadas, as duas podem amargar um pouco - contém um princípio amargo de nome luffeína -  como acontece também com as abobrinhas, mas de um modo geral elas têm sabor bem suave – algo entre a abobrinha e o chuchu – e até um pouco adocicado.


Só não podemos confundir com a buchinha-do-norte. Do mesmo gênero, a Luffa Operculata, tem frutos pequenos, do tamanho de maxixes e pele espinhosa. Na medicina popular é usada perigosamente na forma de chá como abortiva. Outro uso arriscado é contra rinites e sinusites, na forma de inalação. É que ela tem princípios tóxicos que podem levar à hemorragia e lesão das mucosas nasais. Ou seja, se ficar em dúvida na identificação, melhor não arriscar. Ou compre em mercearias chinesas na sessão de legumes.


Para quem quer pesquisar inúmeras formas de preparo mundo afora com este legume, saber os nomes em inglês ajuda bastante. Pode ser conhecida como bath sponge, angled luffa, ridge gourd, ridged luffa, chinese okra, sponge gourd ou towel gourd.  Como é parente das abobrinhas,  que na cozinha brasileira não tem mistérios, podemos simplesmente refogar os pedaços em alho e cebola, adicionar um pouco de água e sal e cozinhar por poucos minutos até amaciar. Na hora de servir, pimenta-do-reino e cheiro-verde.  A pele, como a de abobrinha, pode ser tirada com descascador de legume ou não, a depender da consistência  ou  de sua preferência. Eu tiro quando acho que está um pouco mais firme. E deixo quando está tenra como a de abobrinha.




BUCHA RECHEADA

3 buchas verdes do tamanho de abobrinhas italianas

3 colheres (sopa) de cebola picada finamente
1 colheres (sopa) de azeite
3 colheres (sopa) de tomate sem sementes, sem pele, picado finamente
Meia pimenta dedo-de-moça sem sementes picada bem fininha
3 colheres (sopa) de salsinha finamente picada
6 colheres (sopa) de queijo meia cura picado

Azeite para regar

Corte a bucha em pedaços de 3 centímetros e, com uma colher de café, escave o miolo, sem completar o buraco. Reserve a polpa retirada. Refogue a cebola no azeite até que fique dourada.  Junte o tomate e a pimenta e espere murchar. Adicione e polpa da bucha picada finamente e mexa bem. Prove o sal e corrija, se necessário. Desligue o fogo, junte a salsa e o queijo. Recheie cada pedaço com esta mistura, coloque numa travessa, regue com azeite, cubra com papel alumínio e leve ao forno médio por meia hora. Tire o papel e deixe dourar. Sirva como entrada.



Rende: 6 porções 

Pancnacity Lab Mani de 11 de maio de 2018

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A colheita: o que havia por aqui e pelas ruas 
Só para deixar registrado o último encontro do PancNaCity para a turma do LabMani - programa de formação em cozinha do Restaurante Mani. Algumas fotos do dia:

Espontaneamente,  limparam a praça da sujeira que estava espalhada 

Não é toda hora que a gente vê um pé de babaçu carregado na cidade.

A hora do descanso no bosque. 

Turnera ulmifolia ou flor do guarujá ou chanana. Flores adocicadas e de sabor
suave. 

Degustando amendoim de árvore 

No meio do caminho havia um pé de manjericão-cravo ou alfavacão 

Com direito a colher mexerica na vizinha Rose 

Hora de chegar, de se conhecer 

A comida

A turma 

A turma em outro cenário 



Moringa. Coluna do caderno Paladar, edição de 07 de junho de 2018

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A coluna Nhac de hoje está no Estadão impresso, no site do Paladar e também aqui:



Era um dia de sol no meu bairro e enquanto caminhava pelas ruas vi uma mulher colhendo folhas, flores e vagens de uma árvore. Não resisti e fui perguntar o que era, já intuindo a comestibilidade.  No começo ela hesitou, disse apenas que era drumstick, uma árvore indiana. Insisti querendo mais detalhes sobre a utilidade e quando percebi que não conseguiria tirar muita informação, lancei mão do meu trunfo diante de uma indiana arredia: falei que tinha uma árvore de karipata. Dito e feito! Ela arregalou os olhos e quis saber com quem estava falando. Conversa vai, conversa flui, descobrimos que minha árvore de folhas de curry, a karipata, presente da colunista do Jornal Folha de São Paulo, Nina Horta, havia saído da casa de sua mãe, Mrs. Pillay, neste mesmo bairro. A planta foi pra Pinheiros e voltou pra Lapa. Mas voltando à árvore em questão, diante da surpresa e já segura de que eu não oferecia ameaça à árvore plantada em espaço público, Shakuntala Naidu, que dá aulas de culinária e vende temperos indianos prontos, me convidou para ir à sua casa mais tarde para me  mostrar como se cozinhava com moringa ou drumstick, como ela prefere.  Na cozinha, só ela e eu, caderneta à mão, aprendi a preparar as folhas, flores e vagens.  Isto já tem muitos anos e desde então frequento esporádica e discretamente aquela praça enquanto a árvore que plantei ainda não produza o suficiente para a demanda minha e da vizinhança. E de vez em quando nos encontramos diante desta árvore.


Se por aqui a Moringa oleifera ainda é tão rara de se ver, em vários locais da região nordeste, especialmente no Semiárido, as árvores proliferam  lindas, viçosas, floridas, cheias de vagens que ainda despertam pouco interesse. A planta foi introduzida no Brasil não como a árvore do milagre dos indianos mas principalmente por causa das sementes usadas no  tratamento de água – elas ajudam a purificar a água floculando as sujidades.  Ela se dá bem em clima seco e quente e por isto é tão adaptada no nosso Semiárido.


Inversamente proporcional ao desconhecimento da árvore e seu uso como alimento fresco no Brasil é a fama que a planta vem ganhando como mais um super alimento. Na Índia e na África é comum encontrar a planta nos jardins das casas por ser um depósito fácil de nutrientes sempre disponíveis mesmo quando outras verduras secaram.   Além de ter todas as partes comestíveis, na é usada na medicina popular como estimulante cardíaco e circulatório, antiinflamatório, bactericida e antifúngico, só para citar algumas das propriedades.


Por ter folhas ricas em nutrientes e propriedades terapêuticas, é comum encontrá-la seca em pó e até em cápsula, como suplemento com comparações exageradas em relação à porcentagem de cálcio, proteínas e outros nutrientes nas folhas secas. Mas é bom prestar atenção às panaceias, pois muitas vezes os dados de rótulo referem-se ao produto em pó em comparação depreciativa com outras fontes frescas de proteínas, cálcio e vitaminas. Lembrando que não é fácil ingerir 100 g de pó ao dia e que muitas vezes a própria embalagem não traz mais que 30 gramas e podem custar os olhos da cara. Então é só não se deixar enganar por propagandas com dados superestimados ou manipulados, mas não deixe de incluir as folhas frescas na alimentação como mais uma variedade de verdura muito nutritiva, com ótimo conteúdo de proteína, fibras e ferro e como fonte de vitamina A que se soma a outros vegetais numa dieta biodiversa.  Sem esquecer que comemos comida e não nutrientes e que estas folhas são deliciosas. Assim como as flores, vagens e sementes.


As folhas podem ser secas em casa facilmente e, claro, podem ser sim um suplemento a ser adicionado no prato de crianças inapetentes ou que precisem repor nutrientes de uma forma segura. Basta lavar as folhas e deixá-las sobre uma peneira forrada com pano limpo sob o sol. Cubra com tule e deixe as folhas secarem - elas saem facilmente dos galhos quando estão desidratadas e é só triturar e guardar na geladeira. O pó pode ser usado em pequena quantidade em combinação com outros legumes, no arroz, no feijão ou no preparo de massas à base de cereais.


Tenho uma planta por perto ou conseguindo comprar em feiras de produtores (em São Paulo, Quitandoca, Instituto Chão, Institudo Feira Livre, Feira de orgânicos do Parque Água Branca), as folhas frescas podem ser refogadas como couve ou aferventadas e usadas para fortificar e colorir todo tipo de massa. Cruas, elas têm leve perfume de óleo de coco, de amêndoas torradas, manteiga derretida e cozidas, lembram couve.


Quando quiser usar as folhas frescas, deixe de um dia para outro, em temperatura ambiente, os galhos numa bacia ou dentro de um saco de papel para que murchem um pouco. Elas sairão facilmente dos galhos grossos e mais finos, bastando depois aferventar em água levemente salgada. A fervura é útil especialmente se estiverem pinicando um pouco. É que algumas variedades podem ter cristais de oxalato de cálcio e incomodar a garganta como as taiobas e por isto é bom que se consuma sempre cozida a menos que tenha provado as folhas frescas para conferir se são mansas - e se não for, dá pra sentir a pungência na boca sem causar problemas maiores que um leve pinicamento passageiro.


Óleos aromáticos são encontrados nas sementes que, secas, podem ser consumidas como pipocas e são ricas em ácidos graxos tipo oleico, como no azeite de oliva, por isto elas são usadas ainda como fonte de gordura alimentícia, farmacêutica e cosmética. As vagens jovens são densas e compridas como baquetas, daí o nome da planta em inglês, drumstick. E podem ser preparadas como legumes em curries vegetais, sopas, cozidos e preparos variados. As flores são abundantes e também podem ser usadas cruas ou cozidas em pratos salgados como fritadas, recheios e saladas, por exemplo. 


Uma receita da Shakuntala é fácil de fazer: faça um refogado de alho, cebola e pimenta seca, junte flores lavadas de moringa e vá mexendo em fogo baixo para murchar. Acrescente sal e gotas de água quente só para deixar a mistura úmida e em cinco minutos terá um prato delicioso para servir com arroz. 


Se pensarmos na moringa não como panaceia de super alimento, mas como uma planta perene que nos dá não só verdura, legume, grãos e flores, mas também nosso medicamento, lenha para o fogo, substância para a purificação de água e ainda óleo combustível, afinal há vários estudos mostrando a viabilidade da produção de biodiesel a partir das sementes, não podemos negar que estamos diante de uma espécie milagrosa, como é vista pelos indianos, por nos dar um mínimo de autonomia. E comer é um bom jeito de controlar a superpopulação das plantas exóticas para não competir com as nativas.  Então, uma árvore desta por quintal ou praça pode ser um pequeno passo para nossa soberania em tempos de tanta dependência e fragilidade.  


Folhas de moringa com coco

4 xícaras de folhas de moringa

2 colheres (sopa) de óleo de girassol

2 pimentas secas quebradas

1 cebola roxa picada

Meio coco fresco ralado grosso

1 pitada de sal

1 pitada de cúrcuma (açafrão-da-terra) em pó 


Coloque as folhas de moringa em água fervente levemente salgada e deixe cozinhar por cerca de 5 minutos ou até que fiquem macias. Escorra e reserve.

Numa frigideira coloque o óleo e frite rapidamente as pimentas. Junte a cebola e refogue até começar a dourar. Junte as folhas de moringa, o coco e uma pitada de sal e cúrcuma. Refogue até que o excesso de líquido evapore. Prove o sal e corrija, se necessário. Sirva com arroz branco.


Rende: 4 porções




Sapucaia da Amazônia. Coluna do Paladar, edição de 12 de junho de 2018

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Dias atrás participei do Festival Cozinha Tapajós, em Santarém, no Pará,  a convite do organizador, Chefe Saulo Jennings, e não podia contar com melhor companhia: Bela Gil, Bel Coelho, Gustavo Blanco, Helena Rizzo, Mara Salles, Pedro Schiaffino e Roberto Smeraldi, todos empenhados em mostrar suas técnicas e talentos usando ingredientes regionais. Durante os dias fizemos expedições para conhecer projetos, mercados, produções, cultivos, coletas, pesca e pessoas envolvidas nas cadeias produtivas.  O resultado desta imersão, assim como o trabalho de chefes locais, foi mostrado depois em apresentação na praça pública de Alter do Chão. Na receita que fiz, a que chamei de “pamonha tapajônica, usei a castanha de sapucaia, de riqueza comparável à castanha-amazônica que conhecemos como castanha-do-pará ou à macadâmia, sendo, no entanto, mais leitosa, adocicada e crocante.


No Mercado Municipal de Santarém a vendedora, com uma faca numa mão e a sapucaia em outra, tirava a casca dura da castanha com destreza e rapidez, como quem descasca cana. Qualquer pessoa sem experiência no lugar dela já tinha cortado fora os cinco dedos. E foram estas, super frescas, que usei na praça, incluindo ainda outros ingredientes da feira como pedaços do coquinho pupunha cozido e castanhas de caju, ambos fartos na região, imersos numa massa feita com partes iguais de banana-da-terra, coco ralado fresco e macaxeira ralada e espremida, antes de ser torrada na casa de farinha do Seu Benedito Castro, o Seu Bené, que visitamos também na Comunidade São Francisco do Carapanari.   


E a receita que eu faria foi sendo construída na medida em que o barco avançava. A banana-da-terra, encontrei aos montes no Mercado, assim como o coco fresco retirado na hora pela vendedora, descascado do mesmo modo que a vendedora da castanha fez com as castanhas -  no facão. Em menos de um minuto ela descascou dois cocos. A ideia de usar as castanhas na receita foi reforçada quando encostamos o barco na porta da casa de Dona Rosângela de Siqueira, no Furo do Jari, que liga os rios Tapajós e Amazonas.  A casa bem arrumada e toda em palafita tinha a escada ladeada por duas trepadeiras Panc, plantas alimentícias não convencionas. De um lado, um pé de feijão borboleta com flores azuis e do outro uma flor-de-cardeal, com flores vermelhas, ambas inteiramente comestíveis. Só esqueci de perguntar se comiam ou era mesmo só pra enfeitar.  Ouriços de sapucaia serviam de vasos pendurados nas colunas da área para conter plantas ornamentais e outro estava apoiado numa mesa de centro contendo os brotos de folhas cor de rosa da sapucaieira e suas flores perfumadas em tons de branco e lilás. 


Na mesa maior, sapucaias eram descascadas na faca; no chão, descansavam os ouriços vazios e suas tampas e ao fundo, com o pé mergulhado nas águas, uma grande sapucaieira suportava lá no alto os frutos lenhosos do tamanho de cabeça de gente. O grande problema é que nesta época do ano,  segundo dona Rosângela, os frutos amadurecem, soltam a tampa e as castanhas despencam da cumbuca que pode ficar dependurada na árvore ainda por vários meses. As castanhas têm que ser recolhidas quando estão boiando na água.   O pior é que às vezes só encontram mesmo a cabaça vazia pois macacos, jacarés e outros bichos estão na disputa. Ela diz que antigamente conseguiam coletar mais, porém agora os macacos quase não deixam sobrar, talvez pelo aumento das injúrias sofridas pela floresta nos últimos anos e a diminuição das opções de alimento.  Por isto, mesmo no mercado local, a sapucaia amazônica é uma iguaria não muito fácil de encontrar.  Sorte que, apesar de ser originária da  mata quente e úmida amazônica e especialmente das várzeas, onde é mais facilmente encontrada, árvores frondosas e produtivas podem ser encontradas do Norte até na região Sudeste.


A primeira vez que comi a castanha foi de uma sapucaieira gigantesca no Instituto Agrícola de Campinas, há quase 30 anos. Meu primeiro pilão foi feito com uma dessas cumbucas que colhi sob a copa da árvore. Na Esalq, a escola de agronomia da USP, em Piracicaba, também há várias delas. E em Minas há até uma cidade com o nome de Sapucaia de Guanhães com muitos exemplares.


De nome Lecythis pisonis, a planta é da mesma família da castanha-amazônica e os frutos têm o mesmo design, com as sementes protegidas por um fruto duro como madeira,  porém, diferente daquela cujos ouriços têm que ser quebrados ou serrados, a sapucaia se abre naturalmente quando amadurece. Elas podem ser colhidas antes, mas as árvores são muito altas e ainda corre-se o risco de colher antes do tempo e as sementes mofarem dentro do fruto. 


A amêndoa é crocante, oleosa, leitosa e macia como a castanha-amazônica, porém, tem sabor mais delicado, adocicado, com algo de coco.  E pode ser comida crua ou assada e usada em substituição a qualquer tipo de castanha oleosa e crocante, em bolos, biscoitos e pratos salgados. Seu leite, preparado como o leite de coco,  é tão bom quanto o da outra castanha e pode ser usado em moquecas ou para cozinhar peixes. 


Finalmente, só por curiosidade, saiba que estas castanhas são um ótimo alimento com riqueza de boas gorduras e proteínas -  em média 62% e 22% respectivamente, e que para fazer minha receita juntei todo o repertório que tinha sobre bolinhos asiáticos feitos com arroz e coco embrulhados em folhas de bananeira e cozidos no vapor e ainda o pé de moleque amazônico, a pamonha de carimã, as poquecas de peixe e os yomenicos peruanos. E que para não chamar de rolinhos, chamemos de pamonha tapajônica, numa justa homenagem àquele lindo pedaço no Brasil profundo.








Pamonha tapajônica


200 g de mandioca mansa (aipim, macaxeira) ralada e espremida  

200 g de coco fresco ralado
200 g de banana-da-terra madura,firme e ralada grosso
½ xícara de castanha de sapucaia

½ xícara de castanha de caju

Opcional: ½ xícara de coquinho pupunha cozido e cortado em pedaços


Coloque numa tigela os três primeiros ingredientes e misture bem. Junte as castanhas e a pupunha, se for usar, e incorpore à massa. Faça montinhos de cerca de 120 g  sobre folhas de bananeira (limpas, cortadas em quadrados de 20 centímetros e amolecidas na chama do fogo). Feche os pacotinhos como embalagem de bala, amarrando com barbante as pontas. Cozinhe no vapor, no alto da cuscuzeira, por exemplo, por cerca de 25 minutos ou até que a massa fique firme e translúcida.  Sirva quente ou fria, fatiada, com chá ou café.


Rende: cerca de 6 pamonhas

Obs: a mandioca ralada e espremida pode ser comprada já pronta em barracas de feira como massa de mandioca para bolo.

Se quiser, adeque o tamanho dos rolinhos para servir de merenda para crianças.


Se quiser fazer salgado, use a massa base e junte uma pitada de cúrcuma, de sal e de grãos tostados de cominho. Como recheio, lascas de peixe, pedaços de frango, camarão etc.  

Pimenta-rosa. Coluna do Paladar. Edição de 02 de agosto de 2018

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A coluna de hoje está no site do Paladar, no jornal impresso e também aqui: 

Pimenta rosa para além da estética 

Quem anda observando as árvores de São Paulo deve ter notado que nesta época do ano as aroeiras pimenteiras plantadas nas ruas e praças como plantas ornamentais estão carregadas de frutinhos vermelhos do tamanho de grãos de pimenta-do-reino.  Tão caras no mercado, tão fartas nas rua. E, apesar do nome,  estes pequenos frutos da aroeira-pimenteira não têm nada de picante. Guardam como semelhança com a pimenta-do-reino apenas o formato e o tamanho.


A pequena baga é do tamanho do fruto de pimenta-do-reino, de cor que pode variar do rosa pink ao vermelho bem vivo. Ela se parece com uma bolinha vermelha oca. Quando apertada, nota-se que a parte vermelha é uma película fina e  quebradiça, que envolve uma semente ligeiramente adocicada e resinosa.


Até a semana passada eu vivia repetindo que esta era uma especiaria que não me apetecia muito, talvez pelo forte perfume de terebintina – as folhas rescendem ainda mais à substância e daí o nome da espécie, Schinus terebinthifolia. Acontece que me deparei com aroeiras exuberantes em seus cachos vermelhos na entrada de Piracaia e no nosso próprio sítio naquela cidade, onde há várias árvores crescendo espontaneamente na beira das estradas de terra, e então resolvi dar uma nova chance às mimosidades.  De repente o sabor resinoso me fez lembrar do mastique, pepitas de seiva endurecida da árvore Pistacia lenticus, muito usado como especiaria em doces árabes, e assim a característica que antes me incomodava começou a ganhar novo significado e despertar outros interesses para possíveis combinações.  


O incrível é que com com tanta aroeira-pimenteira, árvore brasileira espalhada por todo o território, grande parte da pimenta rosa vendida nos mercados,  em passado bem recente, vinha da França, que importava do Brasil, embalava e nos devolvia rotulada como baies roses ou poivre rosepara ser vendida em mercearias de produtos finos. Acho que pouca gente ainda cai nessa atualmente, mas não custa avisar que embora a planta esteja espalhada mundo afora, Brasil e Madagascar são os maiores produtores. Portanto, melhor comprar a produção local não viajada.  


Se bem que devemos aos franceses a popularização de seu uso alimentício – a planta é tradicionalmente usada por suas propriedades fitoterápicas, está entre as espécies medicinais elencadas por naturalistas que percorreram Minas Gerais no século 19, como  Carl FP von Martius (1794-1868) e Auguste Saint-Hilaire (1779-1853) e figura na primeira edição da Farmacopeia Brasileira em 1929. Como especiaria, os frutos começaram a ser usados na França no começo do século passado, mas sobretudo a partir do avanço da nouvelle cuisinena década de 1970 - mais por afetação que por suas características gustativas, diziam os mais ranzinzas. O fato é que boa parte do mundo passou a conhecê-la e abusar de sua beleza. Nos Estados Unidos, em 1982, a importação da França, que comercializava os frutos do Brasil, chegou a ser proibida com a alegação de que seu consumo não era seguro e poderia causar alergias e outros males, como acontece com espécies da mesma família das Anacardiáceas como manga ou caju, por exemplo. A proibição durou pouco tempo, mas foi suficiente para dar o que falar, aumentando ainda mais a curiosidade.


Acontece que realmente todas as partes da aroeira-pimenteira podem causar alergias em pessoas mais sensíveis, mas o uso das bagas como tempero é considerado seguro. De qualquer forma, deve-se sempre empregar em doses de especiaria, sem exagero nem assombros, lembrando que noz moscada, cravo-da-índia e anis-estrelado também contém componentes tóxicos e podem fazer mal se consumidos em grandes doses. Nada de fazer, portanto, dieta da pimenta-rosa, e no aparecimento de qualquer sintoma suspeito pós-consumo, deve-se suspender o uso.


O mesmo conselho vale para as bagas das outras duas espécies encontradas por aqui, a Schinus lenticifolius, que ocorre mais na região Sul, e a S. molle, originária dos países andinos e usada como árvore ornamental sob o nome de aroeira-salsa – esta,  com frutos mais amarronzados.  As aplicações medicinais das três espécies  também são semelhantes e as folhas são diferentes morfologicamente mas sempre cheirosas – usadas para extração de óleos aromáticos usados na perfumaria.


Tudo bem que muita gente já não aguenta mais comer salmão com pimenta-rosa, mas experimente misturar as bagas vermelhas com os grãos de pimenta-do-reino em diferentes estágios de maturação e triturar todas juntas. Ou passar pela peneira grossa e recolher apenas a pele fininha do fruto que pode ser misturada em manteiga com umas gotas de limão, ou ainda ser acrescentada à mostarda ou em caldas de sobremesa, por exemplo. As sementes, uma por baga, se forem frescas, devem ser desidratadas por 10 minutos a 100 ºC para que possam ser guardadas em vidros sem mofar. Na hora de usar, basta triturar como pimenta-do-reino.  Como aromatizante de vinagres ou kombuchas, as baga podem ser acrescentadas ao líquido inteiras e deixadas até conferir aroma. Elas ainda podem ser usadas como mastique ou misk em sobremesas à base de leite como sorvetes, musses, pudins, bolos, biscoitos e cremes. O sabor resinoso harmoniza bem com beterraba e creme de leite, daí a receita que me colocou no grupo das pessoas que adoram pimenta-rosa para além da estética.




Beterrabas gratinadas com pimenta-rosa  

300 ml de creme de leite

1 colher (sopa) de pimenta-rosa

1 dente de alho com casca amassado

2 folhas de louro

Sal e pimenta-do-reino a gosto

800 g de beterrabas vermelhas e amarelas (ou só vermelhas)

1 pedaço de 100 g de pão de fermentação natural duro ou amanhecido

1 colher (chá) de manteiga

1 colher (chá) de azeite

1 colher (sopa) de vinagre de vinho tinto


Preaqueça o forno a 180 ºC.   Coloque numa panela o creme de leite, metade da pimenta-rosa, o alho, as folhas de louro e uma pitada de sal.  Deixe ferver em fogo baixo por 10 minutos. Coe e reserve o creme perfumado.  Descasque e fatie as beterrabas bem finamente (se quiser, use mandolim ou processador)  e arrume as numa frigideira de ferro ou forma refratária. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e cubra com o creme perfumado. Cubra com papel alumínio e leve ao forno preaquecido. Deixe assar por cerca de 1 hora ou até a beterraba ficar macia. Enquanto isto, passe pelo processador o pão junto com metade da pimenta-rosa reservada, além da manteiga e do azeite – ou rale o pão e misture tudo. Espalhe o vinagre sobre as beterrabas assadas e em seguida cubra com a farofa de pão. Deixe no forno, sem o papel alumínio, por cerca de 25 minutos ou até dourar. Espalhe o restante da pimenta-rosa por cima e sirva como acompanhamento.



Rende: 8 a 10 porções 

Cogumelos Yanomami. Coluna do Paladar, edição de 06 de setembro de 2018

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Hoje é dia de coluna do Paladar. 

COGUMELOS YANOMAMI


Aproveito o assunto abordado pelo colega Roberto Smeraldi em sua última coluna aqui no Paladar para continuá-lo, já que cogumelo é um tema que me interessa e especialmente os cogumelos Yanomami que têm frequentado minha cozinha ultimamente em vários experimentos.


Certa vez participei de uma expedição para coleta de cogumelos nos arredores de Barcelona. Foi só uma coincidência ter chegado ali em plena temporada quando visitava uns amigos. Era um evento cultural gratuito oferecido pela prefeitura, com zero de afetação e o máximo de seriedade entre os participantes. Para não perdermos o ônibus,  acordamos de madrugada num sábado nublado, gelado e úmido, confesso que torcendo para que alguém ligasse dizendo que devido ao mau tempo o programa havia sido suspenso. Sorte que não, afinal o dia estava lindo para coletar cogumelos e foi uma experiência sensorial tão marcante se deparar com aquela biodiversidade toda num parque público e observar como aqueles catalães conheciam bem seus fungos e plantas, que nunca mais consegui olhar um cogumelo sem curiosidade. Voltei motivada a contar a experiência nesta coluna e pelo feito levei bronca de um leitor que me chamou de pedante e incoerente, pois deveria continuar escrevendo sobre produtos brasileiros genuínos e pronto.   


Mas é justamente experiência como aquela que me dá a rara oportunidade tão necessária do olhar com distância e que me faz ficar ainda mais inspirada e interessada pelas nossas próprias riquezas.  É o caso dos cogumelos Yanomami, mencionados por Smeraldi quando falou em sua coluna sobre o  botânico inglês, Ghillean Tolmie Prance, que em 1968 esteve em Auaris entre os Sanöma, povo Yanomami, para pesquisar plantas mas se deparou com uma realidade que nem desconfiava existir.  Mulheres coletavam e traziam cogumelos  embrulhados em folhas de bananeira quando voltavam da roça.  No XVI Congresso da Sociedade Internacional de Etnobiologia que aconteceu em Belém no último mês de agosto, o pesquisador, hoje com 81 anos e convidado para uma mesa redonda sobre gastronomia e biodiversidade organizada pelo Instituto Socioambiental – ISA e Instituto Atá, reencontrou Resende Sanöma, neto de uma das mulheres fotografadas na época,  causando grande comoção.  Na ocasião, foi apresentado o projeto sobre os cogumelos, uma parceria da comunidade Sanöma com o Isa e Instituto Atá, para produção e venda de um mix de espécies desidratadas. 


São cerca de dez tipos diferentes de cogumelos colhidos pelos Sanöma. Para que se seja viável a comercialização, eles são desidratados e triturados. Em pequenos pacotes, são vendidos no site do Isa (www.socioambiental.org) e no Boxe Amazônia/Mata Atlântica do Mercado Municipal de Pinheiros, com renda revertida integralmente para a comunidade indígena.


Então, quem pensa que coletar cogumelos espontâneos é coisa de europeu, saiba que este é também, desde sempre, hábito dos indígenas nativos desta terra, verdadeiros guardiões  do conhecimento sobre plantas, animais e cogumelos comestíveis da floresta.  E não é só entre os Yanomami.  No começo do século XIX, por exemplo, o naturalista Carl Friedrich Philipp von Martius e o zoólogo Johann Baptist von Spix estiveram entre os Saterés-maués, no Amazonas, e sobre o costume desses índios os viajantes anotaram que quando a mulher descobre que está grávida o casal é submetido a um rigoroso jejum à base de formigas, cogumelos e guaraná.  A informação aparece no livro Viagem pelo Brasil (1819-1820). vol. III, de 1938.


Mas, voltando aos Yanomami, afinal são de sua cultura os cogumelos encontrados no mercado,  são cinco os grupos que formam este povo. São eles:  Sanöma, Ninam, Yanomam, Yanomami e Yaroamë.  Os Sanöma são cerca de 3.000 pessoas divididas em 19 comunidades na região de Awaris, na Terra Indígena Yanomami, que fica às margens do rio Ãsikama u, o Rio Auaris, no extremo Oeste de Roraima (na Venezuela eles são em número parecido). Nesta região, os cogumelos de várias espécies são coletados em áreas de capoeira, onde antes havia plantação de subsistência.  Depois de 2 a 4 anos usada para cultivo,  esta terra é deixada em descanso para se regenerar, restando ali vários restos de troncos de madeira em decomposição.  É neste ambiente que crescem muitos dos cogumelos cultivados e de onde são colhidos geralmente pelas mulheres. Alguns, porém, vêm da floresta, coletados pelos homens. Quando frescos, na época da chuva, são assados embalados em folhas de helicônias, zingiberáceas e marantáceas, por exemplo, para comer com banana verde também assada na brasa. Já na época da estiagem, colhem os cogumelos secos e cozinham em água e pimenta  para fazer caldo aromático engrossado com beiju.


O livro “Ana Amopö: Cogumelos – Enciclopédia dos Alimentos Yanomami (Sanöma)”, lançado pelo Instituto Socioambiental em parceria com a Hutukara Associação Yanomami e ganhador do prêmio 59º Prêmio Jabuti na categoria Gastronomia e Ciências Sociais, é parte deste projeto de pesquisa e divulgação dos cogumelos Yanomami,  com o objetivo de valorizar o conhecimento indígena e gerar renda para atender as demandas das comunidades, tais como ferramentas para as roças entre outras.  


Entre os Sanöma, os cogumelos mais apreciados são das espécies Lentinula raphanica, Favolus brasiliensis e Polyporus philippinensis.  Tentando identificar os cogumelos que encontro no bairro da Lapa, em São Paulo, onde moro, fiquei surpresa ao descobrir que temos por aqui o mesmo Favolus brasiliensis, encontrado também em todo litoral do Brasil, de Norte a Sul, sobre troncos caídos em fase de apodrecimento.  Colhidos na horta comunitária, usei para fazer caldo com pimenta engrossado com beiju de mandioca à moda dos Yanomami.  E ficou delicioso, claro.


Sorte que quando não se tem por perto estes cogumelos frescos, a gente pode recorrer ao mix comprado. Há deles inteiros e em pó. Eu prefiro comprar em pó, pois mesmo quando reidratados aqueles inteiros não voltam a ficar tenros – ficam moles e resistentes. Para quem gosta deles assim, recomendo picar ou quebrar em pedaços menores antes de hidratar. Mas transformados em pó ou já comprados em pó são versáteis na cozinha e conferem um sabor umami impressionante a pratos salgados de toda natureza – o sabor umami é dado pelo  ácido L-glutâmico, um dos aminoácidos que compõe todo tipo de proteína e tem presença livre nos cogumelos secos, funcionando como um realçador de todos os outros sabores.  


Experimente misturar o pó a sal e pimenta-do-reino e polvilhe em abundância sobre uma carne de cordeiro a ser assada, por exemplo.  Ou deixe hidratando em um pouco de água por cerca de 1 hora e junte a refogados de cogumelos frescos ou a cozidos de qualquer carne que leve em seu caldo vinho, tomates, ervas e alho. Nos risotos, massas e sopas, o pó pode ser usado como funghi secchi.  O processo de secagem dos cogumelos envolve uso de calor a lenha, por isto o pó tem um sabor defumado muito bom que pode ser útil para se fazer pratos vegetarianos.  Pode ser refogado junto com cebola, cenoura e salsão para temperar assados e refogados de vegetais como ragu de berinjela, cozido de lentilhas e o que mais lhe ocorrer.  


Gosto de refogar o pó em manteiga junto com cebola, juntar macarrão de massa curta e água para cobrir. Em fogo baixo, cozinho até que a massa esteja macia e sobre um pouco de molho denso. Se precisar, junto mais água quente conforme a massa vai cozinhando, para que não segue e que fique sempre coberta com o caldo. Por fim, junto salsa picada e assim tenho um delicioso prato de macarrão com molho de cogumelos feito numa panela só. 


O fato é que não importa o prato salgado que esteja fazendo, não há outro tempero que se misture tão amigavelmente a vários tipos de ingredientes ao mesmo tempo que realce o sabor tão complexamente como o pó de cogumelos.  Tenha-o sempre por perto e nunca mais precisará usar suspeitos caldos em cubos e outros realçadores de sabor refinados.  


Macarrão de cogumelos Yanomami


20 g de cogumelo Yanomami em pó

2 colheres (sopa) de água

200 g de farinha de trigo

1 colher (chá) de sal

2 ovos


Misture o cogumelo com a água e espere 10 minutos.  Enquanto isto, coloque numa tigela a farinha de trigo (se quiser substitua 35 g por semolina de trigo para que fique mais firme) misturada com o sal. No centro coloque os ovos e o cogumelo umedecido. Com as mãos vá misturando os ingredientes até formar uma massa firme. Se precisar, junte mais água fria ou farinha aos poucos. Sove por cerca de 10 minutos ou até ficar lisa e elástica.  Se preferir, bata todos os ingredientes no processador.  Embrulhe a massa em saco plástico e deixe-a em repouso por 20 minutos. Abra na máquina de macarrão até o nível 4. Corte em talharins com cerca de 20 centímetros e mantenha as tiras estendidas em varal de macarrão até o momento de cozinhar. Ou polvilhe bem as tiras com farinha e faça ninhos sobre um pano.  Enquanto isto, faça o molho – receita abaixo.  Por fim, cozinhe a massa em água fervente abundante por cerca de 2 minutos. Escorra e coloque o macarrão na frigideira, chacoalhe para incorporar o molho delicadamente e sirva.


Molho de cogumelos


½ colher (sopa) de cogumelos Yanomami em pó

4 colheres (sopa) de azeite de oliva

1 cebola média picada

500 g de cogumelos frescos misturados cortados com 1cm de espessura

300 ml de creme de leite

2 colheres (sopa) de galhinhos de tomilho e folhas inteiras, extras, para decorar

1 pitada de pimenta jiquitaia ou pimenta seca em flocos

Sal e pimenta-do-reino a gosto


Hidrate o pó de cogumelo com  2 colheres (sopa) de água fervente e deixe repousar por 15 minutos. 


Aqueça o azeite em uma frigideira grande e funda,  junte a cebola e cozinhe em fogo baixo por cerca de 2 minutos, até ficar macia. Aumente o fogo para médio, adicione os cogumelos frescos e cozinhe,  mexendo de vez em quando,  por cerca de 5 minutos ou até ficarem macios.


Adicione o cogumelo Yanomami hidratado e mexa devagar, mantendo o cozimento por cerca 1 minuto. Acrescente o creme e deixe cozinhar por cerca de 5 minutos ou até que o creme tenha engrossado levemente. Junte o tomilho e a pimenta jiquitaia e tempere a gosto com sal e pimenta preta moída na hora. Desligue o fogo e junte ao macarrão bem quente. Use galhinhos de tomilho para decorar.


Rende: 6 porções



 

Favolus brasiliensis colhido na Horta City Lapa 
Favolus brasiliensis e o livro 

Sobre jenipapos verdes e outros papos

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Sobre jenipapos verdes e outros papos. Nunca tinha visto ninguém fazer leite azul e pratos azuis feitos com este leite. Tudo o que tinha visto com jenipapo verde levava a fruta inteira sem o leite e resultava algo amargo e de azul marinho quase negro e que só aparecia depois do prato pronto - o pão ia para o forno bege e saía preto. Eu queria um azul mais domável, que eu poderia controlar com o prato ainda cru, controlando a intensidade. Até que fui pesquisar sobre a química do pigmento e aí sim tive a ideia de combinar com leite, pois a jenipina, o pigmento, reage com aminoácidos livres e proteínas, potencializada pelo calor, oxigênio e tempo. Nascia o leite azul - tem post ensinando aqui no Come-se. Mas nem todo o processo está dominado. No meu Instagram uma pessoa me perguntou quão verde tem que estar o jenipapo para que o leite fique azul. Eu sempre uso a fruta quando está bem desenvolvida, com sementes formadas, mas ainda dura, sem cheiro. Se pode usar antes disso, não sei. Isto ainda não tem em livros - se tem, me apresente. O jeito é testar e só vou fazer isto quando tiver em mãos jenipapinhos. 

Então, nem toda resposta de que precisamos vamos encontrar em sites, blogs, livros. Alguns conhecimentos nós mesmos temos que produzir nem que seja a partir de alguma dica ou uma tese de cachola. Às vezes basta um teste. Que experimento, por exemplo, posso fazer pra saber quão diferentes são as farinhas em relação às absorção de água na hora de fazer um  pão? Basta pegar 100 g de diferentes farinhas e fixar um tanto de água. Algumas massas vão ficar mais duras, outras mais moles. Anote os resultados e terá uma informação produzida por você.   Hoje acordei com vontade de saber se:  o pigmento do jenipapo se expressa melhor no leite quando se usa polpa ou semente? O tom de azul é o mesmo? Claro que não vou encontrar estas respostas em nenhum lugar. Mas se tenho a oportunidade de testar, vou gastar menos tempo do que procurar em bancos de busca ou livros. Pelo menos em casos assim.  

A conclusão a que cheguei hoje é que o leite feito com a polpa ganha um azul claro que vai escurecendo com o tempo. O leite feito com o miolo e as sementes se separa de início em uma camada superior  azul e outra marrom. Aos poucos, fora do fogo, a superfície vai oxidando e ficando um azul lindo. O marrom se transforma em azul depois de uma hora. Ou seja, dá pra continuar batendo polpa e semente juntas que dá quase no mesmo. Quando a casca está presente, ela faz talhar o leite. 
É isto aí. Desde que não coloque nenhuma vida em risco, o negócio é desconfiar, se perguntar, testar, comparar. 


Folha-pepino ou erva-de-ganso, uma urtiguinha com sabor de pepino

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Salada de pepino em folha
Parietaria debilis na fresta de uma calçada 
Você já deve ter pisado em muita erva-de-ganso por aí e não sabe o que está perdendo. Esta mini urtiga que não é urticante, tem perfume e sabor de pepino e está entre nós entre o inverno e a primavera. Podem ser consumidas cruas ou cozidas e atende pelo nome latim Parietaria debilis, tendo como apelidos folha-pepino, urtiguinha-mansa e erva-de-ganso (sim, patos e gansos adoram,  que não são bobos nem nada). 

Não é  brasileira de origem - é nativa em certas regiões da Ásia, Europa e África - mas se dá muito bem por aqui, assim como em várias partes do mundo, tratadas às vezes como erva daninha, crescendo em local úmido e sombreado. Se bem que é rústica e dá até nas frestas como se vê na foto.   

A salada tem cebola, tomate cereja e folhas de erva-de-ganso. Com sal, azeite e limão. Nhac! 

Experiências jenipapais com o pão azul

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Pão Azul: diferentes tons de azul jenipapo
Continuando aquele texto de terça-feira sobre experiências com os tons do jenipapo,  vou deixar aqui esta experiência que pode ser útil a mim mesma e, quem sabe um dia, a você. Já que em livro a gente não vai achar mesmo.

Bem, eu queria saber como se comportava o pigmento de acordo com as partes do fruto usadas e o meio.  Sobre o leite azul e a jenipina, já escrevi neste post.  Mas repito aqui a fórmula.

Leite azul para usos diversos

1/4 de jenipapo verde
1 xícara de leite

Bata no liquidificador o jenipapo sem pele (mas com sementes) com o leite até triturar bem. Coe e leve ao fogo para ferver. Ele deve ficar azul. Deixe esfriar.
Como pode ver, eu sempre uso o fruto inteiro, sem casca, mas com sementes. Desta vez quis experimentar as partes separadas. Assim, dilui em leite polpa e semente separadamente. E diluí também em água polpa e semente. Por fim, misturei tudo em água (o fruto inteiro com leite, eu já sabia).

O incrível é que assim que fervi (no post citado, tem também fotos do leite azul com o fruto inteiro), o leite ficou marrom, com apenas uma porção azulada. Mas depois, em repouso, ele foi azulando cada vez mais. Este mesmo leite marrom da foto ficou totalmente azul depois de cerca de 1 hora em repouso. Começou a azular a superfície e aos poucos todo marrom virou azul.

Fiz as massas de pão para comparar. A única que ficou imediatamente azul foi a feita com o miolo com as sementes apenas. Já a polpa pura, mesmo com leite, não deixou a massa azulada de imediato - só no forno.
Para cada 100 g de farinha orgânica branca da Paullinia, 2 g de sal, 40 g de levain fermentado e 80 ml de líquido (dos quais, 65 ml de água e 15 ml do líquido de jenipapo - leite ou água).  Usei técnica padronizada (como aquele pão que já dei aqui, mantendo as mesmas proporções). E assei todos ao mesmo tempo.

O resultado é que o que já era azul (ou seja, leite e miolo com sementes) ficou mais azul. O outro mais azulado foi o feito com leite e polpa. Mas os outros cujas massas foram feitas com água não tinham cor azul e só ganharam o tom depois de o pão ter sido assado.  O bom de usar o leite (e agora eu já sei, o miolo é fundamental mesmo quando uso polpa) é que você já pode controlar o tom quando está fazendo a massa.   Mas dá pra fazer com água também, só que o azul que se dá pela combinação da jenipina com aminoácidos só vai acontecer quando o líquido se junta à proteína na farinha sob forte calor. É um jeito de fazer o pão azul vegano, mas sem muito controle da cor. Às vezes pode ficar muito forte, quase preto.

Quanto ao sabor, nenhum deles revelou o amargor do jenipapo. Mas já fiz pães bem amargos quando usei meio jenipapo para um pão.  Ah, e o único que ficou azul inclusive na crosta foi mesmo o feito com as sementes.


A luz está ruim, mas o azul mais lindo é o com sementes
e leite 
E também o único azul por fora. 






Este, pão grande, com o fruto inteiro com leite. 

Aqui, para confirmar a experiência, duas massas de pães maiores.
Com leite e fruto inteiro (o pão acima) e a feita com água de jenipapo
(em vez de leite, água)
E as duas massas depois de assadas 


Pancnacity de 28 de setembro de 2018

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Colheita de alho silvestre (Nothoscordum gracile) 

Só pra não perder o costume, deixo aqui registradas as fotos do último Pancnacity: 

Almeirão de árvore (Lactuca canadensis) 

Major-gomes ou língua-de-vaca (Talinum paniculatun)

Bredo ou amaranto ou caruru (Amaranthus deflexus) 

 Com pinta roxa. Bredo ou amaranto ou caruru (Amaranthus deflexus) 

Bredo ou amaranto ou caruru (Amaranthus deflexus) Minúsculo e só
tem pinta roxa quando está nesta esquina. Já replantei em casa
 e ele fica igual ao outro comum.  

Buva (Conyza bonariensis). Folha apimentada.

Chanana (Turnera subulata). Flores docinhas que se abrem pela manhã.

Provando tumbérgia roxa que tem sabor de cogumelo. Aprendi com V.Kinupp,
mas ainda preciso estudar mais a respeito. 

Estrepolia para colher jambu 

Agrião do mato (Drymaria cordata) crescendo na saída de água. 


Flor de dente-de-leão

Urtiguinha mansa ou erva-pepino (Parietaria debilis), tem sabor de pepino

Serralha (Sonchus oleraceus)

Várias panc reunidas em torno de uma outra panc - palmeira jerivá 

Tansagem (Plantago australis) 
Colheita do dia 

Panc da casa 

Creme de inhame com leite de coco, jenipapo verde, cumaru e vinagre de umbu

Talos de taioba e de aspargos com creme, ao forno 

Manteiga com ervas, pão de abóbora com cúrcuma  e kombucha de hibisco

Curry thai com jaca verde, salada de mamão verde, arroz com panc,
talo de taioba com aspargos, salada de almeirão de árvore, ora-pro-nobis,
kimchi e umeboshi da casa 

No meio do caminho, cogumelo Ianomami (Lentinus crinitus) 

Brotos de Ginkgo biloba

Colhendo flores de chanana

A turma do dia!




Roseta ou cuspe-de-caipira ( soliva anthemifolia ) 

Manteiga com pólen de abelhas nativas, limão, flores e trevos 



Talos de taioba com aspargos

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Colhi taiobas do quintal, separei os talos e descasquei, puxando os fios, como se faz com aspargos. Aproveitei para fazer render os aspargos, já que os talos são neutros e porosos e absorvem bem outros sabores. Só cozinhei os as duas espécies em água salgada, escorrei, cobri com creme de leite temperado com sal, pimenta-do-reino e pimenta-rosa, espalhei um pouco de queijo ralado por cima e levei ao forno por uns minutos, só para aquecer o creme e dourar um pouco o queijo. Queria ter colocado farinha de pão, mas tinha acabado. Ficou bem gostoso. Nhac! 





Das folhas do quintal: serralha, cenoura, almeirão roxo

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 Desde que minha amiga Janaína comprou a casa ao lado da minha, nunca mais precisamos comprar verduras. Uma baciada como esta, sempre tem. A serralha colhi na horta City Lapa, mas as folhas de cenoura e de almeirão roxo vieram de lá. Deixo aqui as formas como usei.


Pesto de folhas de cenoura:  Bati no liquidificador 1/4 de xícara de amêndoas, 1 dente de alho, 6 colheres (sopa) de azeite e 1 colher (sopa) de queijo parmesão. E folhas de cenoura (o quanto conseguir pra fazer o aparelho funcionar). Corrija o sal, as amêndoas, as folhas e o azeite s seu gosto. E coma com macarrão. Nhac! 



Macarrão com pesto de folhas de cenoura: cozinhei o macarrão, juntei o pesto diluído num pouco da água do cozimento e misturei delicadamente para uniformizar. 

E com as outras folhas amargas, fiz apenas um refogado rápido.

Almeirão roxo e serralha refogadas:
aferventei brevemente serralha e almeirão sem picar, em água salgada. Escorri, piquei em pedaços grandes e refoguei em azeite com alho e pimenta. Por cima, um pouco de farofinha de pão (pão ralado grosso passado no azeite, no fogo, até ficar crocante como farofa).


Cogumelos da Lapa

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Estou torcendo para que chova bastante para que possa coletar alguns cogumeloso por aí. Não reconheço a maioria deles e neste caso apenas fotografo e tento identificar. Mas os Pleurotus são razoavelmente fáceis de se reconhecer. Este, colhi na Horta City Lapa, num toco de uma yuca que caiu de podre.

Se não tem familiaridade com cogumelos, não se arrisque. Apesar da facilidade de se reconhecer esta espécie, comece observando os Pleurotus que você compra, observe os cogumelos que crescem por aí, fotografe, entre em fóruns, aprenda sobre os hábitos de cada cogumelo, enfim, dedique-se. Eles não te farão falta caso não tenha segurança na identificação. E lembre-se daquele ditado que vale pra cogumelos e plantas. Todos são comestíveis, alguns uma só vez.



A auriculária ou orelha-de-judeu, colhi no do quintal e tansagem também, que é praticamente um cogumelo - a planta tem associação com fungos que lhe conferem sabor de cogumelos apesar do amargor.



Na foto, a canjiquinha de milho crioulo e o queijo são da Serra da Bocaina e o complemento, cogumelo, auriculária e tansagem, fiz apenas passando na manteiga cebola, cogumelos, auriculária e tansagem, tudo picado. A canjiquinha, refoguei como arroz e deixei cozinhar com um pouco mais de água.


Tansagem. Coluna do Paladar, edição de 11 de outubro de 2018

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Hoje tem coluna Paladar. No jornal impresso e no site. Aqui também: 

TANSAGEM


Dia desses, me sentei num banco em frente ao restaurante Arturito esperando as portas se abrirem quando olhei para uma jardineira da qual brotavam displicentemente algumas ervas comestíveis, como major-gomes, violetas e a mais elegante de todas, uma roseta de tansagem-grande. Senti-me observando a aquarela La Grande Zolla, do artista renascentista Albrecht Dürer (1471 – 1528) que parece ter arrancado uma pá de solo vivo do parque para retratar os matos espontâneos da época, dentre os quais pelo menos duas comestíveis, dente-de-leão e a mesma tansagem-grande que estava na minha frente. E, sim, ali há ervas não convencionais no menu, mas vindas de produtores.  


Restaurante Arturito 


Hoje tansagem é o tipo de erva mais lembrada por seus atributos fitoterápicos que pelo seu uso alimentício. Caso resolva afinar suas pesquisas sobre as espécies que atendem por este nome, logo vai poder comprovar qual é a maior vocação desta planta. É claro que por vezes as duas coisas andam juntas, sendo ela um ótimo exemplo de comida medicinal ou remédio comestível, como se vê na receita de lentilhas com tansagem no grande tratado “Matéria Médica” do botânico grego Dioscórides, que viveu no século I a.C. Aliás, a erva tem ali diversas aplicações.

Eu a conheci primeiro como alimento e sabia de seus usos como remédio para garganta mas não liguei um fato com outro quando alguns anos atrás um vizinho, médico cubano, veio me perguntar se eu conhecia por aqui uma erva que ele costuma usar em seu país. Disse o nome que só registrei mal e mal de ouvido. Pela descrição,  não identifiquei, mas cheguei em casa e passei algum tempo no buscador até descobrir a grafia correta em espanhol – llantén. Ele procurava, então,  a tansagem, erva nada rara por estas bandas. Colhi um belo exemplar com torrão de terra a poucos metros de sua casa e replantei num pequeno vaso que lhe dei de presente. Eufórico, queria saber onde poderia encontrar mais da planta e ficou surpreso de saber que crescia praticamente aos seus pés. A partir daí passei a dar mais atenção aos seus vários usos medicinais. Mas aqui vamos falar de comida.


Há pelo menos três espécies do gênero Plantago que atendem por nomes populares como tanchagem, transagem, tranchagem,  plantagem. São elas: Plantago australis, P. lanceolata e P. major. A primeira é bastante comum e tem folhas com leve penugem e roseta bem aberta, a segunda tem folhas estreitas como lanças apontadas para cima e na P. major as folhas têm formado ovalado de colher, com base afilada. Há várias características em relação às folhas, raízes e flores que diferenciam as espécies, mas em comum todas elas apresentam nervuras proeminentes, por dentro das quais passam linhas brancas que podem ser facilmente notadas quando a folha é quebrada na base. Estes fios podem ser puxados na hora de preparar ou são seccionados quando as folhas são cortados na transversal. E as flores e sementes são agrupadas em espigas eretas e longas. Os termos em inglês, plantain; em italiano, piantaggine; e em castelhado, llantén, também nomeiam estas três espécies de mesmo gênero e com usos culinários e medicinais parecidos, tirando algumas particularidades.

Quem tem esta erva por perto, e ela é endêmica em praças, calçadas e parques -  pode se aventurar um pouco mais na coleta de outras espécies e em situações de sobrevivência, afinal pequenos arranhões, urticária de urtigas e picadas de abelhas podem ser resolvidos esfregando na área atingida folha amassada de tansagem.  E a planta mais velha tem ainda fibras flexíveis e resistentes que podem ser usadas ​ para improvisar  linhas de sutura,  pequenas cordas e linha de pesca.  

Para comer, claro, o ideal é que tenha plantas no quintal de casa e para isto pode sair à caça de sementes ou esperar que nasçam espontaneamente. Uma hora ou outra elas sempre vêm. Na primavera e verão será fácil encontrar as sementes.  Outra opção é comprar as folhas em feiras de produtores orgânicos. Certamente haverá tansagem onde há cultivo de hortaliças, pois é uma daquelas ervas daninhas que seguem os caminhos do homem – suas sementes se misturam aos grãos de cereais e assim viajam mundo, colonizando solos compactados, evitando erosão e sobrevivendo a constantes atropelamentos – certamente já pisou em algum pezinho de tansagem, tente olhar os gramados por onde anda. Isto faz dela uma planta resiliente, resistente e fiel aliada, que estará sempre por perto quando precisarmos.


Parece que até o final do século X, ela ainda teve uso expressivo na cozinha europeia, especialmente antes da chegada das espécies da América.  Depois foi perdendo importância. Há registros de uso tradicional da tansagem nas cozinhas dos países mediterrâneos, como Espanha, Itália, Eslovênia, Croácia, Turquia e Líbano e o costume ainda sobrevive em algumas regiões. As folhas externas são usadas para alimentar animais e as internas, mais tenras, para saladas ou como verdura em sopas, purês, refogados, recheios de pasteis, quiches, para dar cor a massas, fazer risotos etc. Agora, não dá para esperar que tenha a mesma popularidade de um brócolis ou de uma alface, pois a tansagem tem lá suas idiossincrasias.


Na mesa italiana, a erva esteve presente desde tempos remotos, especialmente em momentos de escassez, junto com chicórias silvestres, urtigas, dente-de-leão, rúcula e outras ervas espontâneas. Atualmente, o movimento de retomada da biodiversidade à mesa para trazer de volta às panelas espécies comestíveis esquecidas tem despertado interesse não só no Brasil mas no mundo todo por estas plantas tidas às vezes como daninhas. Por isto já não é difícil nos depararmos com receitas saborosas com a erva. É o caso de inúmeras fórmulas de pestos di piantaggine ou de zuppa (sopa) di piantaggine entre outros pratos tradicionais ou contemporâneos.  Para fazer o pesto, coloque no copo do liquidificador 30 folhas de tansagem picada, 15 g de amêndoas, 20 g de queijo parmesão ralado,  5  colheres (sopa) de azeite de oliva, 2 colheres (sopa) de água e meio dente de alho (opcional).  Ligue o aparelho e triture até ficar um molho homogêneo.  Sirva com massa


Embora possam ser consumidas cruas, as folhas são meio adstringentes e amargas. Já quando cozidas são gostosas, com taninos e amargores bem atenuados e um sabor agradável de cogumelos em destaque, resultado de uma associação destas espécies com fungos. Nas flores e sementes o sabor de cogumelos secos é ainda mais marcante e podem ser consumidas em qualquer estágio – quando as espigas estão ainda bem tenras, podem ser cozidas como pequenos arpargos e quando as sementes estão já maduras, basta debulhar e usar em pães, biscoitos, bolos etc – com ou sem as fibras que as envolvem.


As folhas mais firmes, quando aferventadas por 4 minutos em água salgada, ficam com consistência de algas. Uma outra forma  de consumir as folhas é como chips, temperando com azeite e temperos e deixando secar no forno em temperatura baixa.  Ficam bem crocantes e podem ser servidas como aperitivo ou algas secas – veja receita. E um jeito de fazer que adoro é simplesmente cortar bem fininho como couve e refogar como tal. É só dar um susto no azeite bem quente com alho,  para murchar, temperar com sal e nhac!





Chips de tansagem


30 folhas grandes de qualquer espécie de tansagem

2 colheres (chá) de óleo de gergelim ou azeite

1/4 colher (chá) de sal

1/2 colher (chá ) de pimenta calabresa

1 colher (sopa) de sementes de gergelim branco e/ou preto

1  colher (chá) de açúcar


Pré-aqueça o forno a 150 ºC. Lave as folhas e seque-as com pano de prato limpo e seco.  Em uma tigela grande misture as folhas com o tempero. Espalhe as folhas de uma só vez em assadeiras. Talvez seja necessário mais de uma assadeira.  Se puder forrá-la com papel siliconado, melhor.


Deixe assar até as folhas ficarem crocantes, mas não queimadas, cerca de 10 a 20 minutos,  dependendo do tamanho das folhas.  Tire do forno, espere um pouco e prove. Se ainda não estiverem crocantes, leve ao forno novamente por cerca de um minuto.

Quando estiverem completamente frias, guarde as folhas em recipiente que feche hermeticamente. Assim podem ser conservadas por várias semanas.  Sirva como aperitivo ou use como tempero -  esfarele sobre o arroz, por exemplo.




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