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Manga verde. Torta de manga verde. Coluna do Paladar de hoje

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Está lá no caderno Paladar, do jornal O Estado de São Paulo de hoje, 10 de janeiro de 2013. E também no blog: http://blogs.estadao.com.br/paladar/da-manga-rosa-quero-a-verde com lindas fotos do Felipe Rau.  Colo aqui a versão integral, com a lembrança do chutney e a versão da cuca,  já que temos cá espaço à vontade, com fotos minhas, à vontade também.  Aí vai: 


Comecei colhendo as mangas na praça perto de casa. Estas fotos: Flora Rigo
MANGA VERDE


Se eu lhe pedisse para descrever uma manga, o que você diria? Doce, suculenta, perfumada?  Talvez  se lembrasse dos fiapos no dente e o formado ovado, redondo, de coração, ou ainda a cor rosa vermelho-pêssego e o detalhe daquela manga espada massageada e depois furada para sair o sumo, que às vezes escorre em fio pelo antebraço.  E certamente destacaria a doçura e o perfume das frutas às vezes comidas antes por sabiás e maritacas.  Claro, você pensou em uma manga madura.  Afinal é assim que elas nos chegam, no seu melhor ponto para se comer ao natural.  Mas a fruta à que me refiro aqui é aquela verde,  que não tem nada disso, nem doçura nem suculência, e ainda assim é uma manga – no estágio que poucos a conhecem.  Tratá-las como iguais, verdes e maduras,  é como esperar um comportamento coeso de homens feitos e bebês. Então,  focaremos nas diferenças.


Como as frutas asiáticas, caso da banana, jaca e manga, e mesmo outras exóticas americanas como o abacate e o mamão, desembarcaram aqui sem manual de instrução,  inventamos de comê-las apenas doces, que é mais fácil - basta esperar que caiam de maduras.  Mas se vamos às origens, encontramos preparos frescos ou conservas, doces com as maduras e salgados com as verdes, ou as duas formas para uma mesma fase da fruta, sem falar nas polpas sem sal nem açúcar embaladas em lata, esticando  as possibilidades de aproveitamento de toda a safra.


O fato é que manga verde é um excelente legume ou simplesmente uma fruta ácida como o limão ou tamarindo e a acidez na cozinha todo mundo sabe o valor que tem.  É mais versátil que banana ou jaca imaturas que necessariamente precisam ser cozidas,  e tem sabor refrescante, livre de travos e amargores e doçura quase apagada.  Basta, portanto, sal ou açúcar para definir seu destino e ressaltar suas características de paladar.  Ela tem aroma fresco muito característico, floral e resinoso,  dado por substâncias aromáticas, como mircenos, limonenos, ocimenos e pinenos, entre outras dezenas identificadas. 


Desde que as primeiras mangueiras indianas chegaram ao Brasil, há pouco mais de trezentos anos,  o desperdiço nos pomares é absurdo. Tão bem adaptadas, tão prolíferas, para sorte nossa.   Mas, também, quem dá conta de comer tanta manga madura em tão pouco tempo? Nem mesmo os periquitos. E se começássemos a fazer como asiáticos e comê-las assim que ficam rechonchudas mas ainda verdes?  Aposto que não teria tanto dono de carro em Belém reclamando das frutas espatifadas de maduras no parabrisa.  Do mesmo modo, se comêssemos jacas verdes, que são ótimos legumes incluindo as sementes, não seria necessário sacrificar tantas jaqueiras produtivas de nossas florestas, como vem acontecendo.  Pois, colher e comer frutas imaturas exerceria um certo controle populacional.  

E, assim, permita-me esta dose de ingenuidade, teríamos menos fome Brasil afora e mais variedade de sabores nos nossos pratos. Sem falar que manga verde não tem custo.

Está certo que não vamos encontrá-la nos supermercados ou hortifrutis, então, para a maioria dos leitores, talvez seja um luxo. Mas para muitos brasileiros que estão na zona rural ou perto de praças com mangueiras, é fruto fácil. Já percebeu quanta mangueira apinhada de frutos de vez há nesta época do ano, nas ruas e quintais de São Paulo?

E quando digo frutos de vez não quero dizer mangas da vez, como as sem fibras Haden, Tommy Atkins, Keitt, ou Palmer. Muitas mangueiras rústicas e até mangabeiras nativas já foram substituídas pelo cultivo destas variedades de manga mais interessantes do ponto de vista comercial. Elas frutificam o ano inteiro graças a artimanhas como o estresse hídrico: uma forma é interromper a água das plantas irrigadas para bloquear o crescimento vegetativo e induzir a floração e outra é simular o mesmo feito a partir da aplicação agrotóxico sufocante para as raízes e danoso para o meio ambiente, o paclobutrazol (PBZ). Por isto, encontramos estas mangas, maduras ou quase, o ano todo. Mas verdes, nunca. Nem delas nem das rosas, espadas, bourbons, coquinhos e dezenas de outras variedades espalhadas pelo país.

Quando verdes, todas elas tem sabor parecido, mais vitamina C e mais amido, que se transforma em açúcar à medida que amadurecem. Daí serem mais densas, menos fibrosas, ideais para preparos salgados, mas também adequadas para doces pastosos, como purês e recheio de tortas. O único inconveniente, a acidez, pode ser um ponto a seu favor. Tanto, que há até um tempero indiano feito à base de manga verde seca. É o Amchur, usado justamente para acidificar curries e outros pratos agridoces.

A polpa ácida traz ainda, a não ser pela doçura,  certa semelhança com as maçãs verdes, especialmente quando ambas estão cozidas. Se temperada com açúcar e canela, então, a polpa chega a enganar. Isto logo foi percebido pela mãe de um amigo, de Holambra, cidade do interior paulista fundada por holandeses.  Acostumada às deliciosas tortas de maçã que comia na terra natal,  não se apertou quando teve que lidar com a falta dos ingredientes a que estava acostumada, fosse pela inexistência deles ou pela dificuldade financeira que afligiu os primeiros imigrantes. Não teve dúvidas, cozinhou mangas verdes sem casca, tirou a polpa, temperou com açúcar e canela e usou no lugar das maçãs. Assim que ouvi esta história, corri para experimentar, seguindo as lembranças do filho Flores e a receita clássica de torta de maçã que dona Flora Welle usava de modelo para a adaptação que não registrou em vida. A mesma polpa cozida era usada ainda por ela para passar no pão duro, como manteiga, para amaciá-lo e alimentar a criançada. Fica muito boa. Lembra torta de maçã, mas também se passa por uma com recheio cremoso de limão. Bastaria um merengue dourado por cima.


Bem, poderia me extender muito falando das possibilidades da manga verde, mas vou mostrar apenas como fazer um arroz bem condimentado, em que a manga ralada tem o papel de uvas passas,  e como servir manga verde apenas polvilhada de sal e pimenta vermelha que pode ser comida com iogurte, ambos de inspiração indiana, além da torta e do refresco feitos com a polpa cozida.


Para fazer suco cru, não há receita. Basta bater a polpa crua com gelo, água e açúcar e coar – fica como uma limonada. Procure ainda no google por chutney cru de manga crua, unripe mango curry, green mango curry ou combinações similares. Inspire-se ainda mais vendo os pratos no google imagens e depois me conte.  



Este chytney é da Shakuntala. Ela vende e por isto não dá receita
Agora, se você quer provar outras delícias com manga verde feitas por uma indiana,  é só escrever para a minha vizinha Shakuntala, que disputa comigo as mangas da praça, e ver o que ela tem na dispensa. Ela vende chutneys e conservas deliciosas: shakuntala@ig.com.br



Torta de manga verde


Massa

200 g de farinha de trigo

100 g de açúcar

100 g de manteiga gelada em cubinhos

1 ovo pequeno


Recheio

2 xícaras de polpa de manga verde cozida

½ xícara de açúcar

1 colher (chá) de canela

Açúcar e canela para polvilhar

Ovo batido para pincelar


Faça a massa misturando todos os ingredientes só até conseguir formar uma bola homogênea. Não sove. Guarde na geladeira enquanto prepara o recheio.

Recheio: cozinhe mangas bem verdes  (cerca de 10 médias) descascadas e cobertas com água, por cerca de meia hora ou até que fiquem bem macias. Raspe a polpa com colher para livrá-la do caroço e das eventuais fibras. Reserve 2 xícaras desse purê para fazer o recheio (se sobrar, use para refresco).  Se tiver muita fibra, passe pelo passador de legumes. Junte o açúcar e a canela e misture. Forre com a massa uma forma para torta com 23 centímetros de diâmetro, untada e enfarinhada. Reserve ao menos 1/5 de massa para fazer o acabamento. Coloque o recheio, polvilhe um pouco de açúcar e canela  e, por cima, coloque tiras, abertas com rolo em superfície enfarinhada, fazendo um xadrez. Finalize com rolinho de massa o contorno da torta. Pincele com ovo batido, leve ao forno médio e deixe assar por cerca de 40 minutos ou até dourar. Deixe esfriar e guarde na geladeira por um dia antes de servir.


Rende: 8 porções


Cuca de manga verde:é só usar aquela mesma receita de cuca de uva e substituir as frutas - no caso, usei mangas verdes descascadas e cortadas em cubinhos como se fossem maçãs. Juntei canela à farofa. 



Já fiz também com folhas de curry, fritas depois do cominho
Arroz de manga verde


2 colheres (sopa) de óleo

1 colher (chá) de grãos de mostarda marrom

2 colheres (chá) de grãos de cominho

¼ de xícara de amendoins inteiros

¼ de xícara de castanhas de caju

2 pimentas dedo-de-moça verdes e 2 vermelhas picadas na transversal, sem sementes

4 colheres (sopa) de cebolinha picada

1 xícara de manga verde ralada grosso

2 xícaras de arroz cozido

Sal a gosto

Folhas de coentro a gosto


Numa frigideira tipo wok aqueça o óleo e junte os grãos de mostarda. Quando começarem a pipocar, junte os grãos de cominho, o amendoim e as castanhas. Deixe dourar.  Acrescente as pimentas, a cebolinha e a manga. Mexa devagar durante 1 minuto ou até a manga murchar. Polvilhe com sal e junte o arroz cozido. Misture com cuidado. Prove e corrija o sal, se necessário. Espalhe folhas de coentro e sirva com uma colherada de iogurte por cima.


Rende: 6 porções


Refresco: cozinhe as mangas verdes descascadas cobertas com água até ficarem macias. Tire a polpa dos caroços raspando com colher. Bata no liquidificador 1 xícara de polpa e 1 xícara de açúcar e guarde na geladeira. Na hora de fazer o refresco, basta colocar no copo umas três colheres de polpa e misturar com água e gelo. Se quiser, tempere com pitadas de açafrão, noz moscada, cardamomo e sal.


Manga com pimenta: Descasque e corte a manga verde em pedaços, sem destacá-los, e polvilhe com mistura de pimenta e sal. Para não ficar muito ardida a cobertura, combine a pimenta seca,  como calabresa moída, merken ou baniwa, com páprica doce, para dar cor sem muita picância. Coma com iogurte.





Chutney de manga cru: já publiquei aqui, mas quis trazê-la de volta porque é uma receita surpreendente. Só pra reforçar, então.


Colheita de verão: moranga

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As outras são de barro, de terra, modeladas, cozidas. Só a moranga cor de abóbora nasceu lá em Piracaia, sem ser semeada, no meio da compostagem do lixo orgânico. Cortada em gomos e temperada com ervas,  foi assada. 

Colheita de verão: uvas

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Estas foram colhidas aqui em São Paulo, no quintal da minha casa no bairro da Lapa. Estavam embrulhadas em saquinhos de voal e por isto cresceram compactadas no limite do pano,  limpas, perfumadas, enceradas, doces como mel. Foram comidas, chupadas, sugadas, polpa, casca e sementes crocantes bem mastigadinhas. As últimas da safra. As próximas, só no final do ano. As primeiras, o dobro destas, viraram aquela cuca de uvas que comi com café, nhac! 


Casa da Videira em Curitiba

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Leite e queijos de leite de cabra

No último domingo, ainda em Curitiba, fui visitar o projeto Casa da Videira, que já citei aqui.  Na fazenda há cabras, coelhos, galinhas, minhocas, porquinhos da índia além de tomates, bertalhas, almeirões, ora-pro-nobis, framboesas, uvas, maçãs, phisalis e muito, muito mais. Se pensa que estou falando de uma propriedade de hectares tocada por gente da roça, engana-se. É uma fazenda experimental urbana de fundo de quintal de 300 metros quadrados, no meio de um quarteirão de bairro classe média, tocada por profissionais graduados em diversas áreas e preocupados com o modo moderno de viver, com o destino de nosso lixo, com o desperdício de alimento e tantas outras questões ambientais.  Excedentes de comida viram alimento para os bichos, que produzem compostos para os canteiros de verduras e minhocas para galinhas, tudo pra virar mais comida, que alimenta homens e bichos, bichos que alimentam o homem, e assim vai-se fechando o ciclo, sem lixo, porque comida não é lixo, é dádiva.  Claudio Oliver e sua mulher Kátia me receberam em sua casa em pleno dia de Reis, razão pela qual estavam assando e decorando uma rosca coberta com frutas, que cheirava na esquina. A casa onde moram fica num condomínio fechado, mas fomos visitar a Casa da Videira que fica em frente e tem portão adornado por uma parreira. Ali, numa casa de madeira cor de laranja com janelas brancas, mesmas cores da minha,  vive Eduardo com sua mulher e bebê. Sua tese de mestrado é sobre a própria experiência e ele adora mexer com as plantas, encontrar espécies esquecidas e selecionar variedades apropriadas àquele microclima, como foi o caso de um tipo de bertalha que se deu bem por ali. Oliver cuida dos bichos, que inclui ir buscar hortaliças desperdiçadas nos mercados, com a kombi do projeto, e ordenhar todas as manhãs as cabras. Aliás, nada ali cheira a galinheiro ou a chiqueiro. Predomina o perfume fresco de horta molhada, mas os bichos são cuidados com tanto zelo que não cheiram a nada. E zelo significa tecnologia como é o caso do uso da borra de café no chão junto com serragem, que elimina todo o possível mau cheiro e infestação de insetos.   A primeira prova foi já na cozinha de Claudio que me ofereceu leite e queijo de cabra feito por ele. Poderia jurar que ele estava me enganando, pois não havia o mínimo resquício daquele aroma característico de leite de cabra, de que eu sempre gostei - segundo ele, a peculiaridade vem das más condições de higiene. Os ovos também tem perfume suave, em nada lembrando aquele cheiro forte de ovo de granja. Pena que foi rápida a visita, mas gratificante, pois além do fato de ter conhecido tudo isto, voltei com sementes, sabão feito com óleo reciclado feito pelo Eduardo e sabonete de leite de cabra feito pelo Claudio.  Fique aqui com os links de reportagens e vídeos para conhecer mais o projeto. E depois, fotos que fiz no local.

Reportagem no caderno Paladar.



Bertalha super bem adaptada
As cabras 
Queijo de leite de cabra 
Eduardo mostrando os coelhos
Galinhas comendo compostos cheios de minhoca
Canteiro adubado com composto do minhocário
Claudio conferindo planilha de ordenha
Pão com queijo de leite de cabra derretido

Porquinhos da índia são os cortadores de grama
Sabão feito com óleo usado

O que é, o que é?

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Sei que muito leitor do Come-se conhece, por isto, por favor responda, se é o seu caso. Mas também sei que a maioria dos brasileiros não sabe o que é, o que justifica minha pergunta - para que eu lhe responda na segunda feira. Bom final de semana e até lá!  

Framboesa negra. Resposta à charada

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Resposta da charada do último post: framboesa da montanha ou framboesa preta ou framboesa do Himalaia. Alguns leitores acertaram e a Thaís deu até o nome científico, Rubus niveus

Na viagem a São José dos Pinhais, no Paraná, no começo do ano, visitei uma amiga de minha mãe que vive perto da cidade em um sítio  onde produz com o marido de tudo um pouco,  mas depois falo do lugar. Primeiro vou falar desta framboesa que veio de lá, que tem este encanto de desenho e um sabor espetacular, bem doce e um pouco ácida.  É rica em antocianinas como as uvas tintas e o vinho. 

Estas são de Santo Antonio dos Pinhais
Kvas 
Este tipo de framboesa já apareceu aqui no blog no ano passado. Lembra quando ganhei um punhado do casal Alex e Laura, de Santo Antonio do Pinhal, São Paulo? Pois com elas fiz Kvas e kefir. O nome das duas cidades de onde vieram já diz muito sobre seu habitat preferido no Brasil. Não falo dos santos, mas dos pinhais, típicos de climas frios. A planta se adaptou bem nas terras altas da Serra da Mantiqueira e, agora sei,  nos bosques próximos a Curitiba.  Aliás, seu nome em inglês é hill raspberry, framboesa das colinas. Nativa do Himalaia, é considerada planta invasora e indesejável em vários países. No Parque Nacional de Galápagos, touceiras desta planta espinhenta tomam conta da paisagem em vários pontos, sendo motivo de estudos para dar fim à espécie, cujas sementes podem sobreviver no solo durante muitos anos e os amontoados se tornam barreiras intransponíveis. Mesmo sabendo disso tudo, trouxe muda da planta para cultivar em Piracaia, afinal uma praga a mais, outra a menos, quando estou rodeada de braquiárias e eucaliptos, não mudará muito, se cultivada com controle. Some-se a isto que os frutos são comestíveis (o ato de comer exerce um grande poder populacional, certo?) e não pretendo deixar nenhum maduro pra trás. Vou fazer geleias e refrescos, congelar para bater com iogurte, fazer bolos, cucas, muffins etc. Não vejo a hora de chegar a safra. Só mais para o fim do ano. 

A planta

Para saber a diferença entre amora, amora-preta e framboesa, uma dica: amora mora na árvore, pode ter outras cores,  e pertence à família das moráceas (a mesma da jaca e da fruta-pão), também conhecida em inglês como mulberry, nome científico: Morus nigra. Já a amora negra ou blackberry é sempre negra, pertence à mesma família das rosas, a das Rosáceas e pertence ao gênero Rubus (várias espécies), plantas com muito espinhos. É aquela que tenho no meu quintal. Para diferenciar a amora-preta da também espinhenta framboesa (Rubus várias espécies), basta observar que as framboesas são Rubus do centro oco - quando colhidas elas perdem o pedúnculo que fica agarrado à planta, deixando o fruto oco. Esta espécie que mostrei, Rubus niveus, apresenta a superfície coberta por uma fina camada de cera, que a faz mais graciosa ainda. 

Rosca de nata com geleia de framboesa, da amiga da minha mãe


Feira de Curitiba

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Encontrei em Curitiba uma amiga que não via havia quase trinta anos. Nos conhecemos prestando vestibular para agronomia. Nem ela nem eu tivemos sucesso nas provas, continuamos nutrindo paixão pelas plantas e fomos fazer outras coisas. Ela veio pra São Paulo me visitar, eu fui a Curitiba encontrá-la. Depois nunca mais nos vimos mas nunca nos esquecemos. Agora a internet nos reaproximou e já não me lembrava mais como tinha sido minha visita a Curitiba naquele tempo de dureza - certamente andando, andando, vendo casas de madeira com alçapão, piás chupando picolés,  plaquinhas no portão vende-se cuques, muitas plantas nas calçadas,  flores nas casas dos polacos e promessas de amizade adolescente. Desta vez, depois de nos encontrarmos na igreja de Nossa Sra. do Guadalupe, andamos até uma padaria pra tomarmos café com pão e broa e fomos caminhando até a feira do alto da Glória (acho que é este o nome), que queria conhecer. No caminho, cogumelos, caquis, bertalhas, dente-de-leão, ervas rasteiras e uma infinidade de lembranças desenterradas. Quando já estava em São Paulo, Magna me escreve pedindo mil desculpas por me ter feito andar muito. Logo pra mim que não sou ninguém se não andar a pé por uma cidade nova e mesmo nas velhas conhecidas onde, parafraseando Luiz Gonzaga,  sempre descobrimos um orvalho novo beijando uma nova flor (a propósito, a leitora Amara me lembrou o restante da música Estrada de Canindé: ".. vai oiando coisa a grané/ coisas qui, pra mode vê/ o cristão tem que andá a pé").  

A feira é quase igual à que temos aqui, a não ser por alguns itens, como beldroegas e carurus, as gilas, as uvas terci (bordô), o feijão cavalo fresco usado para fazer as saladas sempre presentes nas churrascarias, o saquinho de torresmo, o artesanato Guarani, as bancas de embutidos e, para casa, escovão e até washboard para uso original - esfregar roupas nos tanques e bacias. Outra diferença é que usam a palavra "caseira" para alertar que o item foi produzido ou cultivado pelo próprio vendedor.   Gostei de ver este orgulho estampado nas plaquetas, como acontece na Europa que se vangloria com razão dos produtos locais e quando muitos ainda acham mais importante dizer que o produto é importado, seja da Finlândia ou da China.  

Bem, adorei reencontrar minha amiga, conhecer uma feira de Curitiba e chegar à casa de meus pais e usar a uva terci para fazer cuca ou cuque, como também a chamam por lá. Só não fiquei feliz de esquecer o feijão cavalo na geladeira da minha mãe - que fez a salada com muito alho, me contou. Aqui algumas fotos: 


Vassouras de palha


Tábuas de lavar roupa e escovão

Artesanato guarani


Feijão cavalo, vendido fresco, para salada 

Beldroega
Bredo ou caruru
Torresmo
Tomates caseiros
Tábuas de lavar roupa, escovão, vassoura de palha
Pimentas, alhos e temperos

Uva terci caseira, boa pra cuca

Cuca curitibana
Esta uva é inesquecível
 Comprei um quilo de uva bordô, fiz duas cucas na cozinha de minha mãe e dei de presente para os mais próximos. As cucas ficam ainda mais gostosas que aquelas feitas com uva niágara, pois são mais tintas, mais ácidas e igualmente doces.  A receita da cuca está aqui.

Curitiba de outrora. Eu e Magna, também! 

Chácara de Valdite e José Kriwouruska

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Mari colhendo framboesas
Assim que cheguei em São José dos Pinhais, no Paraná, onde meus pais moram, minha mãe já ligou para a amiga Valdite se convidando para ir visitá-la na chácara quase dentro da cidade,  "para levar minha filha que gosta destas coisas". E tem como não gostar?  

Valdite e Olga, minha mãe, sob a parreira de uva Terci
Minha mãe tem uma capacidade incrível de se adaptar a lugares novos e fazer amizades. Valdite, conheceu numa loja de departamentos e tão pouco tempo depois já parece que são amigas de anos. Por isto, fui recebida com carinho de afilhada pelo casal e sua filha, Mari.  

Valdite é baiana e seu Zé Kriwouruska, polaco. Aliás, no sul do Paraná, polaco ou polaca é qualquer ser branquelo,  seja polonês  ucraniano, húngaro, alemão ou italiano. Mas seu Zé é descendente de polonês mesmo e muito do que se vê ali é resultado da miscelânea das duas culturas, tanto nas soluções engenhosas na propriedade, quanto na mesa. Num espaço pouco maior que um hectare, cultivam de tudo. E, o melhor, aproveitam tudo o que sai daquelas terras e águas - um laguinho com peixes. O mel produzido em cem caixas de Apis espalhadas perto dali é consumido pela família e o excedente é envasado e disposto para venda numa estante improvisada na varanda, "mel do Seu Zé". Há também algumas caixas da meliponínea Mirin, abelha sem ferrão que produz mel ralo e ácido de excelente sabor. Nem a água doce, resultado do enxague das colmeias durante a extração do mel, é desperdiçada. Vira melado de mel, que também é vendido. Muito bom, doce com um quê de amargor.  Trouxe para mim um vidro de cada e ainda de geleia de framboesa, feita pela Valdite. Muitas frutinhas são necessárias para se fazer um vidro de doce denso de vermelho forte, por isto tenho economizado como ouro a que trouxe. E a cerveja de mel? Sorte que sobraram duas garrafas das festas de fim de ano e pude degustar. Deliciosa. É clara,  mas lembra cerveja escura, um pouco adocicada, alcóolica, superborbulhante. Mari, a filha, disse que muito descendente de polonês por ali ainda faz esta bebida e prometeu que vai me ensinar a fazer. Só precisava de comprar mais lúpulo para o próximo lote e aí me mandaria fotos e receita. Aguardemos! O maracujá do mato vira polpa conservada para a entressafra, a nata vira biscoito, o torresmo triturado com alho transforma-se em "manteiga" para o pão, a uva é cozida para fazer suco engarrafado. E tudo feito com tanto capricho, que recomendo muito a quem estiver entre Curitiba e São José dos Pinhais que compre o mel, a geleia e os produtos de momento, sempre únicos, exclusivos, já que a atividade principal dos dois não é a de venda mas a de produzir por prazer para consumo próprio. 

Cerveja de mel 

"Manteiga" de torresmo. Como é mesmo o nome?

Mel de mirin

Maracujá do mato 




Para quem quiser comprar o raro mel de mirim, mel de Apis, melado de mel ou geleia de framboesa: Mel do Seu Zé, telefone: 41 3282-3408 ou 41 9906-8092

Comida de mãe e de pai

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Só mais uma coisa a respeito de minha ida a Curitiba. Não é exatamente em Curitiba onde meus pais moram hoje, mas é como se fosse, pois São José dos Pinhais é do lado, como São Paulo e Osasco. E é onde fica o aeroporto da capital. Embora tenham saído do sítio em Fartura e se mudado para uma casa na cidade, a roça nunca saiu deles. 

Mesmo durante os cerca de 30 anos em que viveram aqui em São Paulo, onde os filhos nasceram e se criaram, os dois conservaram costumes caipiras. E agora, no Paraná, não é diferente. Está certo que eu tinha muito mais histórias pra contar sobre Fartura, mas eles se adaptam bem a qualquer lugar desde que lhes sobre um pedaço de terra para plantar, ainda que seja uma faixa estreita da calçada. No jardim não há só cosmos, begônias, adálias, rosas e aleluias, mas também pés de almeirão roxo, tomate, limão, jabuticaba, pimenta, jiló, quiabo, orelha de padre, chuchu, tudo junto e misturado. Meu pai Toninho cultivava café em Fartura e agora não desperdiça os poucos grãos que amadurecem no quintal da casa de minha irmã Fátima, de muro colado. Já dá pra matar a saudade do café torrado por ele e moído na hora. Por outro lado, Dona Olga adora galinhas e ovos recém-postos de gemas quase vermelhas e,  enquanto vizinhos não reclamam, uma meia dúzia delas cacareja num canto do quintal, se alimentando com sobras do hortifruti do bairro. Na calçada, cúrcuma, rosas, taioba, almeirão, jasmim, espinafre. Sentem-se em casa. E a comida de Dona Olga continua gostosa como seu Toninho sempre diz, seja no sitio ou na cidade. "Não sei que tanto você fica querendo pegar receita dos outros, os outros é que tem que aprender com você", diz ele quase que ranzinzamente querendo elogiar. 

Calçada com flores e espinafre

Calçada com cúrcuma e flores

Calçada com taioba 


Jardim com tomate, couve, pimenta, galinheiro



Dona Olga com ovo quentinho

Seu Toninho colhendo café 

Colheita de verão

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Neste último final de semana,  em Piracaia,  saí com Marcos pela estrada afora na esperança de coletar alguns cogumelos, já que o solo ainda estava úmido da chuva forte do dia anterior e o céu nublado poderia ajudar a mantê-los frescos durante a caminhada. Não, não comeria nenhum. Era só uma brincadeira para explorar as formas, o desenho, fazer fotos, tentar agrupá-los, mapear os lugares. Levamos até cestinha que pretendia encher, como aquelas que passeiam pelas florestas da Catalunha. Mas no caminho começamos a nos deparar com itens menos nobres,  mais desprezíveis e destituídos de estética. Primeiro uma latinha de cerveja enfiada no galho de uma goiabeira na beira da estrada, depois uma garrafa pet atropelada, sacos de salgadinho virados do avesso parcialmente submersos de lama, sacola de supermercado, papel de bala lambuzado e outros vestígios de nosso estágio de civilização -  pós-era em que nosso lixo eram embalagens como cascas de banana biodegradáveis.  De modo que sobrou pouco espaço para as peças decorativas coletadas: um enorme cogumelo branco e um fruto de lobeira para perfumar nossa sala.  Mas não desisti de encher a cesta de espécies vivas. 

Minha massa de panqueca

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De vez em quando elas aparecem no café da manhã, com rodelas de banana cozidas com mel, canela e limão. Minha receita é simples. Bato no liquidificador 2 ovos, 1 xícara de leite, 1 xícara de farinha de trigo branca, 1 colher (chá) de sal, 1 colher (chá) de açúcar, 1 colher (chá) de fermento químico em pó (opcional) e 1 colher (sopa) de azeite ou óleo ou manteiga ou qualquer outra gordura. Colheres sempre rasas, claro. Sal e açúcar nesta quantidade faz da massa elemento versátil para recheios doces e salgados. O açúcar ajuda a dourar. E você ainda pode perguntar: mas pra que gordura na massa? Simples, pra não grudar. Foi um jeito que encontrei de não precisar ficar untando a frigideira mesmo que ela não seja de teflon. Se a superfície for bem limpa, limpa mesmo, sem partículas aderidas, tanto faz alumínio ou ferro, esfregadas com palha de aço para que fique bem lisinha, não precisa untar. A única coisa que faço é aquecer bem a frigideira e quando está bem quente como ferro de passar esfrego um guardanapo de papel com óleo, só para formar uma camada fina. E cuidado para não queimar a mão. Tem que fazer isto rapidamente. Não é pra usar pincel, que deixa uma camada mais grossa e pode queimar as cerdas, queimar o óleo. É vap vupt, segurando a parte de cima e esfregando a parte de baixo de uma amontoadinho de papel com óleo. Não deve restar óleo livre pipocando e queimando na superfície, deve funcionar com um verniz.  O fermento faz estes furinhos da foto. Mas não precisa.  Ah, não precisa também de liquidificador, se não quiser sujar mais tralhas. É só misturar bem na própria caneca que vai servir para despejar a massa na frigideira. Pode usar um batedor de arame para a massa ficar mais lisa. Se bater bem e deixar a massa descansando, o glúten ficará mais forte e a massa ficará menos frágil, fácil de virar. Isto será mais útil ainda se estiver complementando a massa com outros amidos mais fracos em glúten como as farinhas integrais, ou com aqueles sem glúten, como os amidos puros de raízes e outros cereais.  Para virar, primeiro, solte as bordas com uma espátula. E depois, dá aquela viradinha no ar, especialmente se tiver plateia e estiver carente de Ós! É tudo isto que tenho a dizer sobre massa de panqueca com trigo.  Se quiser panquecas coloridas sem glúten, tenho esta receita aqui

Garimpando banana-da-terra e da praça

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Marcos com enxadão e  Angelita segurando a muda 
Na semana passada veio aqui a Angelita, do Garimpos do Interior e, entre uma conversa e outra, surgiu o tema banana-da-terra docinha que ela colheu no próprio quintal do restaurante. Fiquei fascinada e ela me contou que aliás estava querendo se desfazer de umas mudas que brotaram depois de o cacho ser colhido. Claro que abri o olhão de vontade, para plantar em Piracaia. Já trouxe muda de banana-da-terra da Ilha do Marajó e de Acrelândia, ocupando mala quase inteira (sem falar nas de banana-nanica que trouxe de Minas, Paraná etc).  Lá na chácara, as da terra não crescem muito animadas, afinal estavam acostumadas à floresta quente e úmida. Já com as do Garimpo do Interior,  fiquei mais animada, pois parecem mais aclimatadas por aqui. E resilientes, pois estavam aglomeradas num pedaço mínimo de terra. Chegamos da chácara, Marcos pegou o enxadão e fomos para o restaurante, conforme o combinado. O salão ainda estava animado de conversas e cheiro bom de pastel de angu, frango caipira com ora-pro-nobis, café passado no coador sobre a mesa e sobremesas gostosas. Pena que o restaurante  já estava fechando e havíamos acabado de almoçar. 

Marcos é forte, decidido e talentoso com instrumentos cirúrgicos, não importa o tamanho da encrenca ou da ferramenta.  Deve ter achado mais fácil extrair bananeiras que amígdalas. Cavou e cavou com paciência toda a volta da muda maior, mais alta que eu,  e a extraiu da terra sem danos. A menor foi mais fácil. Saímos de lá carregando num ombro a ferramenta e no outro as bananeiras com suas folhas gigantes balançando ao vento, torcendo para logo logo ter frutas e fazer aqueles pasteizinhos com recheio de farinha de arroz. 

E já que estávamos engajados em garimpar as musas,  aproveitamos o momento para ganhar mais uma muda de nanica da praça perto de casa. Decidimos pegar um broto pequeno, pois o bom, mais tronchudo, estava entrincheirado junto aos outros troncos grossos. Nisso,  passou um bom moço e já foi aconselhando, que se quiséssemos ter uma boa muda teria que ser aquela grande mesmo, que a pequena daria um cachinho minguado de bananinhas aguadas. Foi pegando o enxadão e cavoucou com jeito, sem descansar, até que conseguiu soltar a planta da terra e tirá-la com uma forte puxada. Vi que tinha em tesourão na bolsa e perguntei se era jardineiro. Sim, estava voltando do trabalho em pleno anoitecer de domingo, todo de banho tomado, roupa limpa,  e perfumado,  pronto para o merecido repouso. Só pude agradecer muito oferecendo metade das bananas que tinha em mente colher, mas recusou, chega de peso por hoje, dizendo que o cacho estava mesmo no ponto de cortar para amadurecer em casa,  e seguiu seu caminho. 

Pois é, a ocasião faz o ladrão. Já estávamos ali na praça mesmo, com a faca e o enxadão na mão, por que não levar também aquele cacho de banana já no estágio de colher?  Uma semana atrás havia três cachos e agora só restava um. E eu sempre estou de olho nesta bananeira. Faz três anos, manifestei aqui minha cobiça, mas até hoje não tinha dado sorte. Sempre um gaiato chega antes. Esta foi a nossa vez. Voltamos para casa com um enxadão num ombro, cacho de banana no outro e, nas mãos, as mudas. 

A banana da praça agora amadurece aqui. Só cuido para afastar sanhaços

Rabanetes passados ou procura-se um caseiro

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Eu sei, eu sei. Todo mundo diz que as duas únicas alegrias quando se compra um sítio ou uma casa de praia são os momentos de compra e o de venda. Se é assim, estamos no lucro,  pois já tivemos várias alegrias, apesar de termos trabalhado incessantemente neste um ano e pouco. Mas também já enfrentamos algumas dificuldades como foi coordenar à distância a construção de uma casa para o caseiro enquanto ele morava na única casa velha que havia no sítio. Nós íamos de manhã, trabalhávamos o dia inteiro e voltávamos no fim da tarde porque não tínhamos onde dormir e não queríamos incomodar o casal, evitando até usar o banheiro. Quando a casa do caseiro ficou pronta e decente, eles se mudaram. Desistimos de construir uma casa nova para nós e reformamos a velha onde eles moraram, fazendo emendas e puxadinho até que ficasse confortável, aerada, amarela e alegre, sem nenhum luxo. Uma varanda grande é tudo.  Durante a reforma, ainda dormimos e comemos algumas vezes lá em condições precárias. Agora já dá para passar o fim de semana, cozinhar, cuidar da horta, do jardim, trabalhar o dia todo mas também repousar os olhos no horizonte, ouvir muita música,  olhar para a água, para as flores coloridas, para as frutas que vão chegando, para o céu super estrelado e especialmente dormir em cama macia só com barulhos do sapo e a cor negra da noite. Isto tudo é muito repousante. 

Mas uma coisa me chamou a atenção quando contratamos o caseiro. Perguntei se ele gostava de plantas e ele respondeu "ah, de algumas". Isto diz muita coisa, pensando agora,  mas tínhamos ficado tão bem impressionados com ele e especialmente com a a enteada de dez anos, super inteligente e simpática,  que não me apeguei a isto.  Mas logo perceberíamos que realmente ele devia gostar bem pouco de plantas, de verde, daquilo que nós gostamos. As únicas flores em volta da casa deles fui eu quem plantou. Muitas minhas morreram de secas. Outro dia dei umas sementes pra que fizesse uma horta para eles, perto da casa, afinal terra pra plantar não falta. Pedi para que plantasse na horta dele, um pouco na minha e ainda guardasse sementes para depois, pois eram muitas. E, tanta coisa que tenho para plantar, que tinha até esquecido. Sei que na minha horta nasceu apenas o que eu plantei.  Só me lembrei daquelas sementes quando ele chegou com uma sacola cheia de rabanetes grandes pra mim. Perguntei cadê as folhas, também são comestíveis, mas nem precisaria olhar muito para concluir que os rabanetes estavam velhos, rachados, com textura de isopor e, consequentemente, as folhas apodreceram de velhas. Perguntei se não não tinham comido e a resposta foi "não gostamos, é ardido, e tem rúcula lá, que também é ardida e a gente não gosta, pode pegar, e tem cenourinha que ficou pequena porque cresceu amontoada, a gente não gosta também".  Agora, porque ele não disse isto quando lhe dei as sementes, vou ficar sem saber porque desacorçoei.  As sobras de sementes sumiram, não sabe onde colocou. 

Tentei dar um jeito no rabanete e, ao caseiro, ensinar algumas coisas com jeitinho, mas ele só gosta de umas plantas que não descobri ainda qual é. Não gosta de almeirão, que tem lá aos montes, não gosta de favas, nem de orelha de padre, nem de morangas. Nada do que eu gosto. Nem ele nem a mulher. Ele não é má pessoa, mas é muito novo, deve querer outras coisas da vida e eu não lhe tiro a razão, afinal para morar cercado de verde por todos os lados é preciso gostar de plantas. E por isto foi ele quem pediu demissão. Agora está cumprindo aviso prévio e precisamos conseguir outro. O importante é que goste de todas as plantas, pássaros, borboletas, crianças. Tem espaço para fazer a própria roça e horta, a casa tem dois quartos, de modo que pode ter filhos - o ônibus escolar passa na porta. A represa é nossa grande piscina que não precisa de tratos e fica a quinze minutos a pé. Tem cachoeira a um quilômetro. Tem clima gostoso, fresco na hora de dormir. E uma paisagem deslumbrante com água e colinas. Se você, leitor do Come-se,  tiver alguma indicação, é só me escrever que eu passo todos os detalhes: neide.rigo@gmail.com 

Fotos da casa do caseiro e da represa que se avista e se alcança a pé. 



Rabanetes assados

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Daqueles rabanetes colhidos além da hora, consegui salvar alguns que se juntaram à couve cortada fininha para salada ou foram cortados em nacos e cozidos com o arroz e ainda assim precisei jogar fora muitos que já começavam a apodrecer quando os recebi. E todo mundo deve conhecer o cheiro enxofrento destes alimentos da família das couves quando começam a se decompor. 



Precisei, portanto, pensar rápido. Como ia à noite da segunda feira na casa de minha irmã, para aniversário do cunhado comemorado entre família, pensei num jeito de acabar logo com aquilo, buscando cumplicidades contra o desperdício. Pensei que talvez uma conserva picante poderia combinar com a cerveja. Mas aos poucos, conforme ia experimentando os rabanetes que ia lavando, a intenção ia se transformando para um agridoce, com a cerveja ainda na mira para harmonizar.  Até que cortei tudo em quatro, mantendo a película quando estava íntegra e descartando no caso de estarem meio baleadas. Espalhei numa assadeira e fui temperando com o que achava que combinava: um pouco de sal, vinagre e açúcar para serem percebidos, galhinhos de tomilho, uma pitada de cominho tostado, cravo triturado e azeite para ser discreto. Misturei bem, levei ao forno e deixei assar por cerca de uma hora, mexendo de vez em quando. Quando saiu do forno, mais macio mas ainda com resquício de crocância e a picância mantida, provei e juntei mais açúcar e mais vinagre e aí sim ficou uma delícia. Levei num pote tampado e ao ser aberto o cheiro de nabo cozido se dissipou. Houve quem amasse e quem odiasse. A sobrinha do meu cunhado queria levar embora de tanto que gostou.  Mas não sobrou, afinal os mais velhos acharam uma boa ideia para acompanhar a cerveja. Acertei, combinou.  Já os mais jovens, incluindo a filha Ananda e as sobrinhas Flora e Tarsila não gostaram, preferiram acompanhamentos clássicos. A conclusão pontual é que para gostar de nabos cozidos ou rabanetes assados é necessário um paladar mais amadurecido, vivido. Será?

Kefir. Coluna do Paladar. Edição de 24/01/2013

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Esta foto: Neide Rigo

Já falei muito de kefir aqui no Come-se. É só digitar a palavra no campo de busca aí do lado. Mas este foi o texto da coluna Nhac de hoje, no caderno Paladar, do jornal O Estado de São Paulo, com fotos de Felipe Rau, que copiei do  blog . Aliás, não deixe de acessá-lo para saber como fomos representados no Madrid Fusión. 

É kefir. Pode conferir

  • 23 de janeiro de 2013|
  •  
  • 22h50|
    Por Neide Rigo
Kefir é um tipo de coalhada feita a partir do encontro do leite com um conglomerado de micro-organismos que lembra um pedaço de couve-flor.
Evito citar a palavra kefir porque em seguida chovem pedidos, com variados graus de gentileza, que não dou conta de atender. É que, antes de ser alimento gostoso, kefir é quase religião. Dizem que a solução para curar de unha encravada a câncer foi presente de Alá e não pode ser vendida.
Não acredito nisso e o trato como um alimento gostoso com funções probióticas. Acho que todo mundo pode comprar de quem produz um pedacinho da colônia. E não digo isso porque quero vender kefir. Longe de mim. Já pertenci a comunidade de doadores e ainda presenteio amigos, vizinhos, parentes, e assim deve ser com quem tem.
Comprei minha primeira colônia de kefir no Mercado Livre e ela chegou pelo correio, do tamanho de uma bola de gude, com instruções de uso.
Quem não tem um doador por perto, pode comprar kefir sem pedir perdão. É algo que se compra uma vez na vida, dado que ele se multiplicará logo em quantidade suficiente para presentear os seus amigos.
Em vários países europeus, o kefir é vendido com iogurtes e coalhadas. Na aparência, eles são quase iguais, mas os micro-organismos envolvidos na produção são diferentes. Já tinha ouvido falar dele na faculdade de nutrição, mas acredito que lá também ninguém soubesse o que era, pois os professores diziam só “é um leite fermentado do Cáucaso” e nunca aprofundavam. Só depois de pesquisar e conseguir a colônia é que descobri que lá pelo final da década de 1970 esse mesmo grupo de micro-organismos chegou a colonizar o leite de casa. Não fez muito sucesso, minha mãe achou o resultado gosmento. E sumiu.
Já tem quase dez anos, tomo kefir batido com frutas todos os dias no café da manhã. Quando sobra, faço queijo tipo chancliche, lassi ou coalhada seca.
Para quem não sabe nada sobre kefir, trata-se de uma colônia de leveduras a bactérias que pode chegar a 70 espécies e que se alimenta de lactose e fermenta o leite. Esse leite fermentado é um alimento probiótico por conter lactobacilos e outras bactérias vivas. Há muitos estudos in vitro e in vivo que mostram os préstimos do kefir à saúde – da absorção de nutrientes à inibição, em ratos, de alguns tipos de metástase. É excelente para quem tem leve intolerância à lactose, pois no leite fermentado parte dela está pré-digerida. Se tomado todos os dias, regula o intestino e dá resistência a doenças, além de ser delicioso quando bem feito. Só não espere dele a cura para todos os males.
Não se sabe exatamente como e onde o kefir surgiu e até hoje ninguém conseguiu produzi-lo senão a partir de um pedaço da colônia já existente. Sabe-se, no entanto, que a palavra kefir vem do turco keif, que significa bem-estar ou bem-viver e que surgiu na região montanhosa do Cáucaso, onde dizem ter sido presente de Alá ao profeta Maomé. Por muito tempo os locais guardaram segredo sobre ele.
Diz a história, talvez com um pouco de floreio, que em 1900 os irmãos Blandovs, que faziam queijos no noroeste do Cáucaso, foram contratados pela Sociedade Médica Russa para conseguir o segredo do kefir. Eles usaram a artimanha de expor a jovem e linda funcionária Irina Sakharova como isca para conquistar o príncipe do Cáucaso, que lhe daria a colônia em forma de grãos de presente. Mas nem todo o amor do mundo fez que o príncipe caísse em tentação. A moça voltou de mãos abanando, mas em seguida foi sequestrada e levada de volta ao príncipe, que lhe ofereceu presentes e joias. Irina bateu o pé até conseguir o que lhe havia sido encomendado. E foi por esse caminho que o kefir chegou a Moscou e de lá, se espalhou pelo mundo, sempre se reproduzindo a partir daquelas colônias, até chegar a minha casa e à sua.

Refresco, sobremesa… Mas primeiro faça o kefir

  • 23 de janeiro de 2013|
  •  
  • 22h45|
    Por Neide Rigo
Quando não for fazer kefir, guarde-o, com um pouco de leite, na geladeira. FOTOS: Felipe Rau/Estadão
Proporção. Para um litro de leite, use 1 colher (sopa) de grãos de kefir. Se a colônia for crescendo, tudo bem, desde que o resultado não fique muito ácido.
Fermentação. Coloque os grãos e o leite em um vidro coberto com um pano ou tampa mal rosqueada. Deixe à temperatura ambiente por 24 horas. A coalhada que for tirada é o que você vai tomar ou usar como ingrediente. Se não for consumir, guarde na geladeira por até 2 dias.
Temperatura. No frio, ele pode coagular de maneira uniforme. No calor, os coágulos se separam do soro. É só bater para uniformizar.
Viscoso. Os grãos devem ser enxaguados em água filtrada de vez em quando, especialmente se estiverem viscosos. A formação dos fios liguentos é normal – são mais de 70 micro-organismos vivendo juntos e, às vezes, um ou outro tenta predominar. O importante é que a colônia siga crescendo e continue branquinha.
Colônia. Para içar a colônia, use utensílio de plástico, porcelana ou madeira. Evite o metal, que pode causar alterações enzimáticas.
Quando os grãos se multiplicarem muito, o leite pode ficar fermentado demais e até um pouco alcoólico. Nesse caso, doe, congele em sacos plásticos (vale também como reserva) ou bata com frutas e gelo. Os micro-organismos não têm olhinhos nem alma.
Lassi. Para fazer lassi (refresco), junte ao kefir igual quantidade de água, gelo e açúcar a gosto e algum aroma como cardamomo. Bata no liquidificador até triturar bem o gelo. Se quiser misturar frutas,prefira as frutas menos ácidas e mais cremosas como banana, manga e abacate.
Coalhada seca. É só separar a coalhada da colônia e colocá-la para drenar em saco de pano ou coador de náilon sobre uma jarra – para que escorra o soro. Depois de 24 horas, já está numa consistência boa para servir pura com pão. Misture bem com uma colher ou bata para ficar lisa. Se quiser, tempere com sal. A coalhada seca também pode ser adoçada com açúcar ou mel e servida com compota de frutas.

Bolinhas no azeite de ervas

  • 23 de janeiro de 2013|
  •  
  • 22h35|
    Receita de: Neide Rigo
FOTO: Felipe Rau/Estadão

1. Tempere 1 litro de kefir com 1 colher (sopa) de sal e deixe drenando, do mesmo jeito que se faz a coalhada seca, só que por mais tempo – cerca de 40 horas.
2. Faça bolinhas com a massa e vá colocando com cuidado dentro de um recipiente onde já tenha um tanto de azeite, sal grosso, grãos de pimenta-do-reino e ramos de ervas frescas como orégano, tomilho e alecrim.
3. Sirva depois de 1 dia, no máximo, pois o kefir continua a fermentar.

Queijo fresco tipo chancliche

  • 23 de janeiro de 2013|
  •  
  • 22h40|
  • Por Redação Paladar
Receita de: Neide Rigo
FOTO: Felipe Rau/Estadão

1. Prepare o kefir como indicado aqui.
2. Tempere e drene o kefir ao longo de 40 horas, como na receita de bolinhas no azeite, porém, para fazer o queijo fresco, mantenha a bola inteira.
3. Sirva o queijo puro ou empanado com zaatar (misture orégano, sumagre e gergelim) ou com uma mistura de ervas secas (pode orégano ou hortelã), pimenta-do-reino triturada grosso e gergelim.






Risoto de momento

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Em sã consciência jamais pensaria numa receita assim:  arroz com fiapos de frango assado de padaria,  dois quiabos, dois jilós e duas cenouras com ramos, um rabanete, três tomatinhos, uma pimenta verde e outra vermelha, três inhames bem pequenos e folhas de rúcula. Mas diante da minguada colheita, após trabalho duro na horta insipiente, e  sob efeito da fome que não espera frufrus, nada mais natural que isto, aproveitar tudo o que se tem pra fazer um prato único e saudável, sem desperdícios e sem abrir mão da qualidade (parece marketing de indústria de alimentos, né não?).  Tudo bem que teve um frango de granja que, por sinal, estava bem bom - afinal também tenho meus pecados e são muitos, diga-se.  Um dia antes, quando passamos pela cidade, deu vontade de comer aquele frango de televisão de cachorro cujo perfume chamava vira-lata do outro lado das barrancas do rio. Não resistimos e levamos um pro sítio, todo cheiroso e dourado. Claro que depois de comer as duas grandes coxas, não há mais espaço para nada.  Por isto, tivemos frango em todas as refeições seguintes. E na última, os nacos de frango se juntaram aos vegetais recém-colhidos que, isolados, não dariam uma salada ou um refogado. Então, foram todos para a mesma panela, incluindo os tomatinhos, o inhame, as ramas de cenoura, as folhas de rúcula, o jiló e o quiabo. Apenas refoguei tudo cortado grosseiramente - só as pimentas inteiras - junto com um pouco de cebola bem picada. Juntei os pedaços desossados de frango, ralei um pouco de cúrcuma fresca por cima, um pouco de sal a mais e a mesma quantidade de água de sempre: 2 xícaras para uma de arroz. A panela de barro em fogo baixo cozinhou a mistura lentamente até o arroz ficar macio e ainda úmido.  E depois, nhac com vinho e bye bye nunca mais, pois dificilmente esta receita de momento será repetida, dificilmente outro frango assado será comprado e dificilmente terei daqui pra frente uma colheita tão pobre. Agora, que este resumo da horta cheio de aromas frescos faz um arroz divino de bom, ah isto faz e eu recomendo o modelo, ainda que o agrupamento não pareça muito harmônico, ainda que não tenha naco nenhum de frango ou qualquer outra carne. 


Caxi com taioba e manga verde

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Parece maluquice, mas veio a calhar. Shakuntala, minha vizinha indiana, de vez em quando passa aqui e a gente conversa e conversa sobre comida. E sempre acaba saindo uma receitinha que eu corro para anotar antes que ela se vá. Ela fala no geral e eu vou tentando esmiuçar até conseguir entender a receita no seu particular.  Ela viu que eu tinha taioba na calçada  e disse que tem uma receita indiana de taioba com caxi. Eu disse que tinha caxi e ela se espantou. Por acaso, eu tinha acabado de comprar o legume na feira, mas isto não é mesmo comum. O resto dos ingredientes, tinha também. As folhas de curry,  fui buscar na calçada de uma casa do meu bairro, onde havia uma árvore grande. Cortaram a planta, mas as mudas continuaram brotando. Fui lá, arranquei todas as mudas que cresciam junto ao mato, e replantei em vasos que já seguiram para o sítio. Guardei algumas folhas secas. Para quem não conhece, estas folhas de curry tem perfume que parece uma mistura de folhas de pitanga e as de tangerina. O resultado é uma coisa inigualável.  Mangas verdes, para acidificar no final,  tem ainda na praça, mas ela disse que pode ser tamarindo ou limão. Gengibre tem no quintal, mas o que usei era de mercado, um mês na cesta de legumes. As pimentas, super ardidas, trouxe de Piracaia. Algumas especiarias,  da lata. Ela saiu daqui com duas taiobas nas mãos para também fazer sua receita em casa. A minha saiu assim. Muito gostosa, caso queiram provar. 


Caxi com taioba e manga verde 

Coloque numa frigideira 2 colheres (sopa) de óleo e junte 2 colheres (chá) de especiarias misturadas: mostarda marrom, grãos de coentro e de cominho. E também um galho de folhas de curry.  Quando a mostarda começar a pipocar, coloque 1 cebola picada e duas pimentas dedo-de-moça picadas (pode ser uma verde e uma vermelha). Deixe dourar e junte 1 colher (chá) de cúrcuma em pó, 1 rodela de gengibre finamente picada e/ou 1 dente de alho finamente picado. Misture bem e deixe refogar um pouco. Acrescente 1 caxi médio sem sementes e sem casca picado, 2 tomates picados e sal a gosto. Misture e deixe cozinhar em fogo baixo. Se precisar, junte um pouco de água quente. Quando o caxi estiver macio, prove o sal e corrija, se necessário. Junte duas folhas de taioba rasgadas, sem as nervuras e uma manga pequena ralada (ou 1 colher de suco de limão, ou um pouco de suco de tamarindo). Misture e deixe cozinhar até a folha amolecer, coisa de dois minutos.  Sirva com arroz para 6. 


Convite: O que não mata engorda. Expedição gastronômica na cidade

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Cafezal na Paulista

Como parte das comemorações pelo aniversário de São Paulo, a quarta edição da Mostra SP Samsung de Fotografia traz para a cidade uma série de atrações. Uma delas será uma conversa hoje, no Espaço Cult, na Vila Madalena, com o sociólogo Carlos Alberto Dória e Neide Rigo, eu mesma, com mediação da jornalista Janaína Fidalga. 

A entrada é gratuita, é só se inscrever já pelo email atendimento@espacorevistacult.com.br. Ou pelo telefone 11 3032-2800. Ou chegar meia horinha antes. 

Espero você lá. Pra variar, estarei um pouco nervosa, mas a presença de leitores do Come-se e seus amigos sempre me acalma. Então, divulgue aí no seu facebook, no seu twitter, que eu não tenho nada disso. E visite o site da Mostra: http://mostrasaopaulodefotografia.com.br, que as atrações não terminaram. 
Obrigada! 

O que não mata engorda. Expedição gastronômica na cidade.
Quando:  30 de janeiro (quarta-feira) às 19hs 
Onde: Espaço Cult -  Rua Inácio Pereira da Rocha, 400 - Vila Madalena
Inscrições: atendimento@espacorevistacult.com.br 


O miojo da dona Vera, que planta flores, feijões e melancia

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Já conhecia dona Vera de vista, mas sempre passei por sua calçada apressada pra tomar o trem e também nunca quis atrapalhar a conversa dela com ela mesma, já que fala o tempo todo, atormentada. O único contato que tinha tido foi quando um dia ela me mostrou um vaso de plantas que havia ganhado. Mas há três semanas a amiga Nana veio aqui e, assim que desceu do trem, percebeu que tinha tempo antes de nossa reunião. Como é de seu caráter olhar com carinho e atenção a todo cenário dos lugares por onde anda, parou para conversar longamente com dona Vera. E fotografou. O relato lindo está no blog da Nana, Calunga Cor de Rosa.  

Nana pediu para eu levar uma panela caso tivesse, que ela estava precisando, e fiquei de passar lá. Na correria, acabei esquecendo. Só me lembrei há poucos dias quando passei pela sua calçada para ir ao supermercado. Nem estava com tempo, mas acabei me demorando. Uma  moça que conversava com ela antes de mim disse que traria a panela, já que cheguei com a desculpa de que não tenho mais panelas sobressalentes que foram todas para o sítio e que poderia comprar no supermercado caso ainda precisasse. 

Mas primeiro quis saber o porque de ela estar morando na rua. E aí a história é confusa, longa, recheada de fatos como expulsões, carro da prefeitura que roubou suas coisas, ida para um abrigo com muito "maconheiro, macumbeiro e muambeiro", que ali não era lugar pra ela, que nunca mais quer ir para um abrigo, que prefere a rua, que está bem ali, que costura pra fora, que o sobrinho é maconheiro e o expulsou da casa da irmã, que um taxista quis namorar com ela, mas deusmelivre, que o Kassab e o Haddad (e soletra direitinho h a dois ds, a, d) tem nomes feios do diabo, que são ladrões, tomaram tudo dela, que onde já se viu que eles nem precisam de dinheiro e pagam uma perua pra sair pela cidade roubando tudo das pessoas, que levaram embora suas plantas nos vasos, que quebraram o abacateiro que ela plantou na praça, que pode até ser que ela não aproveite o abacateiro que plantou, mas que outras pessoas podem comer as frutas, que plantou um abacateiro no corpo de bombeiros na Lapa (e tem mesmo), que os guardas aproveitam, que costura jaquetas, que ganha um dinheirinho, que gosta de plantar, gosta muito de plantas, que são a alegria dela, e que o bom deus ainda lhe reserva um pedaço de terra pra plantar lá no seu Pìauí, que um dia volta pra lá. E fala, fala sem parar.  Aí aprendi que precisa interromper para  interagir. E comecei a perguntar um pouco. E porque então a senhora não volta pra sua terra se tem lá seus parentes? Não é só pegar um ônibus? Dinheiro a gente arruma. Mas não, ela está "esperando o irmão, que tem carro, e vão todos num carro, com todas as coisas, porque o ônibus não leva as coisas, mas precisa esperar o outro, um carro maior, que eu dirijo,  mas não tenho carta, então vou tirar carta antes para revesar a direção com meu  irmão e por enquanto quero ficar aqui mesmo, que eu gosto daqui, já tem 2 meses e 28 dias que cheguei". Quando fiz cara de espanto com a precisão, ela respondeu "ué, se eu cheguei no 2 de novembro...".  E quando lhe perguntei da Nana ela se lembrou na hora "ah, a moça bonita que me deu um espelhinho, né? tão bonita". 


Mostrando as sementes de melancia

Mostrando o pezinho de feijão 
Quis aprofundar um pouco o assunto plantas e seus olhos brilharam. Ela me mostrou as sementes de melancia secando para plantar, me mostrou os pezinhos da fruta que havia plantado junto ao poste, os de tomate, junto ao muro e um de feijão numa falha da grama, ao alcance de suas mãos.  Mostrou ainda vasinhos improvisados com caixa de leite, galhos de quaresmeira enraizando em água dentro de garrafa pet, potinhos com sementes. Não liga de comer o que planta, só quer mesmo plantar, comida ou flores. Quando perguntei se queria alguma coisa do supermercado, pediu para eu comprar uma pinha para ela tirar sementes. Podia ser até podre, pois só queria as sementes para plantar. Cismou que quer plantar pinhas. 

E do que mais a senhora precisa? "Ah, traz também uns miojos, mas só pode ser da turma da mônica porque os outros viram mingau, são ruins, o da mônica é o único que não se desmancha todo, o macarrão fica durinho, gostoso de mastigar, e tem tempero bom. E também, se puder, traz umas cenouras e umas batatas. Ah, e também uns pedaços de frango ou ovo, você escolhe. E se não for pesar a mão, traz também uma dúzia de banana, mas tem que ser da maçã, pois as outras não me caem bem. E é só, vou te dar o dinheiro". Ela enfiou a mão no bolso do avental para tirar uns trocados e eu rejeitei, claro. Fui saindo e ela reforçando: "não esquece da pinha pra plantar". 


Pés de melancia junto ao poste

Pés de tomate junto ao muro

Sementes e mudas
Logo a pinha, não tinha, mas comprei os miojos turma da mônica sabor galinha. Foi estranho empurrar um carrinho com miojos, mas coloquei tudo numa caixa e passei lá com o taxi antes de voltar pra casa. O taxista estranhou o destino, mas quando parou o carro reconheceu Dona Vera, que por um tempo ficou morando no quintal do supermercado que funciona 24 horas. Disse que a irmã já tinha ido buscá-la várias vezes mas ela não quis ir. Ele desceu, cumprimentou, ah, a senhora por aqui, dona Vera?,  ela ofereceu bananas maçãs e ele aceitou. Deu logo duas e o repreendeu quando quis pegar as frutas com a mão esquerda. "Não, não, com a direita, pra não faltar banana nem pra mim nem pra você".


Eisbein bem baiano em Piracaia

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Sempre olhávamos com curiosidade para um restaurante na beira da estrada do Pião a caminho da nossa chácara. Tem cara de boteco fuleiro mesmo, com cores chamativas nas paredes fixadas com tinta a óleo, em  construção precária. Na varanda, mesa de sinuca decorada com cartazes de mulheres seminuas, anúncio de perdeu-se uma mula, encontrou-se um potro, vende-se charrete, aluga-se um pasto. Nome, o restaurante não tem, só me lembro da placa "temos caldo de mocotó e linguiça caseira". Um dia a gente para, prometíamos. 

Neste final de semana que passou coincidiu que já era tarde, estávamos com muita fome e não aguentaríamos até chegar em casa e cozinhar. Nunca paramos para comer na cidade por causa da vira-lata que sempre nos acompanha. Não espero que restaurantes aceitem a Dendê no salão e muitos não têm uma argola onde possamos prendê-la na porta. Então, preferimos sempre cozinhar em casa. Mas ali tinha espaço, um grande quintal gramado, a varanda com mesas de plástico estava vazia, em frente tem uma floresta, de um lado,  um lago e do outro, uma horta com quiabos, temperos, bananeira. Paramos e perguntamos o que tinha para comer. Caldo de mocotó, alguma outra coisa de que não me lembro, e, surpresa,  aizbai. - Tem o que?  - Joelho de porco, a senhora não conhece? respondeu Seu João. - Taí, a gente quer aizbai, seu João. Demora pra sair? - Vinte minutinhos, é que tá congelado. E o arroz,  o Oswaldo, meu irmão, tá terminando de fazer. - Ótimo, a gente espera. Uma cerveja bem gelada, por favor.  


Seu João sacrificado pela malemolência da fotógrafa (que preguiça
de me levantar daqui ... ) 


Enquanto isso, passeamos pelo entorno, a Dendê se comportou, usei o banheiro bem asseado, aproveitei pra espichar os olhos na cozinha, bem limpa, e conversamos com os camaradas que chegaram para uma pinga. Já ficamos sabendo quem tem frango, que faz o melhor queijo de leite cru da região e outras curiosidades. Só ficamos preocupados quando uzomi pegaru carro meio tortinhos, deixando pra trás o papo e a ambientação sonora:  um dvd ao vivo do Reginaldo Rossi, "Garçom, aqui nesta mesa de bar..."


Seu João nos trouxe uma tigela com molho de pimenta fresca que ele mesmo fez com cebola, alho e, se não me engano, cominho. Marcos gostou tanto que comeu puro com farinha. Aproveitou o ensejo e o restaurante vazio para nos contar toda sua trajetória de Ilhéus, na Bahia,  até chegar a este restaurante arrendado no meio do nada, no quilômetro seis da estrada tortuosa que dá no bairro do Pião, que fica  no vinte e dois. Foi garçom no La Casserole e no Gato Que Ri aqui em São Paulo muito tempo atrás, estudou culinária em Poços de Calda, trabalhou na cozinha de um restaurante em Mairiporã, e acabou ali. Ele e o irmão cozinham o que sabem com influência da terrinha e dos lugares por onde passaram. 

Chegou o arroz fresquinho, ele disse que é feito no capricho e com amor e eu não perdi a chance de sugerir a cebolinha verde da horta no lugar no sazon. Sugestão aceita. Desculpou-se pela falta do feijão, que normalmente acompanha o prato, mas tinha acabado, já era tarde. Contou que quer fazer umas tilápias daquele lago e sugeri usar também as folhas de bananeira ali do lado para embrulhá-las e assar na brasa. Disse que sim, sabe fazer e vai fazer, então. Sugeri ainda frango caipira com ora-pro-nobis. - Ô, seria bom, hem, frango eu tenho, mas não tenho ora-pro-nobis. - Por isto, não, deixa comigo.   E chega o prato de aizbai. Derretendo, cheiroso, suculento e com coentro fresco espalhado por cima. - Coentro no joelho, Seu João? Nunca pensei nisso. - Ah, é o toque baiano, coma aí este joelho que eu vou buscar lá em Bom Jesus dos Perdões. Comemos com farinha, molho de pimenta e arroz. E, nossa, como estava bom! Comemos de joelhos, tão enebriados que até esqueci do meu último palpite, mas aqui vai. Não precisa chamar de einsbein, não, Seu João, tão difícil de falar. O eisbeiano  pode ser mesmo joelho de porco com coentros. Sem chucrutes ou mostardas, uma coisa mais alentejana, mais baiana e pronto.  Dá tranquilamente pra três e custa R$ 20,00 com acompanhamentos. Na volta, deixamos lá uma mudinha de ora-pro-nobis e vamos ver no que dá. Aliás, você tem um bom nome para eu sugerir ao restaurante do Seu João? Porcoentros?

Temos caldo de mocotó e joelho de porco com coentros 
Estrada do Pião, entre quilômetro 6 e 7, do lado direito. Tem estacionamento e lugar para deixar bicicletas e cachorros.  
Todo mundo em Piracaia sabe onde é a estrada do Pião
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